Cinco tendências da captação de recursos para 2023
Por Edmond Sakai
Há dois meses, escrevi um artigo sobre “A relevância de instituições sociais pensarem em mensurar seus dados (KPIs) e implementar ações de impacto”. Em poucas palavras, a mensuração dos KPIs e a consequente entrega de impactos sociais devidamente comprovados são fundamentais para que as organizações da sociedade civil mostrem sua relevância em nosso País. Quanto mais impactos, mais credibilidade tais ONGs têm para solicitar mais investimentos (doações) das empresas, fundações e dos indivíduos. Como corolário, sua captação de recursos – um dos três pilares da administração de uma empresa do Terceiro Setor – consegue alcançar ou superar as metas anuais.
Dentro deste contexto, li um artigo curto sobre as cinco tendências da captação de recursos para este ano. A autora, Rasheeda Childress, editora sênior da Chronicle of Philanthropy destacou cinco cenários nos EUA, mas que – em minha opinião – servem para o Brasil também: recursos humanos, situação econômica, diversidade na arrecadação de recursos, polarização e relacionamento com doadores de diversas origens.
Recursos humanos
Sabe-se que quando há crise financeira, há grande demanda de profissionais da captação de recursos. De fato, as ONGs, como qualquer empresa de outro Setor da economia, precisam de receitas para continuarem a cumprir com a missão, seja na conservação ambiental, na melhoria de políticas educacionais ou culturais, na defesa dos direitos dos animais, seja na proteção dos direitos humanos.
Com a crise financeira acarretada pela COVID-19, isto não foi diferente. Houve uma demanda acentuada por profissionais e as ONGs tiveram desafios em contratar ou reter suas equipes de captação de recursos. Qual era a dificuldade? A competição entre as ONGs em poder oferecer os melhores salários.
De um lado, os melhores profissionais ganharam com isto. Por outro, houve uma grande pressão por metas de arrecadação irrealistas exigidas pelo Conselho Diretor ou pela executiva da organização, segundo pesquisa feita pela Chronicle of Philanthropy nos EUA.
Em 2023, segundo a autora, as ONGs têm que prestar atenção para este problema. Para isto, devem criar um ambiente de trabalho mais positivo para esta classe específica de profissionais.
Em minha avaliação, assim como as empresas lidam com suas equipes comerciais, as ONGs deveriam explorar mais os bônus financeiros por metas realistas alcançadas, manter a flexibilidade (home office), promover o bem-estar (equilíbrio da jornada de trabalho) e oferecer cursos de aprimoramento profissional para suas equipes de captação.
Situação econômica
Inflação crescente, demissões nas empresas de tecnologia e previsões de recessão sugerem que as preocupações com a economia aumentarão este ano.
Nesta conjuntura, segundo Childress, profissionais da captação precisarão estar preparados. Em minha experiência, devem estar ainda mais em alerta se comparado com os momentos mais agudos da pandemia em 2021 quando houve uma bonança de doações no Brasil (R$7B). Com efeito, em 2022, segundo o Monitor das Doações da ABCR – Associação Brasileira de Captadores de Recursos, doações foram somente de R$1.3B. Isto posto, sinal amarelo está aceso.
O que fazer então? Entendo que as ONGs devem copiar as empresas e precisam também investir na inteligência artificial ao captar recursos usando ferramentas como machine learning, big data, business intelligence, data analytics e blockchain. Afinal, se você quer captar, você precisa investir. Mas este é um assunto para um outro artigo.
Diversidade na arrecadação de recursos
Neste tema, Childress foca na diversidade e inclusão dentro das ONGs. Em outras palavras, embora as organizações da sociedade civil pensem em como lidar com este assunto – em termos de funcionários, lideranças e das pessoas atendidas – o progresso é lento. Por exemplo, ainda falta diversidade nos organogramas da captação de recursos das grandes instituições.
Assim, a autora sugere que as ONGs comecem a se diversificar a partir do recrutamento de voluntários e de doadores.
Eu iria além: a diversidade é necessária em toda estrutura da ONG. Das equipes de liderança, técnica até do Conselho Diretor.
Polarização
Childress, assim como eu ao ver o Brasil, preocupa-se com a profunda divisão política no País. Ela frisa que esta polarização afeta como doadoras – importante destacar que segundo o relatório 2020 do Global Trends in Giving, na América Latina e Caribe, 78% das doações são feitas por mulheres nascidas entre 1981 e 1997 – veem as ONGs. Por exemplo, em alguns casos, há doadoras que exigem que as organizações mudem de posicionamento (ou simplesmente se manifestem) dependendo das questões políticas tais como liberação do aborto, uso medicinal da maconha e diminuição da maioridade penal. E tais doadoras chegam até a doar mais se tais “problemas políticos” as deixem aflitas.
A autora, desta forma, recomenda que as equipes de captação se preparem com antecedência para conversas desafiadoras com doadoras sobre assuntos politicamente polarizados.
Para evitar situações delicadas com estas doadoras, principalmente se são do grupo de High-net Worth Individuals, eu preparo (e peço feedback para equipe) um tipo de due diligence para a reunião contendo objetivos, resultados esperados, possíveis pontos de discussão/conflitos, posicionamento da ONG, background político e social da doadora e uma biografia dela. E peço a equipe que estará no encontro para decorar a lição de casa.
Relacionamento com doadores de diversas origens
A lista – o tal do donor pipeline – de apoiadores das organizações da sociedade civil é dinâmica. Como já dito, encontramos mais mulheres doadoras. Além disso, mais doações de negros e dos mais jovens. De acordo com aquele relatório 2020 do Global Trends in Giving, na América Latina e Caribe, 41% das pessoas consideram as mídias sociais como ferramentas de comunicação que as inspiram a doar.
Logo a autora lembra que as equipes de captação precisam se comunicar cada vez melhor com as doadoras de várias origens e necessitam cortejá-las para mantê-las no ciclo de doações o que será crucial para as finanças das ONGs neste ano.
Eu adicionaria que o storytelling – aquela boa estória que possui um personagem, um obstáculo, o momento “a-há!” e a transformação – é a ferramenta indispensável para tal comunicação.
Em sua, considerando tudo que foi exposto, vejo um ano com muitos desafios, mas como sempre com muitas oportunidades. Isto porque o mundo das ONGs em nosso País continua a crescer, se organizar melhor e se profissionalizar cada vez mais.
Feliz 2023!
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Sobre o autor: Edmond Sakai é diretor regional da Sede Mundial da ONG internacional médica Operation Smile. É advogado e professor universitário. É mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo e mestre em Administração de ONGs pela Washington University in St. Louis, EUA. Foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de São Paulo.