Médicos fazem vaquinha para compra de oxigênio em cidade indígena
Na cidade amazonense de São Gabriel da Cachoeira, onde 76% da população é indígena, o estoque de cilindros de oxigênio esgotou pelo número de casos de Covid-19, e funcionários e médicos do único hospital da cidade tiveram de improvisar para impedir uma tragédia
Em São Gabriel da Cachoeira, no interior do Amazonas, a pandemia de Covid-19 tem gerado um verdadeiro caos.
Na cidade, profissionais da saúde infectados pelo novo coronavírus circulam pelas aldeias, médicos precisam fazer vaquinha para comprar oxigênio para pacientes intubados e comunidades inteiras apresentam sintomas de Covid-19.
A cidade é a mais indígena do Brasil. 76% de sua população é indígena, segundo o último Censo do IBGE, de 2010.
São Gabriel da Cachoeira não é a única cidade do Amazonas duramente afetada pelo novo coronavírus. O estado concentra 13 das 20 cidades brasileiras com a maior proporção de moradores infectados.
A explosão de casos em São Gabriel da Cachoeira lotou o único hospital da cidade, gerido pelo Exército.
Há na unidade 15 respiradores mecânicos e todos estão ocupados atualmente. A cidade não tem Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e pacientes intubados são transferidos de avião assim que surgem vagas em Manaus.
O funcionamento dos respiradores também depende de cilindros de oxigênio vindos da capital, pois a usina de oxigênio da cidade está quebrada e só consegue abastecer dois aparelhos.
Em 9 de maio, o estoque de cilindros se esgotou, e funcionários do hospital tiveram de improvisar para impedir uma tragédia. Segundo os profissionais entrevistados pela BBC, foi feita uma vaquinha para comprar cilindros de oxigênio industrial em oficinas da cidade.
Sem qualquer caso de Covid-19 até 26 de abril, São Gabriel da Cachoeira já é a 15ª da lista, com 999 registros por 100 mil habitantes. Desde então, morreram, ali, ao menos 15 pessoas de Covid-19.
Líderes comunitários afirmam que o número de mortes é provavelmente maior, pois nem todos os doentes que apresentaram sintomas foram examinados antes do óbito. Foi o caso, por exemplo, do artista plástico Feliciano Lana, de 83 anos, que morreu na comunidade São Francisco em 12 de maio.
O avanço da doença pelo município, localizado na fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela, expõe ainda a chegada da epidemia e o espalhamento do vírus entre comunidades indígenas.
Indígenas são considerados especialmente vulneráveis à Covid-19 por conta de hábitos que tendem a facilitar os contágios, como o compartilhamento de objetos, e da frágil assistência médica em seus territórios. Mesmo antes da epidemia, doenças respiratórias já eram a principal causa de morte entre os grupos.
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), 110 indígenas já morreram de Covid-19 no país, e houve casos registrados em 53 etnias.
Fonte: BBC News Brasil