Por que as Santas Casas necessitam de suas comunidades ou por que as comunidades necessitam de suas Santas Casas
Vivemos um momento difícil da sociedade brasileira. Vivemos uma crise política, associada a uma crise financeira, que afeta o funcionamento de muitas instituições.
Para o setor da saúde, como para diversos setores sociais, existe um direito constitucional determinando que o Estado brasileiro tem o dever de atender às necessidades de seus cidadãos. Lamentavelmente, esse direito, que nunca conseguiu ser atendido pelo Estado, sofre ainda mais pela somatória das crises política e financeira.
É fato que a defasagem entre os custos hospitalares e os valores da tabela de pagamentos do SUS estão gerando endividamento progressivo dos hospitais beneficentes, especialmente para as Santas Casas de Misericórdia. Desde a criação do SUS em 1990, o governo Federal progressivamente diminui seu aporte para custeio do sistema, baixando de 63% para 43% sua participação no rateio tripartide, obrigando uma maior participação dos Estados e dos Municípios, sem nenhuma reforma tributária que aumenta suas respectivas arrecadações. Enfim, existe um rosário de fatos mostrando o quanto os hospitais filantrópicos – como as Santas Casas – são afetados pelas mazelas da administração federal do SUS.
Atualmente, a rede hospitalar beneficente é responsável por 37,98% dos leitos disponíveis no SUS, distribuídos em 6,3 mil estabelecimentos em todo o Brasil. Desse total, 1,7 mil são hospitais beneficentes que prestam serviços ao SUS e aproximadamente mil são os municípios cuja a assistência hospitalar é formada somente por Santas Casas e Hospitais Filantrópicos. E, essas instituições dependem fundamentalmente do financiamento governamental realizado pelo SUS, que numa equação desequilibrada se compromete a reembolsar 60% dos gastos. Mas a conta não fecha, e todos os dias recebemos notícias de Santas Casas que estão fechando leitos, ou pior ainda, fechando as portas.
A Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo (Fehosp), por meio de seu Programa de Sustentabilidade das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de São Paulo, e em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado, estabeleceu uma série de oportunidades para que essas instituições possam enfrentar a crise em que se encontram.
Dois elementos devem ser destacados nessa estratégia:
Modernização da gestão: sabemos que uma das marcas fundamentais destes hospitais é a participação voluntária de membros da comunidade em suas provedorias, e presença de um gestor contratado como administrador hospitalar. Porém, também sabemos que o processo decisório não é amparado por um sistema de informação que permita melhor conhecer os problemas existentes, as soluções possíveis, os custos dessas decisões, e principalmente seus impactos sobre a vida da organização, especialmente da população que busca atender. Ter uma gestão dirigida por informações exige construir um modelo gerencial mais complexo e em particular exige na maioria das vezes uma aposta significativa em informatização. Para tanto, novos sistemas de gestão devem ser planejados e implantados, bem como recursos humanos devem ser treinados para atuarem nos novos sistemas.
Resgate da relação com a comunidade: as Santas Casas, foram constituídas a partir de associações ou irmandades, que no seu princípio reuniam os cidadãos interessados em uma melhor assistência para a comunidade toda e, portanto, atendiam aos que podiam e aos que não podiam pagar. Naquela época, essas instituições eram parte da estrutura de poder local.
À medida que o tempo passou, o processo de urbanização transformou a cidade, o custo da assistência à saúde teve um aumento significativo, com novos meios de diagnóstico e tratamento, e uma complexidade maior emergiu para a sua gestão. Por outro lado, o advento do SUS trouxe – no seu início – a impressão que sustentabilidade financeira das entidades estaria garantida, já que, se a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, recursos não faltariam para atender essa premissa. Assim, os recursos que vinham da comunidade passaram a ser secundários, e progressivamente foram escasseando, já que o Estado, por meio de impostos, tinha obrigação de financiar os serviços hospitalares.
Assim, temos que encontrar uma nova maneira de conjugar a instituição Santa Casa com a sua comunidade, e a comunidade com a sua Santa Casa. É um movimento que depende de iniciativas que devem ser tomadas por ambos: Santa Casa e comunidade. Para tanto, os dirigentes da entidade devem reapresentar seu hospital como verdadeiro bem de sua comunidade, que devem ser mantidos e desenvolvidos em sua capacidade de atender os seus pacientes. Estruturar projetos que necessitam colaboração, adotar a transparência como valor na solicitação de apoio e em compartilhar resultados, fazer uso da mídia local para que as informações sejam disseminadas e entendidas pela comunidade são alguns exemplos de ações que reaproximam os hospitais de suas comunidades. Porém, cada Santa Casa deve se profissionalizar no processo de mobilização de recursos. Estratégias e técnicas foram progressivamente incorporadas como instrumentos de captação. Elas devem ser conhecidas, aplicadas, e desenvolvidas em cada caso.
Por outro lado, os líderes comunitários, sejam participantes do poder público, sejam do setor privado lucrativo, e da sociedade civil, devem se envolver ativamente em buscar a melhoria permanente da Santa Casa, financeira e tecnicamente, e engajarem suas organizações, no desenvolvimento de propostas e campanhas de arrecadação, monitorar e cobrar resultados e impactos, celebrar as melhorias conseguidas.