Entidade alimenta o corpo e a alma de moradores de rua
Anjos da Noite doam alimentos e roupas e ajudam famílias a encontrar parentes desaparecidos
Sinal Vermelho. O jeito foi aguardar no semáforo da Rua Amaral Gurgel numa noite gelada de 1989, na capital paulista. Os termômetros marcavam 4°C quando um senhor de aproximadamente 60 anos vestindo camiseta e bermuda rasgadas se aproximou do veículo de Kaká Ferreira. O servidor público voltava de uma viagem a trabalho e decidiu doar algumas roupas e um par de sapatos que estavam em sua mala para o homem. Em seguida, os dois seguiram para uma lanchonete próxima dali.
“Você é um anjo da noite”, afirmou o senhor quando eles se despediram. Kaká conta que na mesma noite sonhou que estava entregando roupas e alimentos para outros moradores de rua naquele endereço. Na manhã seguinte, ele e seu amigo José Amato conseguiram mobilizar outras pessoas e preparar a primeira sopa que serviriam no final do dia 22 de agosto de 1989 – data da fundação do Núcleo Assistencial Anjos da Noite.
Há 26 anos, o projeto distribui refeições para moradores de rua na região do Mercado Municipal de São Paulo, Pátio do Colégio, Praça da Sé e Anhangabaú aos sábados. Kaká é presidente do Núcleo e ressalta que durante esse tempo sempre recebeu o apoio de inúmeros voluntários. “Nós começamos atendendo 100 moradores; hoje, são oferecidas 800 refeições por semana”, afirma.
A preparação do jantar começa às 9 horas do sábado com os “anjos da manhã”. Ao todo a equipe é composta por 130 pessoas que se dividem nas tarefas da cozinha, recepção/separação das doações de alimentos e roupas que serão distribuídas. Os 80 voluntários que saem para as ruas recebem orientações de como abordar e oferecer os marmitex aos moradores. Com o lema “todos os problemas são de todos“, eles se aproximam de igual para igual e, algumas vezes, jantam na companhia deles.
Com o objetivo de resgatar a autoestima dos moradores de rua e possibilitar sua reintegração social, os voluntários desenvolvem uma relação de confiança com eles e passam a conhecer melhor suas histórias. A trajetória dos “anjos da noite” é construída a partir dessas experiências e, em função do trabalho nas ruas, recebem inúmeros pedidos de ajuda para tentar encontrar pessoas desaparecidas. No site do Núcleo foi disponibilizado um espaço para cadastro de informações e fotos pelas famílias.
Emocionado, Kaká conta a história de uma mãe que viajou da Bahia e pediu para acompanhá-los na distribuição das refeições. Ela havia recebido a informação de que seu filho dormia na rua Boa Vista, no centro de São Paulo. Naquele sábado, a equipe se organizou para apoiá-la e o reencontro com o garoto sensibilizou a todos. Esta e outras histórias “ajudam a justificar a existência do projeto”, conclui Kaká.
População de rua na capital
De acordo com o Censo 2015 da população em situação de rua em São Paulo, existem quase 16 mil pessoas vivendo nos espaços públicos da capital. Dessas, 82% são do sexo masculino e mais da metade passa a noite em Centros de Acolhida mantidos pela Prefeitura. O Observatório foi informado pelo Executivo municipal que são oferecidas cerca de dez mil vagas em 72 Centros distribuídos em toda a cidade.
O diagnóstico realizado pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), também traz a distribuição espacial das pessoas que dormem nas ruas por áreas administradas pelas Subprefeituras da Sé (52,7%), Mooca (11,5%) e Lapa (5,6%). A média de idade entre os acolhidos é 42 anos .
Até 2003, o Núcleo Assistencial Anjos da Noite servia as refeições numa praça de alimentação montada aos sábados embaixo do Minhocão. A prática teve que ser interrompida após a Prefeitura suspender a permissão para usar o local e anunciar a construção do Terminal do Arouche. A partir daí, o grupo de voluntários resolveu circular pelos principais endereços do centro distribuindo os marmitex descartáveis.
Kaká rebate as críticas feitas ao seu trabalho e ao suposto incentivo dele na concentração de moradores de rua nos pontos visitados pela equipe do projeto. Ele explica que aquelas pessoas não estão lá por causa da distribuição de comida e que aonde elas forem os voluntários irão ajudá-las. Vícios em drogas, alcoolismo, problemas familiares, de saúde e perda de emprego são algumas das razões que conduzem um cidadão aos desafios e perigos das ruas.
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Os interessados em participar do projeto devem comparecer, a partir das 9 horas do sábado, no endereço Rua José Teixeira da Silva, 15 – Parque das Paineiras, a 100 metros da estação Artur Alvim do Metrô.