Evento em SP discute sistema de justiça, ativismo e meio ambiente
Conferência Ethos 360° abordou a importância de promover desenvolvimento sustentável
Os debates ocorreram de forma simultânea em cinco palcos. | Foto: Mariana Lima
Por: Mariana Lima
Esta semana, o Pavilhão da Bienal no Parque Ibirapuera, em São Paulo, recebeu a 21ª edição da Conferência Ethos 360°, realizada anualmente desde 1999 pelo Instituto Ethos. O evento reúne especialistas com o objetivo de analisar e discutir desafios locais e globais do século XXI para o desenvolvimento sustentável.
O evento ocorreu nos dias 3 e 4 de setembro, reunindo 60 painéis distribuídos em 5 palcos de forma simultânea, com mais de 117 profissionais e especialistas.
A edição deste ano buscou criar pontes entre a economia brasileira e o desenvolvimento sustentável, abordando a necessidade de uma transição para modelos mais inclusivos e democráticos para combater as desigualdades estruturais.
Na abertura do evento, o presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos, Ricardo Young, relembrou o manifesto da 1ª Conferência Ethos e da última Conferência, de 2018. “Falamos em promover a resolução de todos os problemas nacionais permanentes para superar o colapso político, mas no último ano o que vimos foi uma piora deste cenário”.
A socióloga e professora da Unifesp Esther Solano também falou na abertura do evento sobre a importância de construir uma democracia pelo diálogo. “Uma sociedade democrática é construída pela escuta e pelo diálogo. A sociedade se agarra a saídas fáceis através de líderes, da alienação e em discursos movidos pelo ódio. Hoje, uma democracia radical é aquela que luta pela vida”.
Um debate sobre o sistema de justiça brasileiro
A mesa ‘Sistema de justiça em debate: integridade, transparência e fiscalização’ abordou questões ligadas à atuação do poder judiciário no contexto atual, com foco nos problemas de ampliar o acesso à informação e a transparência deste poder.
Os convidados da mesa chamaram a atenção para o momento atual da sociedade, em que se tem mais oportunidades para controlar o poder judiciário dentro do espaço democrático.
A advogada e ex-ministra do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon abordou a questão do reconhecimento do poder judiciário na sociedade.
“O poder judiciário avançou muito nos últimos dois anos. Ele passou a ser reconhecido pela sociedade através da Lava Jato, que atestou a eficácia do judiciário, mas deu margem para o surgimento de novos problemas”, disse. “O STF tem apresentado decisões que fogem dos princípios constitucionais. Não se pode decidir de acordo com o que o juiz pensa, mas sim de acordo com o que está na Constituição. O Supremo, hoje, não tem mais limite”.
Também participou da mesa o professor de Criminologia e Direito Penal da USP Maurício Dieter, que falou sobre a atuação da Operação Lava Jato. “Deve-se combater a corrupção dentro da lei, e a Lava Jato não fez isso. A ação deve ser correta nos meios e nos fins”.
O professor também falou sobre o encarceramento em massa no país, um crime contra a humanidade, segundo ele.
“Não há transparência no poder judiciário. O discurso político esconde e normaliza os desafios éticos e morais, tanto que a tortura continua a ser o principal método de investigação”.
Para o diretor da Escola de Direito Penal da USP Oscar Vilhena Vieira, “justiça se faz pelos meios, e a política se justifica pelos fins”.
Empresas sob a ótica do ativismo
A proposta da mesa ‘Racismo, ativismo e o pensamento crítico nas empresas e instituições’ era debater como essas questões que estão presentes na sociedade se refletem dentro das corporações.
O advogado e diretor de projetos do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT), Daniel Texeira, focou na autoexclusão das instituições dentro da lógica social.
“Temos que olhar para as instituições e considerá-las parte da sociedade. Tem que se falar do racismo e da desigualdade nestes ambientes. As discussões não podem acontecer só da porta para fora da empresa. Sem isso não haverá transformação”.
Ele ainda ressalta o discurso de muitas empresas que contratam pessoas negras mas não criam um debate, uma cultura interna de inclusão e diversidade.
“A população negra sempre está nos piores indicadores e a juventude é sempre a mais atingida. Se entendermos que vidas negras importam, até nas empresas o cenário irá mudar”.
Outro membro da mesa, o professor e coordenador de políticas de diversidade da FGV, Thiago Amparo, considera que as relações sociais são construídas por ideologias.
“No livro Americanah, da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, a personagem só se descobriu negra nos Estados Unidos, pois na Nigéria ela era só uma pessoa. A ideologia é um fantasma à volta da sociedade”.
A designer, artista plástica e ativista Neon Cunha considera que “não podemos mudar as empresas com as ferramentas da própria empresa. Tem-se que pensar no seguinte: de qual privilégio você vai abrir mão para que o outro avance? Como falamos de inclusão em um sistema de exclusão?”.
Trabalho infantil: um mal persistente
A Conferência Ethos 360° buscou abordar os mais diversos aspectos para a construção de uma sociedade baseada em princípios sustentáveis. O combate ao trabalho infantil é um dos compromissos da Agenda 2030, e ainda é um problema no Brasil.
Para a socióloga e secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti), Isa Oliveira, que participou da mesa sobre o tema, “seria fundamental uma lista suja do trabalho infantil. Assim, teríamos como alcançar um maior envolvimento por parte das empresas”.
Ela ressalta a importância de discutir o trabalho infantil dentro do contexto político em que o país se encontra. “Temos figuras políticas que se colocam a favor da flexibilização dos direitos de crianças e adolescentes estabelecidos pelo ECA, em prol de uma cadeia produtiva que mata. Crianças morrem ao serem expostas ao trabalho”.
Segundo a socióloga, entre os fatores que fortalecem a propagação do trabalho infantil estão a pobreza e a precarização da educação. “Pobreza não se refere apenas a baixa renda. Refere-se também à restrição e negação de direitos”.
O mediador do debate, o diretor-presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, trouxe a consideração de que “há digitais infantis em todos os produtos brasileiros exportados para o exterior”.
A advogada do Instituto Alana, Mayara Souza, ressaltou a importância do artigo n° 227 da Constituição Federal, que estabelece que a família, a escola e o Estado compartilham a responsabilidade pela manutenção dos direitos das crianças e dos adolescentes.
“A sociedade promove uma ausência de corresponsabilidade. É necessário que os setores atuem para proteger essas crianças, não as retirando da sociedade, mas envolvendo-as de forma saudável e adequada”.
A violência contra ativistas ambientais e o desmatamento
As questões ambientais também foram discutidas durante a Conferência Ethos 360°. Uma das mesas tinha como tema ‘A violência contra ativistas e o desmatamento: como inviabilizar este cenário no Brasil?’.
Para o advogado e assessor de desenvolvimento e direitos socioambientais da Conectas Diretos Humanos, Jefferson Nascimento, a violência contra ativistas ambientais tem crescido.
“Temos os decretos que querem flexibilizar a posse de armas de fogo, principalmente no meio rural. Esses são espaços em que ativistas e pessoas envolvidas na causa ambiental estão em maior evidência. Como garantir a segurança de pessoas que são vistas como problemas para figuras que querem o desmatamento?”.
Outro assunto abordado pelo advogado foi em relação às terras indígenas e a como os interesses nestas regiões elevam a violência contra ativistas.
“Os povos indígenas são os responsáveis pela preservação da natureza. A violência contra eles é uma grave violação ao meio ambiente, e os defensores também pagam o preço por tentar manter essa preservação”.
Nascimento também falou sobre a Lei Antiterrorismo. Para ele, existe um movimento para acabar com as salvaguardas que impedem que a Lei seja usada como uma forma de perseguição aos ativistas.
Ele ainda ressalta a questão do cenário que se apresenta em Altamira (PA), em que “há um massacre do modo de vida dos povos tradicionais. O desenvolvimento urbano nesta região é feito de forma a destruir tudo que era natural”.
O debate continuou com o professor e coordenador do Grupo de Estudos do Meio Ambiente e Sociedade do IEA-USP, Pedro Roberto Jacobi, que comentou sobre a função do ativismo.
“O ativismo se manifesta em diferentes situações, contribuindo para a construção de uma sociedade que respeite os direitos e o meio ambiente”.
Para ele, a sociedade escolheu líderes que se opõem à democracia e aos direitos. “Hoje se faz escolhas antidemocráticas dentro das democracias porque os receptores dos discursos destes líderes permitem”.
Pensando no contexto brasileiro, Jacobi se mostra surpreso com “um governante que defende aqueles que se nutrem do desmatamento. Chegamos ao ponto em que denunciar o desmatamento com dados científicos gera uma nova “caça às bruxas”.
Sobre o futuro, Jacobi traz a seguinte conclusão: “Os seres humanos podem desaparecer, mas o planeta vai continuar; ele já sobreviveu a várias coisas. Temos uma sociedade que está tentando curar os males que ela mesma causou, mas sem parar de causar destruição”.