O vírus silencioso que intriga o mundo e já infectou 800 mil brasileiros
O vírus linfotrópico de células-T humanas (HTLV-1, da sigla em inglês para human T-cell lymphotropic vírus) é pouco conhecido, mas de 5 a 10% das pessoas que são infectadas podem desenvolver duas doenças muito graves por causa dele. Uma delas é a mielopatia associada ao HTLV-1 ou paraparesia espástica tropical. A outra é a leucemia linfoma de células T do adulto (ATLL – adult T-cell leukemia/lymphoma), um tipo de câncer do sangue bastante agressivo, que leva o paciente à morte em dois anos.
O Brasil é um dos campeões mundiais em número absoluto de portadores do vírus, com pelo menos 800 mil pessoas infectadas. No mundo, estima-se algo entre 10 e 15 milhões de portadores.
Ele faz parte da família dos retrovírus humanos (Retroviridae) e foi o primeiro desse grupo a ser descoberto, em 1980. Ele pertence à mesma família do vírus HIV, causador da aids.
“Com o tempo, o paciente pode ficar incapacitado de andar”, diz Adele Caterino de Araujo, pesquisadora científica do Centro de Imunologia, do Instituto Adolfo Lutz em entrevista à BBC Brasil. “Ao longo do tempo, podem surgir sintomas como lombalgia (dor lombar), fadiga, disfunção urinária e sexual (disfunção erétil, perda da libido), cãibras, constipação intestinal, mialgia (dor muscular), além de uveítes (inflamação nos olhos), dermatites e de ordem emocional, como ansiedade e depressão”, explica.
Segundo Adele, o HTLV-1 age infectando preferencialmente os linfócitos T CD4+ (principais células do sistema imunológico) e nelas pode permanecer inserido em seu DNA na forma de provírus (estado latente em que se encontra o RNA do retrovírus após ter sido incorporado ao DNA da célula hospedeira).
O HTLV-1 é silencioso. O tempo médio estimado entre a infecção por HTLV-1 e o desenvolvimento de doença é longo e geralmente ocorre por volta da quarta década de vida, podendo o indivíduo infectado permanecer apenas como portador assintomático.
Apesar do alto número de pessoas infectadas e dos problemas que causa, incluindo a morte, o HTLV-1 recebe pouca atenção no Brasil e no mundo. Os médicos e pesquisadores reclamam da falta de estrutura e da ausência de ações específicas contra o vírus.
Os próprios médicos têm dificuldade de diagnosticar a doença. Existem casos de pacientes que passaram por dezenas de médicos até ter o diagnóstico correto.
Somente em 1993 tornou-se obrigatória a sorologia para HTLV em todos os bancos de sangue do Brasil.
A falta de campanhas no país só faz o número de pessoas infectadas aumentar. A contaminação é parecida com a do vírus HIV: parenteral (por transfusão sanguínea e compartilhamento de seringas e agulhas contaminadas durante o uso de drogas injetáveis lícitas e ilícitas), sexual (durante o sexo sem preservativo) e vertical (pelo aleitamento materno prolongado, durante a gestação e no momento do parto).
Em Nagasaki, no Japão, foram adotadas medidas simples que já fizeram efeito, como fazer exames em gestantes para diagnosticar o vírus e orientar as mães portadoras do HTLV-1 a não amamentar os seus filhos, ou a fazê-lo por períodos mais curtos, não mais do que seis meses. Com as ações foi possível reduzir a prevalência da doença de 20,3% para 2,5% em 20 anos. No Brasil, ainda não há previsão para uma campanha de conscientização sobre o vírus HTLV, mesmo o país sendo um dos campeões em número de pessoas infectadas.
Fonte: BBC Brasil