Escritora cria projeto para dar voz à deficientes auditivos
A escritora perdeu a audição durante a infância, e hoje busca desmitificar esterótipos e quebrar tabus sobre a pessoa com deficiência auditiva
Por: Mariana Lima
Paula Pfeifer começou a perder a audição durante a infância. Foram muito diagnósticos errados, desde otites a “apitos” no ouvido até que ela fosse diagnosticada com surdez neurossensorial bilateral de caráter severo e progressiva.
O diagnóstico não trouxe tranquilidade. Os anos seguintes vieram com um longo período de negação dos aparelhos auditivos, e aos 30, Pfeifer ficou no silêncio total.
O silêncio também foi resultado da teimosia em esconder ao máximo a surdez até amadurecer e ceder aos aparelhos auditivos. Com essa realidade, Pfeifer passou a conviver com poucos amigos íntimos, familiares e a recorrer à leitura labial para ser inserida nas conversas.
Até conseguir voltar a ouvir com a ajuda de aparelhos e do implante, Paula guardou todos os sons de sua infância, principalmente as vozes de sua avó e de sua mãe.
O medo que veio junto com o diagnóstico, foi sendo abandonado com o 1° implante coclear em 2016. Como Paula foi perdendo a audição ao longo da infância, ela é considerada uma “surda que ouve”, ou seja, uma pessoa surda oralizada.
Surdos que Ouvem
Paula luta para desmitificar os tabus e acabar com estereótipos que cercam a deficiência auditiva, que apesar do senso comum, trata-se de um grupo bem heterogêneo. Existem diferentes tipos e graus de surdez que por consequência, proporcionam diferentes formas de comunicação.
A escritora chamou atenção para a causa que defende. Ela foi eleita como residente pelo Facebook Community Leadershio Program para representar a América Latina e recebeu US$ 1 milhão para o desenvolvimento e ampliação do projeto Surdos que Ouvem em 2019.
Com esse valor, Paula deu incio ao investimento no Projeto que nasceu do blog Crônicas da Surdez. O projeto passou a desenvolver iniciativas alinhadas aos valores defendidos por Paula, começando com uma campanha com 12 usuários de tecnologias auditivas para exemplificar a diversidade das deficiências ligadas a audição.
Depois veio o Conexões Sonoras, que promove eventos 100% acessíveis a surdos; um curso online para pais de crianças com deficiências auditivas; e a promoção do engajamento da comunidade e treinamento de lideranças com aporte financeiro para 20 miniprojetos criados por membros do grupo.
Trilhando um caminho no silêncio
Paula escolheu uma profissão na qual não precisasse se comunicar frequentemente. Assim, acabou se formando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Entre 2002 a 2014, Paula atuou como técnica do Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul. Em 2015, buscou outro caminho. Tornou-se dona de uma empresa de conteúdo e comunicação.
Através da carreira de empresária, Paula gerencia o Crônicas da Surdez, um blog que surgiu da necessidade de Paula “sair do armário” da surdez, ainda em 2010.
No ano passado, o blog alcançou a marca de 1.200.000 acessos orgânicos. O blog visa ajudar outras pessoas que ainda estão aprendendo a lidar com sua surdez, através de uma rede de informação, afeto e apoio.
As histórias de pessoas que se envolveram com o blog se juntaram a de Paula em dois livros: Crônicas da Surdez (2013), e Novas crônicas da surdez: epifanias do implante coclear (2015).
Sua formação como cientista social colaborou para a construção de uma análise mais profunda das pessoas, da cultura e dos processos que as levam à tomadas de decisões.
A surdez não é um limite
Apesar da perda auditiva que sofreu, Paula sabe ouvir e falar em português, inglês e espanhol. Ela nunca havia feito cursos de escrita, mas sentia alegria desde criança no ato de escrever.
Paula já tem diversos carimbos no passaporte que vão desde países da América Latina como a Argentina, Chile e Uruguai, até a Europa Ocidental.
Em relação ao implante, Paula aponta que apesar de ter trazido resultados positivos ao seu estilo de vida, cada caso é um caso, e o implante pode ter o resultado oposto para outras pessoas.
Por atuar como um figura pública, Paula recebe muitos pedidos de ajuda, porém não detém os recursos necessários para ajudá-los. Ela tenta encaminhar ao máximo os pedidos para as suas conexões.