Evento discute como as leis protegem os direitos do paciente oncológico
Painel da 7ª edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncer abordou a regulamentação de leis para a saúde e como a interferência jurídica revela os problemas do sistema de saúde
Por: Mariana Lima
Apesar de ser um direito garantido pela Constituição Brasileira, o acesso à saúde e ao tratamento contra o câncer ainda apresenta diversos obstáculos para quem precisa.
Organizações e políticos ligados à causa promovem a criação de leis que visam garantir esses direitos. Contudo, apesar da aprovação no Congresso Nacional, a regulamentação destas leis pode demorar, atrasando o seu cumprimento.
Observando o cenário, a 7ª edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizado pelo Movimento TJCC, trouxe a discussão para um dos painéis realizados no 2º dia do evento, que ocorreu entre os dias 21 e 25 de setembro em uma plataforma virtual.
O painel ‘É Lei! Como funciona a regulamentação na Saúde’ reuniu especialistas do Direito e da Saúde para tratar dos aspectos de ambos os lados que movem a questão.
A discussão se pautou sobre três leis já aprovadas e que estão em vigor:
- A Lei dos 30 dias (Lei nº 13.896/2019), que estabelece um prazo de 30 dias para a realização dos exames em caso de suspeita de câncer;
- A Lei da Notificação Compulsória do Câncer (Lei nº 13.685/2018) que estabelece que toda doença relacionada ao câncer deverá ser notificada de forma obrigatória nos serviços públicos e privados de saúde;
- A Lei dos 60 dias (Lei nº 12.732), que determina esse prazo para o início do tratamento do paciente com câncer, que sofreu alterações com a Lei da Notificação Compulsória do Câncer.
Vale ressaltar que as leis se aplicam apenas quando há suspeita de uma neoplastia maligna, ou seja, o tumor maligno.
Para Maria Inez Gadelha, Chefe de Gabinete da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES), as normas técnicas das leis citadas apresentam problemas que dificultam sua execução, como, por exemplo, a dos 60 dias.
“A lei estipula o diagnóstico a partir da suspeita, mas sem determinar o que caracteriza essa suspeita. É a partir do laudo? Da coleta? Da realização do exame? Criou uma controvérsia para a portaria. Se uma lei não for bem estabelecida, ela cai em um limbo que passa a impressão de que não está se cuidando de forma efetiva”, argumenta.
Gadelha reforça que “as leis que vêm sendo registradas versam sobre ações que já são de obrigação e que não precisam de uma regulamentação para acontecer”.
Como exemplo, ela utiliza as leis dos 30 dias e dos 60 dias que não precisariam passar por uma regulamentação adicional do Ministério da Saúde por já estarem regulamentadas pela Lei nº 8080/1990, que estabelece “as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado”.
O aspecto jurídico da questão ficou sobre a responsabilidade de Tereza Gutierrez, especialista em Assuntos Regulatórios de Medicamentos na Faculdade Oswaldo Cruz e presidente da Comissão Especial de Direito Sanitário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo.
Gutierrez apontou que o processo democrático é difícil devido ao conflito entre a necessidade do cidadão e as ferramentas disponíveis.
“No caso do câncer, temos um paciente que busca o direito a um diagnóstico precoce contra um poder executivo com um orçamento cada vez menor na saúde. Essas forças sociais agem como uma pressão diária nos parlamentares para que consigam caminhar conforme os interesses destes atores sociais”.
Contudo, ela ressalta que a viabilidade de um caminho de diálogo nem sempre se concretiza, levando a uma demora no processo legislativo que impossibilita a aplicação efetiva das leis.
“Neste momento, a respeito de a gente ter uma dificuldade deste direito ser efetivado e validado, conseguimos ter alguns mecanismos que obriguem o Estado, municípios e a União a responderem pela obrigação de garantir esses direitos. No cenário ideal, não deveria ser necessário. Se a lei passou por todos os trâmites legais é porque existe uma necessidade”.
A efetivação das leis com base na realidade
Já o médico e ex-secretário de Estado da Saúde de São Paulo – entre janeiro de 2019 e agosto de 2020 – José Henrique Germann pontuou a importância de instituir leis que dialoguem com a realidade.
“A saúde não chegou às pontas. Você tem dificuldade para que uma lei seja executada pela falta de conhecimento da realidade. A lei é um mecanismo para se interferir na realidade. O sistema de saúde precisa ser estruturado com base nas necessidades da população. Não vai ter lei que resolva os problemas se o sistema não for bem constituído”.
Neste cenário, Germann reforçou o papel do gestor de saúde para que os obstáculos sejam superados e o serviço possa chegar à ponta que se destina. “A estrutura do sistema de saúde precisa se adaptar às necessidades da população. O gestor precisa garantir que a legislação faça o caminho até a ponta do serviço”.
Germann ainda apontou que, além dos problemas no próprio sistema de saúde, existem outros que podem afetar a continuidade dos tratamentos. “A própria condição financeira, por exemplo, é um obstáculo. O atendimento pode ser gratuito, mas as pessoas podem não ter o dinheiro para chegar até ele [locomoção]”.
O médico critica a tendência para a judicialização no Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, a interferência da justiça por meio de órgãos como as Defensorias Públicas para garantir os direitos dos pacientes.
“Essa judicialização, incluindo a necessidade de leis como as dos 30 dias e as regulamentações, só acabarão quando o SUS conseguir cumprir seu principal objetivo: ser um sistema unificado e universal de saúde. Precisamos atuar para que o SUS consiga suprir as necessidades dos pacientes sem interferência em sua estrutura”, defende.