Entrevista exclusiva: “Críticas ao Bolsa Família são fruto de preconceito”, afirma Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social
Por Maria Fernanda Garcia
Um país com muitos desafios, num ano economicamente difícil, porém, mantendo o foco na área social, cujas conquistas, como a erradicação da fome, servem de exemplo para o mundo. “Criticam o Bolsa Família por ser apenas um programa de transferência de renda. Mas isso não é verdade. O programa acompanha a frequência de 17 milhões de crianças e jovens na escola e faz o acompanhamento de saúde de 9 milhões de crianças, por meio das condicionalidades”, afirma a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello.
Com estas credenciais e o apoio do Terceiro Setor, a ministra pretende liderar neste segundo mandato a pasta que já vinha ocupando no Governo Dilma. Leia a seguir a entrevista exclusiva à repórter Maria Fernanda Garcia:
Observatório do Terceiro Setor – As expectativas econômicas para 2015 são de pouco crescimento para o país com cortes nos investimentos públicos. Esse quadro pode afetar os recursos no investimento social?
Tereza Campello – Os investimentos na área social sempre serão prioridades neste governo. Não há risco de cortes nos benefícios ou nos serviços assistenciais. O que todo mundo vai ter de fazer é um esforço para diminuir gastos da máquina. Sempre é possível melhorar. Nós temos também mecanismos de controle dentro de nossos programas para localizar pessoas que estejam recebendo benefícios de forma indevida. Isso não tem a ver com o ajuste fiscal, mas sim com o esforço permanente para ter uma política cada vez mais eficiente, que chegue aos que mais precisam.
Observatório do Terceiro Setor – Recentemente, o Brasil saiu do Mapa da Fome das Nações Unidas. Entre 2002 e 2013, caiu em 82% o percentual de brasileiros em situação de subalimentação. O país foi apontado como uma referência mundial no combate à fome pela forte redução verificada nas últimas décadas. Como o MDS conseguiu chegar a esse resultado?
Tereza Campello – Superar a fome exigiu uma decisão política muito firme. Um país sai do Mapa da Fome quando reduz o problema a menos de 5% da população. Nós chegamos a 1,7%, de acordo com os dados das Nações. Unidas. O número é resultado de um conjunto de políticas públicas, como a garantia de renda à população mais pobre e o aperfeiçoamento e ampliação do programa de merenda escolar, que serve refeições a 43 milhões de alunos da rede pública – quase uma Argentina – todos os dias. Parte do que é servido nas escolas vem da agricultura familiar, que também recebeu incentivos, crédito e assistência técnica para impulsionar a produção em todo o país. O mais importante é que temos uma primeira geração de crianças que não passou fome, que frequenta a escola. Isso tem um efeito transformador na história do país.
Observatório do Terceiro Setor – O Bolsa Família foi reconhecido internacionalmente, recebeu prêmios, reduziu a mortalidade infantil e tirou milhões de brasileiros da miséria. Com tantos feitos benéficos ainda recebe críticas, principalmente relacionadas a fraudes. Como a ministra enxerga essas criticas? Existe algum programa para combater essas distorções?
Tereza Campello – Se considerarmos que o Bolsa Família tem em torno de 50 milhões de beneficiários, casos de irregularidades são insignificantes, embora sempre devam ser combatidos. Para evitarmos essas situações, temos mecanismos de controle. Cito três deles: o cadastro dos beneficiários tem de ser atualizado a cada dois anos, de forma a capturar mudanças na renda. Todos os titulares de cartões de benefícios têm seus nomes publicados na internet, no Portal da Transparência. Além disso, nosso pessoal realiza cruzamentos dos dados do Cadastro Único com outros registros administrativos para identificar inconsistências nas informações prestadas pelas famílias. Se for identificada alguma inconsistência no cadastro, a família é convocada pela gestão municipal para esclarecer a situação e atualizar os dados. Se a família não se encaixa nas regras do programa, o benefício é cancelado.
As principais críticas que o Bolsa Família ainda recebe são baseadas em preconceito. Como a crítica de que os beneficiários se tornam dependentes, não trabalham. As famílias do Bolsa ganham, em média, R$ 170 mensais do benefício. Ninguém abandona um emprego por isso. As pesquisas mostram que a maioria dos beneficiários trabalha, e muito. O que precisamos garantir são melhores oportunidades de inclusão econômica para esses beneficiários. Verificamos um forte interesse dos beneficiários pelos cursos de qualificação profissional.
Também criticam o Bolsa Família por ser apenas um programa de transferência de renda. Mas isso não é verdade. O programa acompanha a frequência de 17 milhões de crianças e jovens na escola e faz o acompanhamento de saúde de 9 milhões de crianças, por meio das condicionalidades. E também está fortemente articulado com políticas de inclusão produtiva tanto nas cidades como no campo, além do acesso a serviços. Foi isso o que fez o Plano Brasil sem Miséria, que cumpriu todas as suas metas. É por isso que os resultados de combate à pobreza aparecem, e são muito robustos, não apenas no que diz respeito à renda, mas na escolaridade e no acesso a bens e serviços.
Observatório do Terceiro Setor – Quais são as metas do MDS para 2015?
Tereza Campello – Estamos em um período muito parecido com o que estávamos quando a presidenta Dilma assumiu pela primeira vez. Nos oito anos do governo Lula, tivemos uma agenda social ampla que possibilitou a inclusão de milhões de brasileiros na classe média, com geração de emprego e renda, além de inúmeros investimentos na área social. Com isso, parecia não ser possível avançar mais, pois tínhamos a impressão de que o trabalho a ser realizado era basicamente de manutenção. Aí a presidenta lançou um mega e ousado plano que foi o Brasil Sem Miséria.
O Brasil Sem Miséria acabou implementando um padrão de inovação nas políticas sociais brasileiras que nos coloca em um ponto de não retorno. Cada vez que se avança muito, se estabelece um novo degrau. Estabelecemos um piso social mínimo no país, que envolve renda, acesso a serviços e oportunidades, abaixo do qual não admitimos mais que nenhum brasileiro viva. Acho que estabelecemos uma verdadeira laje, que nos dá bagagem para dar um salto muito superior. Estamos na fase de definição deste novo salto.
Observatório do Terceiro Setor – Qual sua opinião sobre o Terceiro Setor brasileiro? O MDS tem o Terceiro Setor como aliado?
Tereza Campello – O Terceiro Setor é importantíssimo na luta por um Brasil com menos desigualdade. Muitos dos nossos programas e ações, como o programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Cisternas, são levados adiante com a parceria de organizações da sociedade civil. Muitas ações da assistência social não seriam possíveis sem a parceria com o Terceiro Setor. Essas entidades fazem parte desta rede de proteção social que implantamos no Brasil nos últimos anos e que foi indispensável para alcançarmos todos os resultados obtidos. Precisamos de todos os parceiros, não temos como vencer este passivo de 500 anos sozinhos.