Eu me importo

Direitos humanos básicos violados. Crianças e adolescentes vítimas da violência, desaparecidos ou fora da escola; mulheres vítimas da violência.  Animais abandonados.  Idosos maltratados e esquecidos.  Pessoas com deficiência e alvo de preconceito. Refugiados, moradores de rua.   Você se importa?

Em janeiro de 2016, o Observatório do Terceiro Setor lançou nas redes sociais a campanha Eu me importo, com imagens emblemáticas de grupos vulneráveis, textos informativos, listas de contatos de organizações para  doações , ações voluntárias e  telefones para denúncias. Ao longo de seis meses, a campanha foi vista e compartilhada por mais de 1,5 milhão pessoas.

O público se solidarizou, relatou exemplos pessoais de pró-atividade, dividiu seus dramas, expôs experiências em que sofreu a vulnerabilidade na própria pele, incentivou o amparo nas leis de proteção. Também indicou sites de ajuda, disponibilizou seu talento profissional ou ferramenta de trabalho para as causas. Motivou os demais a fazerem a sua parte, no seu pedaço; estimulou a votar conscientemente, a pressionar governos por políticas públicas mais eficazes e com medidas preventivas. A audiência muitas vezes criticou a morosidade e a ineficiência da Justiça.

Colocar-se no lugar do outro, colaborar para que todos tenham as mesmas oportunidades é “decisão particular e intransferível”, como disse um internauta. “Eu sou porque nós somos”, filosofia africana Ubuntu, era o ideal da vereadora carioca Marielle Franco, defensora dos direitos humanos brutalmente assassinada em março de 2018. A escolha pela cooperação e a igualdade – seja por humanidade, pela preocupação em lutar por um país melhor para os descendentes, por receio de também  fazer parte de estatísticas sombrias diante de um revés da vida –  é de cada um.  Esta foi uma das vozes que ressoaram durante a mobilização. Pode ser a de muitos. 

Chama a atenção que o tema mais acessado e compartilhado da campanha Eu me importo tenha sido os trinta milhões de animais abandonados no Brasil. A dificuldade de se relacionar, de dar espaço à diversidade sem projetar nela as suas neuroses, sempre fez parte da história das sociedades.  A jornalista paquistanesa Syjil Ashraf contou com humor em seu blog na internet como conseguiu convencer o namorado, talvez “alienado ou insensível”, a se importar com a justiça social. Aproximou o tema do cotidiano e dos interesses do casal; assistiu com o parceiro a filmes e programas de tv sobre o assunto; engajou-o em debates relevantes com pessoas interessantes. Sim, o namorado mudou de comportamento, embora não tenha se tornado um ativista social fundamentalista. Comovida, Ashraf destacou, no entanto, que a maior transformação do companheiro foi ele ter percebido o quanto as questões sociais eram importantes para a jornalista, e ter se esforçado para entender o porquê.

O indiano Amartya Sen, criador do Índice de Desenvolvimento Humano – que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia -, acredita não ser necessário criar artificialmente um espaço na mente humana para a ideia de justiça e equidade, “com bombardeio moral ou arenga ética”. “O espaço já existe, e é uma questão de fazer uso sistemático, convincente e eficaz das preocupações que as pessoas efetivamente têm”. Segundo Sen, por meio da compreensão mais bem informada e da discussão pública esclarecida. “Como seres humanos competentes, não podemos nos furtar à tarefa de julgar o modo como as coisas são e o que precisa ser feito (…) Nosso  senso de responsabilidade pode relacionar-se de um modo mais geral às desgraças que vemos ao nosso redor e que temos condições de ajudar a remediar. Negar essa exigência seria deixar de lado algo fundamental em nossa existência social. Não é tanto uma questão de ter regras exatas sobre como devemos agir, e sim de reconhecer a relevância de nossa condição humana comum para fazer as escolhas que nos apresentam”.