A luta diária de quem tem a pele tão frágil quanto a asa de uma borboleta
ONG Jardim das Borboletas ajuda pessoas com epidermólise bolhosa a conseguirem curativos e medicamentos
Por: Isabela Alves
A epidermólise bolhosa é uma doença rara e incurável que faz com que a pele do paciente se solte com o mínimo contato. Sua principal característica é o aparecimento de bolhas, especialmente em áreas de maior atrito e nas mucosas. Tais lesões são profundas e podem produzir cicatrizes que são semelhantes às de queimaduras.
A doença é de transmissão genética, ou seja, passa de pais para filhos. Os pais sem a doença clínica podem ter filhos com EB de duas maneiras: ou os pais apresentam o gene único recessivo ou os filhos podem apresentar o primeiro caso da família, como uma mutação nova que gera a doença.
Segundo Alessandra Lindmayer, médica titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia, existem três estágios desta doença: a Simples, cuja principal característica é a formação de bolhas que cicatrizam sem deixar marcas; a Distrófica, quando há formação de bolhas em quase todo o corpo, inclusive na boca e no esôfago, dificultando a passagem dos alimentos, e quando pode haver perda das unhas e distrofia dos pés e mãos; e a Juncional, quando as bolhas se espalham pelo corpo todo, inclusive na mucosa da boca, no esôfago e nos intestinos, comprometendo a absorção dos alimentos, o que pode gerar uma desnutrição.
Neste cenário, surgiu, três anos atrás, a ONG Jardim das Borboletas, na cidade de Calculé, no interior da Bahia. A iniciativa, criada por Aline Teixeira Silva, de 30 anos, surgiu após a fundadora conhecer o caso de uma menina de sua igreja que tinha epidermólise bolhosa. Ao ver o sofrimento da menina, ela decidiu criar uma campanha nas redes sociais para o seu tratamento. “Fiquei tão comovida que pensei ‘porque não fazer isso por outras crianças?’”, conta Aline.
A fundadora da ONG explica que, já que a doença não tem cura, o tratamento deve ser voltado para o alívio da dor e para evitar o agravamento das lesões e desnutrição. “Uma das maiores dificuldades são os custos do tratamento, pois são altíssimos. Muitos dos medicamentos são importados, e é necessária uma moradia adequada e curativos específicos para aumentar a qualidade de vida do paciente. Para se ter uma ideia, o tratamento de cada pessoa assistida pela ONG custa entre R$ 10 mil e R$ 70 mil por mês”. A ONG tem sede na Bahia, mas atende pessoas de todo o país. Conheça agora a história de dois pacientes da iniciativa.
O sonho de poder frequentar a escola
Maria Joana Lima, 50 anos, teve o primeiro filho com epidermólise bolhosa em 1993. O menino nasceu com toda a pele do corpo frágil e nem os profissionais que trabalhavam no hospital sabiam explicar o que estava acontecendo. Mesmo assim, a mãe recebeu alta.
Por morar em uma zona rural no interior da Bahia e não ter um veículo para se locomover, a família enfrentava muitas dificuldades para ir ao hospital. A distância era de aproximadamente 100 km. Sem saber lidar com aquela situação, a cada dia que passava, a saúde da criança acabou se tornando mais frágil. 45 dias depois do nascimento, acabou falecendo.
“Foi um dos piores momentos da minha vida. Nada dói mais do que uma mãe enterrar o próprio filho”, diz Maria. Depois de cinco anos, ela engravidou novamente. A felicidade de ter uma nova filha trouxe também muitos desafios. Janaína, que hoje está com 17 anos, nasceu com a mesma doença.
“Assim que ela nasceu, foi um choque. Parecia que toda aquela situação que eu havia enfrentado estava acontecendo de novo e de maneira mais intensa. A pancada foi ainda maior”, explica. A menina nasceu sem pele do joelho até os pés. Em pouco tempo, a epidermólise bolhosa se espalhou por todo o seu corpo.
Todos os dias, Maria dedica aproximadamente uma hora para realizar os curativos da filha. Parte dos curativos e medicamentos são conseguidos com ajuda da ONG Jardim das Borboletas. “As doações dos medicamentos facilitaram bastante a nossa vida. A qualidade de vida dela melhorou muito”, conta.
Janaína consegue andar e fazer atividades do dia a dia, como preparar a própria comida, mas enfrenta limitações pela doença. A que mais a entristece é não poder frequentar a escola. “Eu só estudei até a quarta série. No caminho para a escola, tinha muita poeira e isso irritava muito a minha pele. Tive que parar”, conta com tristeza. A época do ano em que a moça mais sofre é o verão, porque a sua pele inflama ainda mais. As dores são intensas e os ferimentos chegam a sangrar.
Janaína quase nunca sai de casa. Acostumada com a solidão, a menina acabou se tornando muito tímida. Para mudar isso e se sentir melhor, ela tem feito consultas com uma psicóloga. Além disso, tem dedicado seu tempo a fazer coisas das quais gosta e que estão ao seu alcance. “Agora estou pintando e fazendo desenhos. Mas o meu maior sonho mesmo é voltar a estudar”, conclui.
30 anos de luta diária pela sobrevivência
Maria José Nunes Salles, de 60 anos, lembra do nascimento do filho Regis com muito carinho. O menino nasceu com 4 quilos, em 1989. Mas ele tinha uma condição delicada. Com bolhas na língua e na boca, ele não conseguia mamar e teve que ser alimentado com a ajuda de uma sonda.
A mãe também recorda que, quando o cobria com um simples cobertor, as bolhas apareciam no corpo todo, principalmente nos pés.
A primeira reação foi o desespero. Os médicos não sabiam explicar o que estava acontecendo. “Ainda na maternidade o médico disse que ele não iria sobreviver. Falaram que iria viver seis meses no máximo”, diz Maria José.
Apesar da sentença de morte dada pelos médicos, Maria José decidiu que lutaria para que o filho sobrevivesse. Todas as noites ela dormia ao lado de Regis e se certificava de que ele estava bem. Durante o dia, ela passou a visitar vários hospitais em busca de informação.
Moradora de Sorocaba, no interior de São Paulo, ela chegava a ficar quatro horas dentro do ônibus para ir atrás de respostas com os médicos da capital paulista. Foi na Unicamp que ela descobriu que seu filho tinha epidermólise bolhosa.
O tempo foi passando e cada dia de vida do menino era considerado uma vitória. Regis, que vive dividido entre sua casa e o hospital, conta como foi sua infância. “Eu aprendi a ler e a escrever em casa. Sempre gostei de correr e jogar bola. Mas, quando completei 19 anos, a doença começou a me enfraquecer ainda mais”, diz Regis. O jovem então passou a ficar apenas na cama. As feridas na perna se agravaram e a dor é tão forte que ele precisa tomar dipirona frequentemente para controlá-la.
Regis depende dos pais para fazer seus curativos, para se alimentar, tomar banho e remédios, e Maria José cuida do filho com todo o carinho e dedicação.”Todos os dias eu tiro as faixas, molho as gazes com soro e faço a limpeza com sabonete antibacteriano. A comida dele são coisas pastosas como purê de batata e mandioca. Eu demoro de 3 a 5 horas para fazer os curativos e dar a alimentação”, conta.
A mãe relata, ainda, que todo mês precisa ir ao hospital para que Regis faça uma cirurgia de dilatação do esôfago para que ele consiga engolir a comida. Antes de descobrir a necessidade desta cirurgia, o menino engasgava e chegava a vomitar sangue.
Os curativos de Regis custam em média R$ 40 mil por mês. A mãe teve que entrar na justiça para que o Estado fornecesse parte dos medicamentos. A outra parte é fornecida pela ONG Jardim das Borboletas, que manda o material, quando disponível, por correio para a mãe.
Em 2015, Maria José sofreu um acidente de moto com o marido durante uma viagem de férias. Agora, por conta da idade e das sequelas do acidente, ela não possui forças para dar banho em Regis na banheira, então os banhos acontecem na cama. Ela tem consciência que isso pode trazer uma infecção para seu filho e por isso está lutando para conseguir um home care.
“O meu maior sonho é que encontrem a cura desta doença para fortalecer a pele. É muito sofrimento. Pegar nele machuca e eu fico com dó por ele sofrer”, relata Maria José. Com poucas palavras, Regis completa dizendo: “meu sonho é continuar a viver o máximo possível”.
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As doações para a ONG Jardim das Borboletas podem ser feitas nas seguintes contas bancárias:
BRADESCO
Tipo: Corrente
Agência: 3092-9
Conta: 20149-9
BANCO DO BRASIL
Tipo: Corrente
Agência: 4573-x
Conta: 17.000-3
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Tipo: 013 – Poupança
Agência: 4589
Conta: 9561-0
CNPJ: 28.413.544/0001-02
Código IBAN: BR36 6074 6948 0309 2000 0201 499C 1 (Para doações internacionais no Bradesco)
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