Captação de recursos precisa inovar na relação com o doador
A edição 2020 do Festival ABCR abordou novas formas de inserir o doador no processo de captação de recursos e a construção de uma comunicação mais efetiva no setor
Por: Mariana Lima
Nesta semana, o Festival ABCR realiza a sua 12ª edição, sob o tema ‘Ousar para Inovar’. Promovido pela Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), o primeiro dia do evento ficou marcado por palestras e bate-papos que apontaram para a necessidade de se repensar a figura do doador na captação de recursos.
Rodrigo Did, diretor executivo do instituto PROA, aproveitou a palestra ‘Captar não é pedir, é inovar!’ para discutir os principais erros que as organizações cometem quando se trata da captação de recursos, e para dar dicas de como desenvolver um sistema de doações mais eficaz.
“Inovar significa agregar mais valor a algo que já existe. A captação pode funcionar assim, se o cliente final [doador] for inserido não apenas no fim do processo, mas ainda em seu início. Basta pensar no WhatsApp. O sistema de troca de mensagens já existia, mas essa ferramenta oferece uma troca mais rápida e fluída”, exemplifica.
A preocupação com quem vai consumir no final deve ser levada em conta dentro do terceiro setor. Quem colabora com as organizações são “consumidores”, que pagam as contas para que o serviço se mantenha. “No terceiro setor nada funciona sem o doador. Se você não tem o privilégio de ter doações fixas ou recursos próprios, precisa pensar nele desde o inicio”.
No sistema apresentado, as organizações e o público que atendem são os beneficiários, enquanto o doador é o cliente final. Rodrigo ressalta que se deve pensar em seus doadores como pessoas, reconhecer suas dores e apresentar soluções.
“Uma ação viável é criar projetos que unam as dores dos beneficiários e dos clientes finais. Quando se faz isso, você para de disputar doações e cria um novo mercado. As organizações podem ter uma cabeça empresarial e continuar atuando para uma causa”.
No entanto, Rodrigo ressalta que a organização não deve se centrar apenas na figura do doador, uma vez que essa ação pode mudar a forma como a organização atua. Uma das ferramentas apontadas para equilibrar essas questões é colocar o doador como protagonista das ações, mostrando como a participação dele contribui para os serviços da organização.
Essa perspectiva foi aprofundada por Filipe Dantas, sócio da Giving, agência de captação de recursos latino-americana que desenvolve soluções digitais e tecnológicas para organizações sem fins lucrativos, durante a palestra ‘Comunicação centrada no doador’.
Dantas ressaltou que na captação de recursos deve-se olhar para o doador, sem fazer uma comunicação institucional.
“É necessário ‘namorar’ os doadores. Se aproximar, comentar e compartilhar histórias para ter um relacionamento de longo prazo. Na hora de fazer um pedido ao doador, peça apenas uma coisa e que ela seja fácil. Convide seu doador para participar da história que você está contando e agradeça sempre. Nunca é demais. Sem o apoio dele não se consegue levar as atividades”.
As histórias são fundamentais neste processo, pois transmitem emoção e comovem. Dantas ressalta que ao doar para uma causa, o público está doando para uma história que vale mais do que a doação em si. “Para muitos significa ser parte da comunidade. Ao comparem uma história, os doadores desempenham um papel que os conecta com ela”.
Ao longo da conversa, Dantas reforçou o poder da imagem na construção do storytelling da organização. Saber equilibrar os tons das narrativas se torna fundamental para atingir os objetivos previstos. “Utilize imagens alegres para mostrar os benefícios da sua instituição e imagens mais tristes para mostrar os problemas que querem resolver. Imagens tristes aumentam o desejo de doar. Sempre coloque o fator de urgência no agora. Se não for urgente, as pessoas adiam e empurram com a barriga”.
E complementa: “O doador precisa se sentir como parte da mudança. Sem isso, ele não vai se mover. É isso que significa colocá-lo como protagonista da história”.
Covid-19 e a captação de recursos
Ao longo de bate-papo promovido no primeiro dia do festival, Marcelo Iniarra, especialista internacional em digital e inovação e CEO profissional sênior de mobilização pública e captação de recursos, refletiu sobre como a pandemia abriu espaço para a criatividade na captação de recursos.
“Essa necessidade de diminuir o contato entre as pessoas traz uma oportunidade. Permite uma inovação intuitiva ao se adaptar a este novo ambiente. Com um modelo de comunicação digital mais integrada, algumas organizações ficaram acima das médias de engajamento e captação”.
Iniarra ressalta que diversas etapas comuns na captação de recursos deverão ser repensadas, ampliando práticas digitais. “O ‘face to face’, aquele engajamento cara a cara, se torna inviável neste momento. Como atrair os doadores que vinham com esta prática? As organizações precisam promover uma reflexão interna para alcançarem um normal melhor do que tínhamos”.