Homem em situação de rua monta “casa” em praça de SP
Ivan também revitalizou a praça onde mora e plantou um jardim com 300 sementes de girassol
Por: Isabela Alves
Ivan Carlos da Silva Lima parece não ter lugar fixo no mundo. Começou a trabalhar com apenas 10 anos de idade, vendendo balas nas ruas do município de Ipirá, na Bahia, e aos 11 se mudou para São Paulo para morar com o irmão no Jardim Miriam, na Zona Sul da cidade.
Assim que completou 18 anos, foi atrás de aventuras. Um de seus sonhos era conhecer os Estados Unidos e, mesmo sem recursos financeiros, ele decidiu fazer a viagem. Ivan sabia que a maneira mais prática de chegar lá era através da fronteira com o México.
“Resolvi viajar de carona até lá e, nessa brincadeira, passei oito meses na estrada”. Nesse tempo, acabou conhecendo também outros lugares, como a Colômbia, a Venezuela e a Guiana Francesa.
Quando voltou para São Paulo, foi morar em Paraisópolis e começou a trabalhar com o cunhado em uma construção, mas sentia que ali não era o seu lugar: “sempre gostei de vender aqui e repassar lá e sempre sonhei em ser dono do meu próprio negócio”. Um acidente de trabalho sofrido em 2001, no entanto, atrapalhou muitos planos de Ivan.
“Uma prensa soltou um pino e quebrou o meu fêmur. Eu não era apto a trabalhar com aquela máquina e me acidentei”, relembra. Ivan também conta que recebeu uma alta indenização da empresa e que pouco depois iniciou um relacionamento amoroso com uma mulher do bairro. Depois de alguns meses vivendo juntos, Ivan descobriu da maneira mais dura que a companheira não o amava. “Ela não queria estar comigo por causa de mim, mas sim por causa do dinheiro”, desabafa.
Bastou Ivan viajar durante um final de semana para a mulher vender a casa onde eles viviam, roubar todo o dinheiro dele e desaparecer sem deixar rastros. Ao voltar de viagem, Ivan se viu sozinho e perdido. Ele não tinha nada além da roupa do corpo e alguns documentos. “Quando a ficha caiu, eu olhei para mim e falei ‘e agora, o que eu faço?’”.
Ivan começou a vagar por São Paulo. “Eu só não entrei no mundo das drogas porque experimentei maconha quando tinha 15 anos e não deu certo. Nem tentei experimentar cocaína e crack, mas cachaça eu tomo de vez em quando”, conta.
Agora, vivendo nas ruas, ele tinha tanta vergonha de si que resolveu se isolar completamente. “Eu não queria contar o que estava acontecendo para a minha família, mas também não queria mentir. Me afastei durante cinco anos e eles ficaram me procurando. Também não tenho rede social, então não deixei nenhum vestígio”, lembra.
Depois de muito tempo andando sem um lugar fixo, decidiu se estabelecer na Praça Juscelino Kubitschek de Oliveira, localizada em Guarulhos, na Grande São Paulo.
A construção da casa
Para conseguir se sustentar, começou a trabalhar como catador. No entanto, Ivan começou a sentir o peso da invisibilidade por ser catador e pessoa em situação de rua. “As pessoas me viam, mas não me enxergavam. Aí eu decidi fazer alguma coisa”.
Com alguns materiais que Ivan coletava na rua, decidiu construir uma casa de boneca na praça. A casa era pequena, mas tinha espaço para sua cama, um local para colocar suas roupas e livros, um ventilador de teto e até uma televisão que estava lá como decoração, já que a casa não tinha energia elétrica.
“Eu saí procurando madeira, tinta e até um serrote pequenininho. No total, gastei R$ 4,50 com a casa”, conta com um sorriso orgulhoso no rosto. Além disso, Ivan revitalizou a praça onde morava, ao pintar o chão e os muros de rosa e branco. A cor não era proposital. Um dia enquanto andava nas ruas, ele achou a lata de tinta e, como essa era sua única opção, foi essa que usou.
Ivan passou a ficar tão conhecido por conta da sua casa que um dia a Rede Record decidiu realizar um especial sobre Casas Curiosas do Brasil e o convidou para participar da reportagem. A repercussão foi tão grande que seus familiares o viram na TV e vieram o encontrar no dia seguinte.
No reencontro, marcado por muito choro e abraços, sua família o chamou para sair das ruas, mas Ivan já tinha tomado a sua decisão. “Uma coisa eu aprendi: a dor é inevitável, o sofrimento é uma escolha. O que é felicidade? Em 22 anos que trabalhei em firma, eu não fui tão feliz quanto eu estou sendo agora”, conta.
Mesmo um pouco contrariada, a família respeitou sua decisão. Além do reencontro, a aparição na TV também lhe trouxe fama na região em que estava. “As pessoas começaram a me abordar na rua e perguntavam quanto dinheiro eu ganhei e tudo mais. Tive que sair dali, estavam acabando com a minha privacidade”, relata.
Enquanto andava por São Paulo em busca de materiais recicláveis, um dia encontrou uma praça na Vila Olímpia. O local, bem arborizado, mas um pouco abandonado pelos moradores locais, lhe pareceu um bom lugar para um novo recomeço. Ivan decidiu montar uma nova casa igual à anterior. “Também fui reformando a pracinha, limpando e pintei tudo, porque estava muito cinza”, conta.
Como forma de conscientizar sobre a questão do lixo que era jogado no chão da praça, Ivan espalhou diversos cartazes e usou sua criatividade para chamar a atenção dos cidadãos. Frases como “meu amor, lixo no lixo” e “não joga lixo aqui, desgraça” serviram de alerta e, com isso, nunca mais houve um papel de bala no chão, segundo ele.
Ivan também plantou 300 mudas de girassol e hoje vive na companhia do seu galo, que ele batizou com o nome de Zeca. O bichinho de estimação o acompanha no seu trabalho e também toma conta da casa quando Ivan está fora ou dormindo. No seu tempo livre, ele busca novos conhecimentos por meio da literatura.
Enquanto os dias passam, ele tenta viver sem pressa, aproveitando cada novo momento como se fosse uma aventura. “Gosto de levantar de manhã sem saber quem vou conhecer ou aonde ir. Só penso em viver o hoje, amanhã não”, conclui.