“As mulheres devem ocupar cada vez mais seu espaço”, afirma Eleonora Menicucci
Por Maria Fernanda Scala
Apesar de termos uma mulher na Presidência da República e mulheres em ministérios e outros níveis da administração pública, bem como um crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, grande parte das brasileiras ainda tem dificuldade de se enxergar como participante legítima da política em nosso país. Daí a dificuldade em mudar um cenário avassalador no Brasil no que diz repeito aos altos índices de violência contra a mulher.
Sobre estes temas e as ações que vêm sendo promovidas pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, o Observatório conversou, com exclusividade, com a ministra Eleonora Menicucci.
Mineira da cidade de Lavras, Eleonora Menicucci de Oliveira graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais, fez mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba, doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pós-doutorado em Saúde e Trabalho das Mulheres pela Facultá de Medicina della Universitá Degli Studi Di Milano e livre docência em Saúde Coletiva pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Após o golpe militar de 64, iniciou sua participação em organizações de esquerda. Em 1971, foi presa e passou quase três anos na cadeia, em São Paulo. Ao sair da prisão, reorganizou sua vida e, em 1978, mudou-se com os filhos para João Pessoa, onde deu início à sua carreira docente na Universidade Federal da Paraíba.Trabalhou no Centro de Direitos Humanos da Arquidiocese e filiou-se ao Partido dos Trabalhadores – PT, em 1980. Em São Paulo, continuou sua militância feminista com foco na luta contra a Violência de Gênero e pela Saúde Integral da Mulher.
Na vida acadêmica, Eleonora Menicucci é pesquisadora e docente, além de professora Titular em Saúde Coletiva no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.Foi Pró-Reitora de Extensão da Unifesp até fevereiro de 2012, quando deixou o cargo para assumir a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a convite da Presidenta Dilma Rousseff.
Leia a seguir a entrevista:
Observatório do Terceiro Setor – A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República foi criada em 2003, pelo então Presidente Lula, com o principal objetivo de promover a igualdade entre homens e mulheres, combatendo toda a forma de preconceito. O objetivo foi alcançado? Quais foram os principais avanços?
Eleonora Menicucci – A criação, em 2003, da Secretaria de Políticas para as Mulheres – então na condição de Especial–, e sua ascensão ao patamar de ministério, em 2010, concretizaram o compromisso do Estado brasileiro com a institucionalização das políticas públicas para igualdade entre mulheres e homens.
A SPM/PR tem buscado fortalecer sua missão institucional de coordenadora das políticas para as mulheres, tanto no âmbito federal, quanto na relação com os estados e municípios. Na esfera federal, vem aprofundando sua relação com os ministérios e outros órgãos governamentais na articulação do Comitê de Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM).
A SPM/PR tem atuado diretamente ou em cooperação com organismos governamentais (nos três níveis de governo), com o Sistema de Justiça e com organizações não-governamentais, em consonância com as diretrizes do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e tendo como marco normativo a Lei Maria da Penha.
Dentre as ações da SPM, merecem destaque pela amplitude e pelo acesso direto e imediato por parte das mulheres, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 e o programa ‘Mulher, Viver sem Violência’. Este inclui a Casa da Mulher Brasileira e as unidades móveis de atendimento no campo e na floresta. As casas estão em fase de construção nas capitais estaduais, ao passo que praticamente todos os ônibus já foram entregues.
Observatório do Terceiro Setor – A política é historicamente dominada pelos homens. Mesmo o país sendo comandado por uma mulher, a presidenta Dilma Rousseff, as mulheres ainda são minoria no poder. O que a ministra acha sobre esse assunto? Há desinteresse das brasileiras pela política ou preconceito com as mulheres no poder?
Eleonora Menicucci – Dado que a política é um campo do qual as mulheres estiveram historicamente excluídas, grande parte delas tem dificuldade em enxergar-se como participantes legítimas dele. Ainda que a cultura patriarcal que associa a mulher à casa, e o homem ao espaço público esteja se alterando, isso ocorre de forma lenta. Nesse sentido, a eleição de uma mulher para a Presidência da República tem grande importância: sinaliza para mulheres que elas podem, sim, alcançar o mais alto posto político.
Além disso, dados apontam uma grande aceitação da maior participação das mulheres na política pelo eleitorado. Por exemplo, 74% dos entrevistados acreditam que só há democracia de fato com a presença de mais mulheres nos espaços de poder e de tomada de decisão. Além disso, a maioria dos entrevistados é também a favor de medidas de reforma política que propiciem que mais mulheres sejam eleitas (Ibope/Instituto Patrícia Galvão/ 2009).
Observatório do Terceiro Setor – O levantamento do Ligue 180 (disque denúncia) prestado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da Republica apontou que em 2013 subiu de 50% para 70% o porcentual de municípios de origem das chamadas. Cresceu também 20% o número de mulheres que denunciam a violência logo no primeiro episódio. Em contrapartida, um estudo divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) feito no ano passado concluiu que a Lei Maria da Penha não teve impacto no número de mulheres assassinadas. As mulheres estão denunciando, mas continuam sendo mortas –o que falta para diminuir esses homicídios?
Eleonora Menicucci – Sabe-se que o número de denúncias registradas ainda é inferior ao de violências cometidas contra mulheres. Nesse sentido, o aumento no número de denúncias feitas por mulheres em situação de violência é um sinal positivo de que elas estão se empoderando, tomando consciência de seus direitos e negando-se a aceitar situações de violência. Certamente é preciso reforçar a implementação da Lei Maria da Penha e ampliar o acesso de mulheres em situação de violência a direitos e garantias legais, bem como aos serviços de atendimento especializado. Aliás são esses os objetivos que fundamentam e guiam o atendimento da Central Ligue 180 à população feminina do país.
Assim, o Ligue 180 coloca-se como um serviço de utilidade pública, gratuito, que orienta as mulheres 24 horas por dia, todos os dias da semana. A transformação do Ligue 180 em disque denúncia permite que os relatos de violência, quando autorizados pelas denunciantes, sejam enviados diretamente para a Segurança Pública e os Ministérios Públicos estaduais. Com isso, garantem-se agilidade nas investigações e o acompanhamento da atuação das Polícias e do Judiciário. Essa transformação ocorreu em março de 2013 e resultou no envio de mais de 15 mil relatos até julho de 2014.
Observatório do Terceiro Setor – Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nos últimos 10 anos, quadruplicou o número de mulheres chefes de família. Esses dados refletem uma independência das mulheres?
Eleonora Menicucci – Os dados apresentados pelo IBGE mostram um crescimento da mulher no papel de chefe de família. A PNAD 2012 apresentou uma significativa mudança na porcentagem de mulheres tidas como “pessoa de referência” nas famílias. Analisando todos os arranjos familiares juntos, com e sem filhos, com casal ou só com homens ou mulheres, a participação delas como titulares de família cresceu de 28% em 2002 para 38% em 2012. Considerando-se famílias de casais sem filhos, essa proporção passou de 6,1% em 2002 para 18,6% em 2012. Já entre os casais com filhos, as mulheres em posição de referência representavam 4,6% em 2002, e aumentaram para 19,4% em 2012.
Existe um fato positivo, que é a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho, quando assumem posições econômicas e conquistam sua autonomia. Mas por outro lado, continua recaindo sobre elas o trabalho de cuidados junto ao núcleo familiar. Muitas destas famílias possuem uma configuração monoparental, e isto faz com que a mulher assuma uma dupla jornada de trabalho, sem contar com o apoio dos homens para cuidar dos filhos.
Observatório do Terceiro Setor – Ministra, a senhora tem uma história de muita luta e perseverança. Mesmo tendo ficado presa três anos durante o Golpe Militar de 1964, continuou sua militância feminista com o foco na luta contra a violência de gênero e pela saúde integral da mulher. Qual o conselho da ministra para as brasileiras que ainda são reprimidas e sofrem com a violência de gênero?
Eleonora Menicucci – Exatamente pelo fato de ter lutado contra a ditadura, ter sido presa e torturada, tenho essa perseverança, determinação e obsessão para continuar lutando pelo aprimoramento da democracia, da justiça social, da liberdade e da igualdade de gênero. Meu conselho às mulheres vítimas de violência dos homens e da sociedade é: denunciem sempre. Não se omitam e tenham autoconfiança de que podem e devem participar em todos os níveis.