Coronavírus afeta a prática do voluntariado em hospital de SP
Programa de voluntariado no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, teve que ser pausado com o início da pandemia. Instituto foi o primeiro a ter 100% dos leitos de UTI ocupados com pacientes de Covid-19
Por: Mariana Lima
A nova turma de 80 voluntários do programa VER – Voluntariado Emílio Ribas estava para iniciar a parte prática da capacitação quando a pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, estourou no país.
Após um mês se dedicando aos pacientes com Covid-19, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas foi o primeiro hospital na capital paulista a ter 100% dos seus leitos de UTIs ocupados por pacientes com a doença. E agora se dedica de forma exclusiva ao combate à Covid-19. Além disso, dos 1.300 funcionários, 44 testaram positivo para o vírus.
Com este cenário, o projeto de voluntariado no hospital nascido em 2004 teve quer ser pausado por tempo indeterminado. A médica infectologista e paliativista no Instituto de Infectologia Emílio Ribas e fundadora do VER Voluntariado Emílio Ribas, Gloria Brunetti, revela que muitas mudanças ocorreram no hospital.
“Tivemos que remover muitos dos pacientes para outros locais. A maioria tinha problemas de imunidade e não sabíamos como poderiam reagir. O hospital está virando uma grande UTI. Nosso foco agora é não deixar morrer”.
Uma pausa para o bem
Glória viu a necessidade de implantar um sistema mais humanizado no hospital quando acompanhou pacientes com HIV/AIDS entre as décadas de 1980 e 1990. “Percebi que pessoas capacitadas poderiam fazer qualquer coisa”, conta.
Ao longo dos anos, o programa de voluntariado no hospital cresceu, chegando a formar 2 mil voluntários. Antes da pandemia, 16 projetos funcionavam com 200 voluntários ativos. Eles continuam sendo contatados pelas redes sociais e recebem vídeos de incentivo feitos pelos funcionários do hospital que participam do programa.
“Todos os projetos surgiram com base na demanda dos pacientes. O voluntariado é algo que não tem preço. Você dar seu tempo de forma gratuita. E agora, quando as pessoas mais têm tempo, não posso fazer o programa funcionar”, diz Glória.
A capacitação ocorre em 8 meses, divididos entre a parte teórica e prática. Cada voluntário dedica 2 horas semanais ao projeto para o qual foi selecionado. Das 16 ações, apenas duas ocorrem fora do hospital: a doação de leite em pó e o bazar.
A coordenação do programa vem organizando campanhas nas redes sociais para manter os projetos. Uma das colaboradoras do programa, a Monja Coen, doou parte da renda de suas palestras para o hospital. Com a verba, o hospital conseguiu adquirir equipamentos e transformar as doações de leite em pó em cestas básicas.
O programa também está realizando um trabalho para a produção de máscaras a serem entregues nas periferias da cidade de São Paulo, com foco especial no distrito da Brasilândia, o mais atingido até o momento.
Outra ação planejada no programa é conseguir uma parceria para disponibilizar tablets nos setores. Desta forma, familiares e os voluntários poderão conversar com os pacientes virtualmente.
“As pessoas estão valorizando aquilo que não podem tocar. Esse cenário está mudando a cultura da doação. Essa valorização se estende ao profissional da saúde e ao voluntário. O vírus expôs todas as mazelas da sociedade e nós temos que olhar”.
Sobre a rotina no hospital, a médica destaca a sensação de perda que sentiu ao chegar para trabalhar sem os voluntários atuando no espaço.
“Quase chorei no primeiro dia. Só havia silêncio ali. Para onde haviam ido todas aquelas vozes? Depois me concentrei e passei a fazer o que era necessário”.
Uma das preocupações da médica é como lidar com as mudanças que o coronavírus impôs às relações de modo geral, incluindo com os familiares dos pacientes.
“Mesmo no hospital não estamos preparados para as mortes. O sofrimento pela perda do paciente tem que ser rápido porque já tem outro no mesmo leito. E nem podemos mais dar aquele abraço, ter aquele contato físico de suporte com os familiares. Só nos resta a escuta”.
Sobre quem atua
Sílvia Regina Duarte, 58, é aposentada e descobriu o programa VER – Voluntariado Emílio Ribas em uma feira do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) em 2016, enquanto enfrentava uma depressão.
“O VER me salvou naquela época e está me salvando nesta quarentena. Eu faço parte do projeto Administrativo. Sinto muita saudade. Nosso espaço no hospital está apenas aguardando retornarmos. Tenho que aprender a lidar com a espera”.
Sílvia sabe que a distância neste momento é importante para o bem-estar coletivo, mas a saudade é constante, principalmente em momento difíceis.
“Minha mãe, de 95 anos, acabou de vencer a Covid-19. Converso com as meninas [voluntárias] pelo Whats, mas não é a mesma coisa. Queria os nossos abraços, as nossas trocas entre um café e outro”.
Voluntária do projeto Reiki – terapia por imposição de mãos usada para reestabelecer e reequilibrar a energia natural do corpo, que atua de forma coadjuvante nas terapias convencionais –, a aposentada Marcia Maria Vendramini conheceu o VER por acidente, ao encontrar uma amiga que trabalha no Emílio Ribas no metrô.
“Fazia tempo que eu queria trabalhar em hospitais. Já conhecia o Reiki há 20 anos, então foi perfeito encontrar o projeto. Entramos na vida daquele paciente e tentamos oferecer algo bom”.
O grupo que compõe o projeto vai de leito em leito, incluindo na UTI, oferecer o Reiki, que promove a troca de energias.
“Com alguns pacientes criamos um vínculo, pois acabamos o encontrando toda semana. Mas tem dor também, quando buscamos um e descobrimos que ele veio a óbito. A gente entra ali e encontra uma pessoa vulnerável, mas verdadeira. Sem qualquer máscara social”.
Dione Dantas Sitibaldi
22/05/2020 @ 15:40
Maravilhoso projeto!
Faço parte dessa turma que se formou agora em março de 2020, mas ainda não pôde participar ativamente junto aos pacientes do hospital.
Tenho certeza que quando tudo passar, o VER será ainda mais forte e mais imprescindível no Emílio Ribas.
Parabéns, Dra. Glória pelo trabalho incansável e pelo coração maravilhoso!
Parabéns a todos os voluntários desse grupo incrível!
Já já poderemos nos encontrar novamente!
Dione – Voluntária do grupo Leitura Solidária