11 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos no Brasil
Conheça histórias de pessoas que precisaram lidar com a dor de perder alguém que cometeu suicídio
Por: Isabela Alves
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, cerca de 800 mil pessoas se suicidam por ano, no mundo. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde,11 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos. O suicídio é a quarta maior causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos, no país.
O problema atinge principalmente os homens (79% dos casos). São 8,7 suicídios para cada 100 mil homens na população do país. Entre as mulheres a taxa é de 2,4 suicídios para cada 100 mil habitantes.
“A morte é um assunto tabu. As pessoas evitam falar sobre ela todo o tempo, então pensar que o ser humano pode ser o causador da própria morte é algo chocante demais para muitas pessoas”, explica Daniel Martins de Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
Para ele, o fato de os homens se matarem mais do que as mulheres está ligado ao “conceito de masculinidade”. Os homens sentem uma pressão social para expressarem menos os seus sentimentos. “As mulheres tendem a ter uma rede maior de amparo, porque desabafam mais. Com os homens é diferente. Se muitas vezes quando estão perdidos eles não querem nem pedir informação, imagina como é admitir que estão doentes e precisam de ajuda?”.
De acordo com o psiquiatra, é necessário falar sobre suicídio para mostrar que ele não é uma saída. “Primeiramente, é preciso identificar os fatores de risco. Quando uma pessoa apresenta uma mudança de comportamento ou quando perde interesse por algo, é preciso agir. Eu acredito que existem maneiras saudáveis de passar por um problema e o diálogo sempre é a melhor solução”, conclui.
De acordo com a tese de doutorado ‘O processo de luto do filho da pessoa que cometeu suicídio’, da psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, “o suicídio é uma morte repentina e violenta, que choca. Pode provocar indignação, pois causa em quem ficou um hiato, em relação à experiência de dizer adeus àquele ente amado”.
Quando um suicídio ocorre, resta para aqueles que ficam sobreviver à tragédia. Não por acaso essas pessoas são chamadas pelos psicólogos de sobreviventes.
“Foi o pior dia da minha vida e toda vez que chega o aniversário da sua morte é como se eu revivesse tudo”
Lyanna Augusto chora ao lembrar a morte do primo. Sempre que ela pensa no suicídio dele, a sensação é de tristeza e desespero por não compreender como isso aconteceu.
Roberto era órfão de mãe e nunca teve o pai presente em sua vida. Por conta disso, a mãe de Lyanna o adotou e os dois cresceram juntos. Segundo Lyanna, na juventude, ele era cheio de alegria, gostava de ir a festas e era bastante namorador.
Sua vida tomou outro rumo após se casar, casamento este que durou 10 anos e lhe deu uma filha. E, embora seu sonho fosse trabalhar como policial, Roberto gostava do trabalho como agente funerário. Tudo corria bem, quando, de forma repentina, sua vida se desestabilizou completamente.
“Com a crise econômica do país, ele perdeu o emprego e isso desencadeou nele uma depressão. Na mesma época, ele brigou com a esposa e eles se separaram. Pouco tempo depois, ela se casou com outro. Por causa disso, ele ficou ainda mais doente”, conta Lyanna.
Ao consultar um psiquiatra, Roberto foi diagnosticado com depressão profunda. Começou a tomar remédios e teve que voltar para a casa da mãe de Lyanna para se recuperar. “Ele começou a se sentir triste e não se sentia bem em lugar nenhum. Tinha uma coisa errada com ele e ele não sabia como resolver”, conta a prima.
Começou a ter alucinações e em dezembro teve um surto psicótico. O tempo foi passando e sua personalidade se tornou irreconhecível. Além disso, ficou com o rosto desfigurado e com os olhos fundos, devido à tristeza e à doença. “Ele dizia: ‘Estão me perseguindo, estou me sentindo preso. Eu vejo muitas coisas, estou tendo pesadelos horríveis e me vejo dentro de um caixão’”.
Havia dias em que ele não comia, não respondia e não queria tomar banho. Também tinha o costume de andar em círculos com a mão na cabeça na tentativa de procurar uma solução para os problemas. Por conta da sua situação, a família nunca o deixava sozinho. Objetos como facas e lâminas eram escondidos para evitar que ele fizesse algo.
No entanto, mesmo com tamanha vigilância, Roberto conseguiu esconder o cinto do pai de Lyanna durante duas semanas. Em uma manhã em que todos foram para a igreja, ele insistiu em ficar em casa. “Tia, não quero sair, não quero ver as pessoas, estou com vergonha”, disse. A mãe de Lyanna ficou com ele enquanto o resto da família saiu. Lyanna mal podia imaginar que aquela seria a última vez em que o veria com vida.
Enquanto a mãe de Lyanna foi ao banheiro, Roberto foi para o quintal da casa e se enforcou. Ele tinha 33 anos. Quando a família chegou em casa, por volta das 11h da manhã, encontrou a mãe gritando desesperada e o corpo de Roberto.
“Foi horrível ver ele naquela situação, porque ele foi criado comigo e sempre foi uma criança muito alegre. Foi o pior dia da minha vida e toda vez que chega o aniversário da sua morte é como se eu revivesse tudo”, conta Lyanna.
Após a morte de Roberto, todos da família ficaram doentes. A dor também lhes roubou a vontade de viver, pois apenas tinham vontade de comer e dormir. Logo vieram as brigas e a tentativa de colocar a culpa em alguém pelo acontecido. “Eu não consigo entender por que ele fez isso. Foi uma coisa que morreu com ele”, relata Luciana.
Não se mudaram da casa por falta de condições, mas realizaram uma reforma no quintal para tentar apagar aquela imagem. De toda a família, apenas a filha de Roberto, de 8 anos, está sendo acompanhada pelo psicólogo.
“Já se passaram sete anos e não existe um dia que eu não chore por sentir a falta dele”
Os olhos de Luciana se iluminam e se enchem de lágrimas ao lembrar do irmão Vinicius. Segundo ela, desde a infância Vinicius era doce e caloroso. Aos 16 anos, já era um rapaz independente. Trabalhava e era percussionista de uma banda de axé. Os integrantes da banda eram seus melhores amigos e Vinicius os considerava como membros da família.
“Ele era uma pessoa muito fácil de lidar e risonha; transbordava alegria. Ele era aquele amigo para todas as horas e nunca estava triste. Acho que foi por isso que ninguém percebeu que ele estava passando por uma dor interna muito profunda”, conta a irmã dele, Luciana Fernandes de Sena.
Certa noite, Luciana conta que sonhou com o irmão. No dia seguinte, acordou agitada, confusa e com um mal pressentimento. Ligou para o pai perguntando do paradeiro do irmão, mas tudo estava aparentemente normal.
O que Luciana não podia imaginar era que naquela mesma manhã Vinicius acordou cedo e foi à casa de amigos para se despedir. “Ele passou na casa de todos falando que eles nunca mais iam vê-lo. As pessoas falaram que aquele foi o único dia em que o viram triste de verdade”, relata Luciana.
Depois disso, o jovem de 21 anos foi para casa e se enforcou. A família nunca entendeu o porquê. Imediatamente, todos da família ficaram doentes e Luciana conta que foi uma das pessoas que mais sofreram com a morte de Vinicius. Ela se apegou à fé e ao fato de que precisava ser forte porque o pai precisava dela.
Entretanto, tentar esconder o próprio sofrimento fez muito mal a ela. Pouco tempo depois da morte do irmão, quando Luciana foi procurar a ajuda de um psicólogo, ela foi diagnosticada com depressão. Chegou a tomar remédios para se acalmar e para poder dormir.
Hoje, Luciana diz que uma das lições mais preciosas que ensina aos filhos é sobre depressão e suicídio. “Vinicius brincava demais e perto dele ninguém ficava triste. Por isso digo que as pessoas têm uma visão distorcida de quem tem depressão. Não é porque a pessoa está assim que ela vai se trancar automaticamente. Tem uns que ficam antissociais, mas tem outros que estão sorrindo na sua frente, mas estão se corroendo por dentro”, afirma.
O choque do suicídio foi algo que afetou a família de forma definitiva. Luciana conta que o natal, por exemplo, era uma data especial em que toda a família se reunia na casa do pai. Depois da morte do jovem, Luciana não sente mais vontade de comemorar. Ela prefere ficar em casa ao lado dos cinco filhos, pois não faz sentido encontrar a todos e ver que Vinicius não está lá.
“Não é a mesma alegria de antes. Até hoje, para mim, é muito dolorido falar dele. Já se passaram sete anos e não existe um dia que eu não chore por sentir a falta dele”, conta, com lágrimas nos olhos.
Luciana não se sente culpada pelo que aconteceu, pois sabe que ninguém fez mal para ele. Mas todos os dias se pergunta o que poderia ter feito de diferente. “Se tivesse a chance de voltar atrás, eu cuidaria mais dele. Como isso não é possível, eu só quero que ele fique em paz”.
Paulo Roque Goulart Valente
05/08/2018 @ 21:38
“O problema atinge principalmente os homens (79% dos casos). São 8,7 mil suicídios para cada 100 mil homens na população do país. Entre as mulheres a taxa é de um suicídio para cada 100 mil habitantes.”
Alguém me explica essas estatísticas?
CARMELA IANDOLI
16/08/2018 @ 15:03
explica Daniel Martins de Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
“As mulheres tendem a ter uma rede maior de amparo, porque desabafam mais. Com os homens é diferente. Se muitas vezes quando estão perdidos eles não querem nem pedir informação, imagina como é admitir que estão doentes e precisam de ajuda?”.