A importância do diálogo dentro das organizações da sociedade civil
Especialistas das áreas de direito e comunicação falam sobre benefícios de ouvir mais e ter normas claras dentro das organizações da sociedade civil
Parece clichê dizer que o diálogo é fundamental para o desenvolvimento de uma organização, seja ela pública ou privada, com ou sem fins lucrativos. Mas, na prática, “poucas pessoas sabem dialogar”, garante a estrategista social Tiemi Yamashita, uma das palestrantes do quarto evento do ‘Ciclo de Palestras Profissionalizar para Transformar o Terceiro Setor’.
E não é só a estrategista social que pensa assim: outros palestrantes também deram ênfase, ao longo do evento, à importância de as organizações praticarem uma escuta mais ativa de seus doadores, funcionários, voluntários e atendidos. Isso porque, embora quase todo mundo saiba que dialogar é importante, pouca gente coloca em prática ações efetivas em sua organização para promover esse diálogo. E, acredite, diálogo gera resultados.
Quando os diferentes públicos da organização estão alinhados, a entidade como um todo ganha em termos de produtividade e isso se reflete em um melhor ambiente interno e também em mais pessoas impactadas positivamente por aquele trabalho social.
A seguir, faremos um resumo dos principais pontos discutidos em cada uma das quatro palestras apresentadas durante o evento, que foi organizado pelo Observatório do Terceiro Setor, em parceria com a Fundação Salvador Arena, e que ocorreu nesta quinta-feira (11/04), no auditório da Fundação Instituto de Administração (FIA), em São Paulo.
Nos próximos dias, divulgaremos textos mais detalhados sobre cada uma delas. Você também pode assistir a todas neste link.
Compliance
A primeira palestra do dia foi apresentada por Airton Grazzioli, promotor de justiça e curador de Fundações de São Paulo, e explicou o que é compliance e por que ele é importante para qualquer instituição.
A palavra compliance vem do inglês “to comply” e significa “estar de acordo”. No contexto das organizações, significa estar de acordo com normas legais e morais.
Para garantir essa conformidade com as normas, tanto no âmbito legal quanto no moral e ético, Grazzioli explica que existem dois pilares.
O primeiro é a integridade, que consiste em ter uma organização preocupada com a efetividade de suas ações e com a transparência.
O segundo é a adoção de um sistema de controle interno que inviabilize, ou ao menos dificulte, desvios comportamentais e que sinalize rapidamente quando algo estiver sendo feito de forma inadequada. Na prática, isso deve ser feito com medidas sistemáticas de confronto de informações, órgãos de controle mútuo (como uma diretoria e um conselho) e renovação periódica dos dirigentes.
O curador de Fundações também destaca que um programa de compliance só é efetivo quando há diálogo dentro da organização e todos os públicos envolvidos, como fornecedores, funcionários e voluntários, conhecem as regras de forma clara e sabem que o não cumprimento delas implicará sanções. “Não adianta escrever um código de ética e esquecê-lo na gaveta”, pontua.
Grazzioli, inclusive, é coautor de um livro sobre o tema, chamado ‘Compliance no Terceiro Setor – Controle e Integridade nas Organizações da Sociedade Civil’. O livro teve uma sessão de autógrafos durante o intervalo do evento e pode ser comprado no site da editora Elevação.
Leis de incentivo
A segunda palestra foi ministrada pela advogada Aline Gonçalves de Souza, pesquisadora da FGV Direito SP, e abordou as principais leis de incentivo no âmbito federal, no estado de São Paulo e no município de São Paulo.
Antes de falar de leis específicas, a advogada explicou que os incentivos fiscais são a “diminuição ou eliminação do pagamento de algum tributo, mediante uma ação – doação ou patrocínio – que colabore para a sociedade de alguma maneira”.
Isso significa que parte do valor que uma pessoa física ou empresa pagaria para o governo, na forma de um determinado imposto, pode ir para projetos sociais, na maioria das vezes aprovados por um órgão público previamente.
Ela também explicou que as leis de incentivo costumam ter um prazo definido, já que são leis pensadas para fomentar uma determinada área até que ela se torne mais robusta e consiga se financiar por conta própria.
Um dos pontos destacados pela especialista é o potencial de captação de recursos via leis de incentivo, principalmente junto a pessoas físicas. Hoje, só 0,4% das pessoas que declaram imposto de renda doam via leis de incentivo. “Há um potencial muito grande a ser explorado”, afirma.
Direitos humanos
Na terceira palestra do dia, Luciana Ribas, doutora em Direitos Humanos pela USP, falou sobre a importância de enxergarmos os direitos humanos além dos documentos oficiais. “Os direitos humanos são tudo, são o dia a dia”.
Com isso, Luciana quis dizer que a todo momento os direitos humanos são uma questão presente e a todo momento eles são violados, muitas vezes sem má intenção.
Para exemplificar, ela falou da reprodução de preconceitos tão fortes na nossa sociedade, como os referentes às pessoas em situação de rua, que às vezes mesmo quem trabalha na área social os reproduz sem se dar conta. “Nós precisamos refletir constantemente sobre possíveis violações de direitos humanos dentro das nossas organizações”, afirma.
Segundo a especialista, para evitar essas violações, é fundamental que as pessoas estejam abertas para ouvir diferentes histórias e pontos de vista, e tentem se colocar no lugar do outro, que muitas vezes tem uma realidade completamente diferente.
Comunicação interna
A última palestra foi ministrada pela estrategista social Tiemi Yamashita e começou com uma fábula sobre a diferença entre o céu e o inferno. “A diferença entre o céu e o inferno não está no lugar e nem nas pessoas. A única diferença está na forma como as pessoas se comportam”.
Em outras palavras, não adianta reclamar da organização ou das outras pessoas que atuam nela, e encarar os problemas como impossíveis de solucionar. É preciso olhar para o comportamento das outras pessoas, entendê-lo e incentivar que ele mude para melhor – o que só é possível por meio do diálogo. Assim como é preciso estar aberto para também melhorar de forma contínua.
Tiemi falou, ainda, sobre a importância de construir um ambiente organizacional em que as pessoas se sintam cuidadas e entendam o significado do trabalho que estão desenvolvendo. “Todo mundo quer um significado na vida, quer saber o porquê daquilo que está fazendo”, conclui.
O evento
O evento encerrou o ‘Ciclo de Palestras Profissionalizar para Transformar o 3º Setor’, um projeto desenvolvido pelo Observatório do Terceiro Setor, em parceria com a Fundação Salvador Arena e com apoio da Associação Científica e Cultural das Fundações Colaboradoras da USP (FUNASP), da Fundação IDI, da Fundação Instituto de Administração (FIA) e da Fundação Sinhá Junqueira.
Ao todo, foram realizados quatro eventos, tendo sido o primeiro em agosto de 2018. Todos tiveram palestras das áreas de captação de recursos, direito e comunicação, além de uma área diferente a cada edição. Foram 16 palestras, com 11 especialistas diferentes.
Ao longo dos próximos dias, serão publicados no site do Observatório do Terceiro Setor textos sobre cada uma das palestras do quarto evento, com mais detalhes do que foi dito. Além disso, os vídeos com as palestras serão disponibilizados aqui no site e no canal do Observatório no Youtube.
Para ver as palestras dos eventos anteriores, clique aqui.
Abaixo, as apresentações de slides de cada uma das palestras:
Palestra 1 – Direito no Terceiro Setor: controle e integridade nas organizações da sociedade civil
Palestra 2 – Captação de recursos: principais leis de incentivo
Palestra 3 – Direitos humanos: como fazer deles um valor no dia a dia da sua entidade – não teve apresentação de slides
Palestra 4 – Comunicação: a comunicação interna como forma de fortalecer as organizações