Como ficam as relações de trabalho em tempos de coronavírus?
Advogado especialista em Direito do Trabalho esclarece as principais dúvidas sobre o impacto do coronavírus nas relações trabalhistas
Por: Júlia Pereira
No dia 11 de março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o mundo vive uma pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Isso significa que a infecção alcançou o nível de disseminação mundial com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.
Já na última terça-feira (17/03), foi registrada a primeira morte em razão do novo coronavírus no Brasil. A vítima era um homem de 62 anos, com histórico de diabetes e hipertensão.
Até o momento da publicação desta matéria, foram registrados 370 casos de infecção pelo novo coronavírus no Brasil.
Algumas das recomendações dos agentes de saúde para evitar a disseminação do vírus são lavar as mãos com frequência, evitar tocar olhos, nariz e boca, e evitar aglomerações.
São necessários alguns cuidados a mais na rotina neste momento, como no ambiente doméstico e no trabalho. Algumas empresas estão adotando medidas para impedir a proliferação do vírus, como a adoção de trabalho remoto ou de escalas durante a semana. No entanto, essas medidas geram dúvidas no trabalhador com relação aos seus direitos.
Quarentena x Isolamento
Esses dois termos têm sido muito utilizados nos últimos dias. Mas qual a diferença entre eles? Segundo Breno Nascimento, advogado especialista em Direito do Trabalho do Marins Bertoldi, a quarentena é um termo técnico citado na Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que consiste na restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, para evitar uma possível contaminação ou propagação do coronavírus.
“Essas faltas, se decorrerem desse ato de quarentena decretado, serão justificadas, não podendo o empregado ter qualquer tipo de desconto de sua remuneração”, explica Breno.
Já o isolamento ocorre quando o trabalhador tem a confirmação de contaminação por meio de uma declaração de agente de saúde, ou se apresenta sintomas semelhantes àqueles resultantes do contágio do coronavírus. “Nesta hipótese, o empregado também vai ficar em casa sem trabalhar enquanto ele aguarda o resultado do exame ou a efetiva alta médica, recebendo o salário normalmente”, explica.
Os benefícios oferecidos pela empresa ao trabalhador, como vale transporte e vale refeição, devem, a princípio, ser mantidos, com exceção àqueles que decorrem efetivamente do trabalho, ou seja, quando o auxílio é dado por dia efetivamente trabalhado.
Muita atenção ao comportamento de empregadores com os funcionários da sua empresa neste momento. “O empregado não pode ser obrigado a se submeter a um exame pelo seu empregador. A Lei nº 13.979 diz que somente uma autoridade pública pode exigir exames da população caso seja necessário”, alerta Breno.
As regras citadas por Breno são válidas para profissionais que trabalham com carteira assinada.
Como funcionam as férias neste momento?
Algumas empresas têm utilizado o adiantamento das férias dos funcionários neste momento para que eles não compareçam ao ambiente profissional. “O empregador deve respeitar os regramentos previstos na lei com relação às férias coletivas, mesmo nessas condições de calamidade pública”, explica o advogado.
Uma das dúvidas da população diz sobre o desconto dos dias de férias coletivas sobre as individuais. Breno responde: “O que tem que ser feito é o cômputo dos dias efetivamente gozados de forma coletiva para o cálculo das férias no novo período aquisitivo”.
Por exemplo, se o funcionário trabalha na empresa há um ano, tem direito a 30 dias de férias e vai tirar 15 dias de férias coletivas em razão do surto do novo vírus, ele terá mais 15 dias de férias individuais para usufruir.
Alguém da minha família foi diagnosticado com coronavírus. O que posso fazer para não contaminar os colegas de trabalho?
Se alguma pessoa que convive com você for diagnosticada com Covid-19, a recomendação dos agentes de saúde é que você não frequente locais públicos, como é o caso do seu ambiente de trabalho.
Uma vez que o isolamento só é oferecido caso exista a comprovação de contaminação ou se a pessoa já apresenta sintomas, e a quarentena deve ser declarada pelo Poder Público, restam duas alternativas viáveis neste caso. “É recomendado que este empregado comunique ao seu empregador a situação de forma bastante clara de que existe um parente próximo com comprovação do vírus, e que esse empregador, por sua vez, tome as medidas necessárias para que se evite o contágio, como, por exemplo, a instituição de home office. Se não for possível, até uma licença remunerada para que essa pessoa fique X dias em casa para evitar o contágio dos demais”, esclarece Breno.
O que minha empresa pode fazer?
O advogado Breno Nascimento explica que existem algumas medidas necessárias que podem ser tomadas pelos empresários para evitar a contaminação. Uma delas é permitir o trabalho domiciliar, mais conhecido como home office. “Nas hipóteses em que o home office não é possível, como, por exemplo, numa fábrica, podem ser tomadas medidas como as de orientação para evitar o contato físico, utilização de máscaras, disponibilização de álcool gel e portas abertas para evitar contato com maçaneta”, detalha.
Como ficam os trabalhadores autônomos, PJs e motoristas de aplicativo?
Em relação aos trabalhadores PJ (pessoa jurídica), o advogado relembra que essa forma de contratação não segue regulamentação trabalhista, ou seja, foge do escopo do direito do trabalho e até mesmo da Lei nº 13.979/2020, que diz sobre medidas como quarentena e isolamento aos trabalhadores registrados.
No entanto, essas pessoas também estão expostas ao vírus e as recomendações médicas se aplicam nestes casos também. “Recomenda-se que exista algum tipo de reajuste nesse período, com o apoio de uma consultoria civil, mas a cautela também tem que ser aplicada”, esclarece Breno.
Já em relação às empresas de aplicativo de corrida ou de entrega, algumas medidas estão sendo tomadas. De acordo com o site da Revista VEJA, a Uber informou que qualquer motorista ou entregador diagnosticado com o coronavírus ou que for submetido à quarentena solicitada por agentes médicos públicos receberá assistência financeira durante 14 dias, enquanto sua conta no aplicativo estiver suspensa. O cálculo do benefício será feito com base nos rendimentos médios dos colaboradores nos últimos seis meses.
A empresa também está recomendando que os entregadores cadastrados no aplicativo da Uber Eats entreguem as encomendas nas portas, sem contato direto com os clientes. A mesma recomendação está sendo feita pela startup colombiana de delivery Rappi. Segundo o site do Pequenas Empresas e Grandes Negócios, além de evitar o contato físico entre entregadores e clientes, a empresa também está entregando álcool gel 70% e máscaras antibacterianas para seus colaboradores.
Já a empresa brasileira de entregas iFood anunciou, em entrevista concedida ao Estadão, a criação de um fundo de R$ 1 milhão para auxílio aos entregadores que entrarem em quarentena ou que forem diagnosticados com a Covid-19. O fundo será administrativo pela ONG Ação da Cidadania, que será a responsável pela distribuição dos recursos aos colaboradores da startup.
Fontes: Folha de S. Paulo, Carta Capital, Revista VEJA, Estadão, Pequenas Empresas e Grandes Negócios