Gripe espanhola foi ignorada no Brasil e infectou 1 em cada 3 em SP
O diretor brasileiro de saúde pública na época chegou a declarar que a gripe espanhola se tratava de ” só mais um resfriado”. Pandemia matou mais de 50 milhões de pessoas no mundo
Não é de hoje que o governo brasileiro ignora uma pandemia. Tratada inicialmente apenas como uma “gripezinha” pelo presidente Jair Bolsonaro, até agora o país não tem um plano para conter o avanço da Covid-19.
Há certa semelhança entre a situação atual e outra pandemia enfrentada pelo mundo, também ignorada no início pelo Brasil.
A gripe espanhola (Gripe de 1918) começou em janeiro de 1918 e durou até dezembro de 1920. Foi uma pandemia do vírus influenza que se espalhou por quase todo o mundo, causada por uma virulência incomum e frequentemente mortal de uma estirpe do vírus Influenza A do subtipo H1N1.
Estima-se que entre 50 e 100 milhões de pessoas tenham morrido entre 1918 e 1920. Acredita-se que a gripe espanhola tenha começado a se disseminar nos lotados campos de treinamento militar no front ocidental da 1ª Guerra Mundial.
O mundo passou por muitas pandemias desde então, pelo menos três de gripe, mas nenhuma pandemia foi tão mortífera ou tão abrangente por enquanto.
Fragilizados pelo vírus, os pulmões dos doentes também podiam sucumbir a infecções bacterianas, e há ainda relatos da época que falam em hemorragias no nariz, nos ouvidos e no sistema digestivo.
“São Paulo era uma das grandes cidades que coletavam dados sobre óbitos na época”, explicou Alexandre Chiavegatto Filho, da Faculdade de Saúde Pública da USP, em entrevista à Folha de S. Paulo. Na capital paulista, houve muitas mortes de adultos jovens, talvez pela forte presença de imigrantes de baixa renda, muitos deles vivendo em moradias precárias, sem condições de saneamento e pouco espaço.
Estima-se que nada menos que um terço da população paulistana (530 mil habitantes na época) tenha ficado doente, 1 em cada 3, o que resultou em cerca de 5 mil mortos. Proporcionalmente, Nova York, que tinha 5,6 milhões de habitantes e chegou a uma contagem oficial de 30 mil vítimas, foi afetada de modo menos severo.
Não há uma contabilização exata das vítimas no país, mas estima-se que 35 mil pessoas tenham sido mortas por conta daquela pandemia, 15 mil só no Rio de Janeiro, capital do país à época.
No início do século passado, os brasileiros não demonstraram preocupação imediata com a gripe espanhola. O nome foi por conta da imprensa daquele país, uma das poucas que tinha liberdade para relatar os fatos em meio à Primeira Guerra Mundial. Os jornais brasileiros, antes de o vírus chegar por aqui, ignoravam ou davam pouco espaço aos relatos. Depois, passaram a cobrar as autoridades por medidas consistentes na área da saúde pública. Quando o caos se instalou no país, o então presidente Venceslau Brás se tornou o primeiro alvo da imprensa. O diretor de saúde pública naquele ano, Carlos Seidl, foi chamado pelos jornais de “cretino”.
Em determinado momento, Seidl tentou atribuir aos doentes um “caráter de benignidade”, conforme descrito pelo microbiólogo Maulori Cabral e pelo virologista Hermann G. Schatzmayr, no livro ‘A Virologia no Estado do Rio de Janeiro’ (Fiocruz, 2ª edição, 2012). Depois, Seidl admitiu que a gripe poderia não ser controlada pelo Estado, o que gerou mais pânico e apreensão. “Tem um registro de que o Carlos Seidl foi a uma reunião na Academia Nacional de Medicina [instituição médica brasileira fundada em 1829], e ele disse que se tratava de apenas um tipo de influenza, só mais um resfriado”, explica Dilene.
Fonte: UOL