A vida depois dos 18: os desafios enfrentados por quem viveu em abrigos
Ao completarem a maioridade, jovens que cresceram em situação de acolhimento institucional precisam lidar com desafios, como encontrar um lugar para viver e administrar a própria vida financeira
Por: Mariana Lima
O aniversário de 18 anos costuma gerar nervosismo e ansiedade nos jovens. É neste momento que as portas do mundo adulto começam a se abrir.
Para os adolescentes em situação de acolhimento que permanecem em abrigos ou casas lares até os 18, chegar à maioridade traz um motivo a mais de ansiedade: poucos sabem onde irão viver depois disso.
De acordo com dados disponíveis no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), existem 653 adolescentes com 17 anos em instituições de acolhimento no Brasil.
Na cidade de São Paulo, existem apenas quatro Repúblicas Jovens, que recebem jovens entre 18 e 21 anos em situação de vulnerabilidade social, que cresceram ou não em abrigos. Juntas, as repúblicas disponibilizam um total de 48 vagas.
Cada república é dividida em duas unidades, sendo uma para rapazes e outra para moças. A permanência nestes locais é de 3 anos ou até a pessoa completar 21 anos.
A entrada nas repúblicas pode ser resultado de vínculos familiares rompidos, processo de desligamento de instituições de acolhimento, falta de condições de retornar para a família de origem ou ausência de meios para se sustentar.
“A questão da juventude ainda é pouco vista. Não tem nenhuma política pública que ofereça uma bolsa para eles se sustentarem, e a formação que eles têm não garante o emprego”.
Para estar apto a entrar em uma República Jovem, o candidato precisa estar trabalhando ou estudando. O serviço visa estimular o exercício da cidadania e o projeto de uma vida autônoma.
Os jovens podem ser encaminhados para o serviço pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e pelos Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro Pop).
As Repúblicas Jovens em São Paulo estão localizadas nos bairros Ermelino Matarazzo, Casa Verde, Aricanduva e Lapa. O serviço é conveniado à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS).
Alguns institutos ou as próprias casas de acolhimento podem oferecer serviços direcionados à formação do jovem para a vida adulta.
República Jovem: como é?
“Recebemos jovens de várias regiões, muitos nunca estiveram na zona leste. Então realizamos um trabalho de reconhecimento com eles, para conhecerem o espaço e terem certeza de que querem vir para cá”, conta Erica Sanches, 36, assistente social da República Jovem de Aricanduva.
O acompanhamento nas repúblicas é mais individual quando comparado ao acolhimento institucional. Esse acompanhamento é baseado no Plano individual de Atendimento (PIA), que é trabalhado de acordo com as metas e objetivos do jovem.
“O que ele quer para o futuro? Nós nos baseamos neste planejamento, mas também em um direcionamento no cotidiano deste jovem, através da autonomia”, revela Erica.
A autonomia é a palavra-chave da convivência na república. A ideia é oferecer ferramentas para que os jovens possam construir uma estrutura financeira, ter um emprego e alugar um apartamento.
“Auxiliamos no controle de conflitos que acabam ocorrendo, como ‘Quero usar a máquina de lavar, mas ela está usando’. São ocorrências que mediamos, mas a resolução tem que partir deles, pois faz parte deste processo”, diz Erica.
A gestão da República de Aricanduva tem suas particularidades na promoção de autonomia dos jovens, já que permite que eles realizem as compras de alguns itens da casa. “O objetivo é promover o senso de responsabilidade entre os jovens para que aprendam a gerir suas próprias vidas domésticas quando deixarem a república”, conta Ronnie Pereira, 48, gestor da República Jovem de Aricanduva.
“As repúblicas não são a única opção. Ao invés de assustar o jovem que está chegando, a maioridade tem que ajudá-los a planejar o futuro”.
Jovens que vêm de instituições de acolhimento mais severas, com pouca liberdade, precisam aprender a viver de maneira independente. Alguns não sabem andar de ônibus, cozinhar, solicitar um documento ou gerir a própria conta no banco.
“A história de vida e o tempo que passou no acolhimento influenciam a maneira como esse jovem vai deixar a república. Eles podem vir com um plano para cá que não é inviável”, comenta Erica.
A mudança de um ambiente de acolhimento em que convivam com várias crianças e uma equipe grande de assistentes, para a realidade de uma república pode ser um choque.
“Teve momentos que só tinha duas meninas na casa, então elas nem conviviam. Eles acabam ficando muito tempo sozinhos e o atendimento psicológico é fundamental”, explica Erica. E Ronnie complementa: “O jovem fica animado por deixar aquela barulheira de criança, mas quando chega aqui ele acaba tendo que lidar com a solidão”.
Ambos concordam que seria fundamental que a orientação para a vida adulta e a promoção da autonomia começassem ainda no período de acolhimento institucional.
“Talvez nem precisassem vir para a república, porque já seriam autônomos. Muitos dos problemas e erros enfrentados por eles aqui seriam evitados. Mas teria que ter uma equipe maior nos acolhimentos e investimento para isso ocorrer”, informa Erica.
Entre as situações presenciadas estão o gasto excessivo do dinheiro acumulado por alguns dos jovens que passaram pela casa. Essa situação é reflexo das características dos programas. “Não é que somos liberais demais, mas o jovem que está aqui já é maior de idade e supostamente deve ser capaz de administrar isso”, esclarece Ronnie.
Quando um adolescente em situação de acolhimento trabalha como jovem aprendiz, por exemplo, seu salário fica em uma conta controlada pelo Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA) até ele deixar o abrigo, aos 18 anos. Nesta ocasião, ele passa a ter controle de sua conta financeira e dos seus documentos.
Um dos principais motivos de saída da república, depois do limite de idade, é o descumprimento das regras internas, que incluem não fazer uso da violência nem de drogas.
Um ponto levantado por Ronnie e Erica é que os jovens que deixam a situação de acolhimento deveriam receber mais orientação, para que eles conheçam opções além das repúblicas.
“As repúblicas não são a única opção. Ao invés de assustar o jovem que está chegando a maioridade, tem que ajudá-los a planejar o futuro. Existem outros serviços. Eles podem dividir um apartamento com quem já deixou o acolhimento, por exemplo. As possibilidades existem”, destaca Ronnie.
Programas independentes
O Instituto Fazendo História realiza um acompanhamento direto com jovens que estão prestes a deixar o acolhimento, através do Grupo Nós. Os jovens começam a participar do projeto a partir dos 16 anos e podem continuar até os 19 anos, contando com um suporte de 1 ano após deixarem o serviço de acolhimento.
O programa é dividido em 4 eixos principais: trabalho (auxílio no desenvolvimento de projetos profissionais), moradia (como conseguir alugar um apartamento), dinheiro (educação financeira) e cidadania (como se apropriar dos espaços públicos e culturais da cidade).
“As voluntárias abrem esse leque para eles, para que não deixem o acolhimento sem saber o que vão fazer, com uma mala na mão e pensando para onde vão”, explica Virginia Toledo, responsável pelo desenvolvimento institucional do Fazendo História.
O programa se divide em duas formas de atendimento: grupos fechados e grupos abertos/plantão. No primeiro, o acompanhamento é individual e com um grupo de jovens previamente selecionados. Já o segundo é aberto para todos os jovens entre 15 e 21 anos.
Em 2018, o programa atendeu 56 adolescentes, 10 serviços de acolhimento parceiros e contou com 4 estagiários voluntários. Além disso, 14 padrinhos e madrinhas foram envolvidos, pois, o programa funciona como uma segunda ferramenta para esses jovens.
“A questão da juventude ainda é pouco vista. Não tem nenhuma política pública que ofereça uma bolsa para eles se sustentarem, e a formação que eles têm não garante o emprego. Temos como um desejo ter o Grupo Nós em todos os abrigos para auxiliar esses jovens”, revela Virginia.
A Casa de Acolhimento Pequeno Cidadão possui uma República Jovem própria, resultado de uma demanda da instituição.
“Tínhamos esses meninos que estavam perto de fazer 18 anos e não tinham para onde ir. Criamos a república para auxiliarmos nesta transição”, conta a gerente da Casa Lar, Shirlene Queiroz.
A República Jovem Pequeno Cidadão disponibiliza 6 vagas para jovens entre 18 e 21 anos. Eles precisam estar trabalhando e estudando para ficar na casa, sendo respaldados pela casa de acolhimento.
Por enquanto, a instituição oferece apenas uma república masculina, mas tem em seus planos a construção de mais de 3 (uma masculina e 2 femininas).
Quem vive lá?
Muitos jovens são incentivados pelas instituições de acolhimento a estudarem e trabalharem, e em alguns locais, devido a parcerias, esses jovens têm acesso a cursos e outras ferramentas que podem auxiliá-los nesta caminhada.
Ane Caroline começou sua jornada por abrigos aos 5 anos. Ela foi levada junto com a irmã pela própria mãe, por causa da violência e do alcoolismo do pai. A mãe continuou visitando as filhas por 6 anos, porém acabou perdendo a guarda delas.
Ane passou por um processo de adoção junto com os irmãos e por dois apadrinhamentos que não deram certo. Ela ficou em um abrigo até completar os 18 anos. Desde dezembro de 2018, está na República Jovem de Aricanduva.
“A república não é muito diferente do abrigo em que eu morava. Claro que a equipe educacional é menor, e convivo com menos pessoas na casa, mas a mudança não foi tão drástica”.
O abrigo em que estava oferecia certas liberdades para os jovens, tanto que Ane iniciou sua carreira profissional aos 15 anos como jovem aprendiz de um banco. “Aqui tenho mais liberdade em relação ao horário e ao controle da minha vida. A república me auxilia muito no futuro que estou planejando”.
Hoje, Ane cursa enfermagem e já traçou seu principal plano para os próximos anos: “conseguir dar entrada em um apartamento, porque quando eu terminar a faculdade já vou ter 21 e se, ainda estiver na república, vou ter que sair”.
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Esta é a 5ª e última reportagem de uma série sobre crianças em situação de acolhimento e adoção.
Para ler a primeira, acesse: Adoção no Brasil: A busca por crianças que não existem
Para ler a segunda, acesse: 47 mil crianças no Brasil vivem em instituições de acolhimento
Para ler a terceira, acesse: Como o apadrinhamento afetivo pode mudar a vida de uma criança
Para ler a quarta, acesse: Adoção tardia: quando não se define idade para amar
47 mil crianças no Brasil vivem em instituições de acolhimento
09/12/2019 @ 16:13
[…] Para ler a quinta, acesse: A vida depois dos 18: os desafios enfrentados por quem viveu em abrigos […]
Adoção Tardia: quando não se define idade para amar
09/12/2019 @ 16:15
[…] Para ler a quinta, acesse: A vida depois dos 18: os desafios enfrentados por quem viveu em abrigos […]
Projeto busca auxiliar jovens em situação de acolhimento
14/12/2020 @ 08:15
[…] conseguem ir para Repúblicas Jovens, nas quais podem ficar até os 21 anos. Mas nem todos cumprem as exigências para entrar nas […]
Sirlrey Delfino
09/03/2021 @ 13:10
Gostaria de saber como faço pra montar uma casa de apoio pra os jovens que sai do abrigo com 18 anos prá ajudar esses jovens ter uma vida aqui fora poder trabalhar estudar e ter uma vida na sociedade
[email protected]
23/04/2021 @ 15:04
[email protected], gostaria de adotar2/3 meninas acima de 13 anos meu whatsapp 16-996201155 e gostaria de mais informações