Empresas retomam trabalho presencial em meio à pandemia
Infectologista explica que a volta ao trabalho presencial na pandemia ainda é arriscada. Empresas devem garantir segurança dos funcionários
Por: Júlia Pereira
No início da pandemia, com o decreto da quarentena nos estados brasileiros, milhares de empresas adotaram o trabalho remoto, fazendo com que funcionários das mais diversas áreas migrassem as atividades profissionais para suas casas.
Após quase sete meses desde o início das recomendações de isolamento social no Brasil, no entanto, boa parte das atividades presenciais já foi retomada. A segurança com a volta, no entanto, não pode ser garantida.
“A retomada do trabalho presencial implica em risco, porque você vai colocar pessoas em ambientes onde existe a circulação viral. O vírus continua circulando. A gente ainda tem uma alta taxa de pessoas vulneráveis”, diz Jamal Suleiman, médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Segundo o médico, um dos maiores riscos está no transporte público, usado pela maior parte dos trabalhadores brasileiros. Somente em São Paulo, diariamente, 8,3 milhões de passageiros são transportados nas linhas do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), além dos cerca de 8,8 milhões que utilizam os ônibus.
Com a superlotação do transporte público, a população não consegue colocar em prática uma das principais medidas de prevenção à contaminação pelo coronavírus: o distanciamento social.
“As atividades não essenciais, se possível manter o trabalho remoto, é muito melhor, porque você diminui a circulação de pessoas nos ambientes urbanos e nos ambientes de trabalho. Se a empresa tiver responsabilidade social, é muito melhor que ela faça isso em trabalho remoto, porque você não vai expor esses trabalhadores em transporte público, por exemplo, que é sempre um risco muito alto”, explica Jamal Suleiman.
Outro problema para a retomada das atividades presenciais, segundo o infectologista, é a falta da testagem em massa. A identificação de contaminados é essencial para reduzir as curvas de contágio da Covid-19, que já infectou 4,9 milhões e matou 146 mil brasileiros*.
“Se você tivesse condições de monitorar um contingente populacional grande, por exemplo, testando em larga escala, identificando as pessoas que são positivas e mantendo elas em isolamento domiciliar, até daria para você flexibilizar mais. Ocorre que a gente não tem nenhuma estrutura para fazer isso, então isso vai sempre representar um risco para outras pessoas”, ressalta.
Além do risco existente no transporte público, também devem ser observadas as condições de retomada de cada funcionário, ou seja, verificar se a volta representa um risco tanto para aqueles que fazem parte do grupo de risco quanto para os que convivem com outras pessoas que são mais suscetíveis ou vulneráveis à Covid-19.
“Se ele [empregado] for pertencente a um grupo de risco ou conviver com alguém que seja, ele pode tentar, primeiramente, negociar isso com o seu empregador, explicar a situação e solicitar que medidas alternativas sejam tomadas. Ou buscar uma declaração médica no sentido de que seu retorno seja muito perigoso, não só para esse empregado como para outros e, por uma declaração médica, recusar esse retorno do trabalho, por um atestado, mas não por uma decisão própria”, esclarece Breno Nascimento, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do Marins Bertoldi Advogados.
Caso ainda assim as empresas de serviços não essenciais optem pela retomada das atividades presenciais, todos os mecanismos de proteção deverão ser promovidos aos funcionários, como máscaras faciais, condições necessárias de higienização constante das mãos e, se possível, um ambiente arejado e que permita a distância de cerca de dois metros de distância entre cada um.
“Não existe de fato estabilização da pandemia da Covid-19, os números ainda não são ideais, ainda não seria recomendável esse retorno, mas o que se verifica é que, tanto os setores privados quanto públicos têm retornado aos poucos as atividades com protocolos de segurança reforçados, com adaptações no ambiente de trabalho e com a exigência do uso de máscara e de distanciamento para que se evitem cenários de risco para os empregados”, diz Breno.
Essas adaptações já podem ser observadas nas empresas que estão retomando as atividades presenciais nos últimos meses. Uma pesquisa realizada pela Spring Professional com 200 empresas mostra que 32% delas já retomaram as atividades presenciais, enquanto 38% afirmam que voltarão apenas em 2021 ou ainda não possuem definição sobre a volta, e 30% planejam o retorno no último trimestre deste ano.
O analista de comunicação Gabriel Ferreira trabalha em uma empresa onde as atividades presenciais já foram retomadas. Ele destaca todas as adaptações feitas para que fosse possível a volta das atividades de uma forma mais segura aos funcionários após cerca de cinco meses de trabalho remoto devido à pandemia, como a distribuição de máscaras e a retomada gradual das equipes.
“Ao entrar na empresa, eles medem a nossa temperatura, tem álcool em gel espalhado por todos os cantos da empresa, a gente mantém o distanciamento”, conta Gabriel.
O escritório onde o analista trabalha fica a apenas 15 minutos de distância do bairro onde ele reside. O trajeto é feito de carro, tanto na ida quanto na volta, o que faz com que Gabriel esteja menos exposto à contaminação pela Covid-19. “Eu me sinto muito seguro em trabalhar aqui tendo em vista todas as questões que eles implementaram”, ressalta.
A mesma segurança não foi sentida por Elenira Lima, que trabalha em uma loja de fechaduras localizada no centro de São Paulo. O estabelecimento fica a duas horas de distância da casa dela, na zona leste da cidade. O caminho é feito, diariamente, por meio de dois meios de transporte público: um ônibus e um metrô.
“O dia que eu voltei, para vir, eu vim normal, trabalhei normal. Mas na hora de voltar para casa que o metrô estava um pouco mais cheio, me bateu um desespero, eu comecei a suar frio dentro do metrô, meu coração palpitava, as minhas pernas tremiam, o meu corpo formigava inteiro, eu tinha calafrios dos pés à cabeça, a minha pressão baixou. Eu achei que eu ia desmaiar”, conta Elenira.
Apesar do medo provocado pela pandemia da Covid-19, a retomada das atividades presenciais na loja foi feita após 78 dias de trabalho remoto. Os funcionários seguem uma série de medidas para evitar a contaminação.
“A empresa não me oferece máscara, eu tenho as minhas próprias. O que ela oferece é álcool em gel, sabonete para lavar as mãos, essas coisas”, diz Elenira.
* Dados acessados em 05 de outubro de 2020.