“Achei que minha filha estava recebendo uma sentença de morte”
Conheça os desafios enfrentados por pais de crianças diagnosticadas com câncer; doença é segunda causa de morte de pessoas com até 19 anos
Por Caio Lencioni
No Brasil, 2.704 crianças e adolescentes morreram por causa de algum tipo de câncer em 2015. O câncer, aliás, é a segunda principal causa de morte infantojuvenil (0 a 19 anos) no país, atrás apenas de causas externas. E a estimativa é que ocorram 12.500 novos casos de câncer infantojuvenil em 2018. Os dados são da Estimativa 2018 de Incidência de Câncer no Brasil, produzida pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) e pelo Ministério da Saúde.
Apesar de ser a segunda principal causa de morte entre crianças e adolescentes, o câncer infantojuvenil tem uma taxa de cura que pode chegar a 70% dos casos quando o diagnóstico é feito de forma precoce.
De acordo com o médico Vicente Odone Filho, especialista em câncer infantil, os cânceres infantojuvenis mais comuns no Brasil são “as leucemias e, particularmente, a Leucemia Linfoide Aguda (LLA), que respondem por cerca de 75% a 80% dos casos. Em seguida são os linfomas e uma série de outras neoplasias nas quais se destacam outras doenças que são próprias da idade pediátrica, como os neuroblastomas”.
A LLA é caracterizada pela presença de muitos linfócitos na medula óssea e no sangue, podendo se espalhar para os gânglios linfáticos, baço, fígado e outros órgãos.
Esse é o caso de Melissa de Oliveira Alcaraz, que foi diagnosticada com LLA aos 2 anos de idade num exame de rotina. “Não existe sensação pior que esta”, diz Daniel Alcaraz, pai de Melissa. “Você vê sua filha de 2 anos com uma doença em que só de ouvir o nome a gente pensa em morte. É horrível”, completa.
Já a mãe de Melissa, Valéria Alcaraz, diz que a sensação é de impotência. “Ficamos de mãos atadas sem poder proteger. É uma situação bem difícil”.
Pelo fato de ser uma doença delicada, em que o paciente precisa realizar o acompanhamento médico com mais frequência, Daniel diz que teve que mudar toda sua rotina. “Tivemos que abdicar de muitas coisas”, conta Daniel, que até fechou a empresa que tinha para conseguir acompanhar a filha.
“Agora nossa vida gira em torno dela. Deixamos de sair com amigos e receber visitas por conta dela”, diz Valéria.
Melissa realiza o tratamento no Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci), um hospital público ligado ao Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Universidade de Medicina da USP.
De acordo com a oncologista pediátrica Lilian Maria Cristofani, existem protocolos nacionais elaborados por comitês de especialistas em cada área para que o tempo do tratamento seja determinado. “Em média, o tratamento da LLA dura dois anos e meio”.
A família vai até o instituto a cada 21 dias, mas isso só foi possível após 9 meses de tratamento, já que no antigo período costumavam ir pelo menos 3 vezes na semana.
“Ainda teremos esta rotina durante um ano e meio. Agora ela está no período de manutenção”. Hoje com 3 anos de idade, Melissa já se encontra nesse período de manutenção, que consiste em uma quimioterapia de pequenas doses por aproximadamente 18 meses, de acordo com a médica Lilian Cristofani.
Daniel diz que fazer amizade com os pais das crianças que realizam o tratamento e participar de projetos de organizações que atuam no Itaci faz com que a rotina no hospital seja brevemente esquecida, mas algumas notícias são complicadas de receber. “O difícil é que, quase sempre que chegamos aqui, recebemos a notícia que alguém que criamos um vínculo morreu”.
Mesmo com a realidade de ser uma doença grave e que exige cuidados e tratamentos específicos, a Dra. Lilian Cristofani diz que a chance de cura é palpável e que “deve ser olhada com otimismo, mas que é necessária disciplina e seguir as recomendações médicas”.
Além disso, a médica também diz que o tratamento multiprofissional, como é realizado no Itaci, é muito importante. “Esse tratamento envolve médico, enfermeira, nutricionista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e psicólogo. Cada um em sua área vai orientando para que esse período seja superado”.
A especialista enfatiza sobre o acompanhamento psicológico, tanto por parte das crianças como da família, já que “é um diagnóstico catastrófico e que vem com uma carga negativa alta”.
Restrições e Cuidados
Por a medicação ser agressiva ao organismo, existem cuidados a serem tomados durante o tratamento. A Dra. Lilian Maria Cristofani explica que, durante o período intensivo do tratamento, há algumas restrições, como frequentar a escola e ambientes com muitas pessoas.
Mesmo no período em que o tratamento é feito de maneira mais branda, como coloca a oncologista pediátrica, os cuidados ainda são necessários. “Deve-se evitar o contato com pessoas doentes e ter os hábitos de higiene reforçados, mas nada tão restrito que faça com que a criança ou adolescente se afaste de suas atividades”.
Há também os cuidados com a alimentação, em que o preparo e a origem dos alimentos precisam de uma maior atenção. “É preciso que esses alimentos sejam rigorosamente higienizados. Também orientamos que não se deve comer em qualquer lugar, já que os pacientes de câncer podem desenvolver infecções de maneira mais fácil do que as outras pessoas”, explica a médica sobre a resistência desses pacientes.
Janaina Lucinari Santiago sabe bem os cuidados que deve ter com a alimentação ao fazer o preparo das comidas para sua filha, Ingrid Lucinari. Após um episódio em que a filha reclamava de dores na barriga e na cabeça, a menina de 12 anos foi levada ao hospital perto de onde morava, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Após a menina ser encaminhada para o Itaci, a mãe de Ingrid recebeu a notícia de que a filha estava com leucemia.
“Para mim foi um buraco no chão. Eu não parava de chorar e realmente achei que minha filha estava recebendo a sentença de morte”, diz Janaina, que assim como Daniel, pai de Melissa, teve que adaptar a rotina para acompanhar a filha até o Instituto.
Ao falar sobre os cuidados com a filha, Janaina diz que outros hábitos de higiene tiveram que ser criados. “Não apenas tomar banho ou escovar os dentes, mas também fazer o uso do álcool em gel, estar em um ambiente bem esterilizado, assim como lavar vegetais com hipoclorito”.
Mesmo depois de cinco internações, sendo que na última Janaina ouviu dos médicos que a filha iria morrer, ela tenta ser otimista. “Nessa última internação, ela conseguiu reagir muito bem. Depois disso ela nunca mais foi internada. Hoje já vemos ela mais corada, comendo, com o cabelo voltando a crescer. Hoje ela está bem”, desabafa.
Itaci
O Instituto de Tratamento do Câncer Infantil (Itaci) começou suas atividades em 2002, no bairro do Sumaré, na Zona Oeste da capital paulista.
Em 2017, o superintendente do Itaci, Vagner Carvalho, diz que 18 mil crianças foram atendidas e mais de 4 mil quimioterapias foram realizadas. Com o atendimento gratuito, a maioria dos pacientes chega encaminhada pelo Instituto da Criança do HC ou por unidades do SUS.
Para 2018, Vagner diz que a principal meta é ter um banco de sangue dentro do próprio hospital. “É nossa grande necessidade hoje, já que dessa forma não temos demora no recebimento de sangue e plaquetas. Para que essa demora que enfrentamos às vezes diminua é preciso que as pessoas doem sangue”.
Além do banco de sangue, Vagner também diz que há três projetos de humanização em que, por meio de leis de incentivo, irão realizar compra de equipamentos e fazer algumas mudanças no hospital, “para que o ambiente fique mais humanístico para as crianças”.
“Criaremos um cinema para as crianças, um espaço lúdico cultural e daremos oficinas, tanto para os pais como para as crianças”, diz Vagner. “Há também o projeto de fazer o Cine Itaci dentro da enfermaria, já que as crianças que estão internadas são impossibilitadas de estarem em convívio com outras pessoas por conta da sua imunidade baixa”, explica.
Vagner diz que é importante que as crianças continuem esse “contato com o mundo lá fora”. “As crianças querem estar em contato com o mundo, por isso queremos trazer esse mundo para dentro do hospital”.
Aqueles que desejarem ajudar a organização devem consultar no site do Itaci a melhor forma de fazer isso. Entre as necessidades do local estão suplementos alimentares, materiais de higiene pessoal e materiais escolares. De acordo com Vagner, o Itaci é o único hospital público com uma classe hospitalar em São Paulo.
“No Itaci as crianças continuam tendo aulas regularmente. Nós temos essa preocupação”, diz Vagner. Além disso, ele também conta que a instituição realizará pela quarta vez o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e que eles estão em negociação com uma universidade para que um curso de ensino a distância seja realizado na entidade.
Além do suporte escolar que a entidade oferece, Vagner também diz que é necessário que as pessoas doem cestas básicas para ajudar famílias de baixa renda, já que muitos pais das crianças que estão em tratamento abandonam seus empregos para acompanharem os filhos.