Com tantas denúncias envolvendo OSCs, profissionalização e transparência têm de ser prioridade
Por Edmond Sakai
As Organizações da Sociedade Civil (OSCs) possuem um papel fundamental de complementar ações do Estado, que cada vez mais não consegue atender à demanda por assistência, num cenário de necessidade de contenção dos gastos públicos, atuando em parceria tanto com o setor público quanto com o privado. Sempre digo que empresas, governos e ONGs fazem parte de uma tríade para a boa governança de um País.
Mas, toda moeda tem dois lados. As OSCs cresceram muito no Brasil nas últimas décadas, e junto, cresceram suspeitas e denúncias de corrupção e desvio de verbas justamente nesse período de pandemia, quando há mais parcerias entre as organizações e o poder público.
Temos assistido, com frequência, diversos casos de corrupção envolvendo Organizações Sociais que receberam verbas públicas no contexto do combate à COVID-19 e isso é péssimo, já que há alguns anos cresce um discurso de demonização das OSCs entre determinados setores da sociedade, impulsionado por teorias da conspiração e fake news que ligam as organizações a supostos interesses nefastos.
Infelizmente, há uma disseminação totalmente equivocada sobre o que são as OSCs e o papel que elas exercem.
Nós, que atuamos nas OSCs, devemos estar alertas e denunciar as notícias e acusações falsas, mas precisamos ir além, e divulgar o que fazemos, a importância de nosso trabalho e, muito importante: ter como prioridade a transparência na prestação de contas dos recursos que recebemos e o cuidado para que esses recursos exerçam o maior impacto possível na vida das pessoas que precisam dessa assistência.
As ONGs podem aprender com as empresas do setor privado para profissionalizar a sua Gestão de Pessoas, mas vou além, e acho que as Organizações Sociais devem emular as melhores práticas do setor privado em todos os níveis de gestão, em especial na transparência e metas.
A profissionalização da gestão das organizações deve ser uma prioridade absoluta neste momento, que vai impactar na credibilidade e apoio às ações das OSCs e no impacto positivo que elas causam na sociedade.
Perfil das OSCs ainda mostra pouca profissionalização
A pesquisa sobre o Perfil das Organizações da Sociedade Civil no Brasil, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2018, com dados colhidos em 2016, traz a radiografia mais completa sobre o Terceiro Setor e, embora os dados já estejam desatualizados, ajuda a compreender o patamar atual de profissionalização das entidades brasileiras.
Resumindo, o panorama ainda é de predominância de organizações pequenas e com baixo nível de formalização e profissionalização, mas com evolução nos últimos anos.
Em 2016, havia 820 mil OSCs com CNPJs ativos no Brasil. Isso não significa que todas estejam de fato ativas, mas este é um número significativamente superior ao de OSCs inseridas na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 2015, que contabiliza as organizações com vínculo de emprego formal, que eram 446 mil naquele ano. Ou seja, o nível de informalidade empregatícia das OSCs brasileiras ainda é muito alto.
A grande maioria das organizações é de pequeno porte, e o trabalho de voluntários ainda é predominante nesse tipo de entidades, mas ainda assim, segundo a pesquisa, em 2015 havia quase 3 milhões de pessoas com vínculos de emprego em OSCs, o que equivalia a 3% da população ocupada e 9% do total de pessoas empregadas no setor privado com carteira assinada. Ou seja, as OSCs têm importância não apenas pelo impacto de suas atividades-fim, mas também como empregadores de um contingente cada vez maior de profissionais.
Tenho inclusive percebido uma tendência de profissionais já com uma trajetória consolidada no setor privado buscando recolocação no Terceiro Setor, levados por uma vontade de fazer o bem com seu trabalho para aliviar os imensos problemas sociais e ambientais que enfrentamos.
Isto é um ótimo sinal, pois as entidades precisam de profissionais qualificados para aumentar seu impacto, e os profissionais buscam cada vez mais um propósito para seu trabalho, maior que apenas o salário no fim do mês. Esses dois movimentos se retroalimentam, gerando um círculo virtuoso.
Destinação de recursos federais para OSCs apresenta queda
As OSCs que possuem maior porte e empregam mais pessoas são as dos setores de Saúde e Educação, e imagino que isso deve ter se intensificado desde 2016.
Um dado que chama a atenção, principalmente quando vemos tantas denúncias de corrupção em parcerias do poder público com OSCs, é que a destinação de recursos federais para OSCs vem caindo consistentemente. Entre 2010 e 2015, o número de OSCs que receberam auxílio federal caiu de 13 mil para 7 mil.
O aumento de recursos destinados pelos governos estaduais e municipais suavizou esse impacto, mas certamente a queda na destinação de recursos federais deve ter se intensificado nos últimos quatro anos, o que é muito preocupante.
Os recursos também se concentraram nas organizações de maior porte, principalmente da área da saúde, e as mais impactadas foram as que atuam no desenvolvimento e defesa de direitos e interesses.
É importante ressaltar que não há uma relação direta entre a falta de profissionalização das organizações e a corrupção e desvio de recursos. As OSCs que vemos envolvidas nos escândalos recentes, aliás, são geralmente de maior porte.
Também não podemos afirmar que as OSCs menores são necessariamente menos profissionais, conheço ótimos exemplos do contrário. Mas, o que podemos afirmar é que a profissionalização da gestão das organizações sociais deve ser uma prioridade, junto com o aumento da transparência e da comunicação e gestão de resultados.
Como tenho abordado em meus artigos, a pandemia intensificou a busca de empresas do setor privado, de todos os portes, por parcerias com OSCs para intensificar suas ações de responsabilidade socioambiental, impulsionado por uma cobrança cada vez maior dos consumidores.
Tenho muita esperança de que essa aproximação também sirva para que as organizações sociais adotem políticas e estratégias de gestão mais profissionais, como os utilizados pelas empresas, e assim aumentem seu impacto na sociedade e melhorem sua imagem também entre quem ainda vê as OSCs com desconfiança.
Infelizmente, sempre haverá atores maliciosos que espalham desinformação e distorções sobre nossa atuação, mas cabe a nós mostrar o que fazemos e termos cuidado e zelo com nossos recursos, atraindo profissionais mais capacitados e mostrando a importância de nosso trabalho.
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Sobre o autor:
Edmond Sakai é diretor de RI, Mkt&Com da ONG humanitária internacional Aldeias Infantis SOS Brasil. É advogado, foi professor de Direito Internacional na UNESP, professor de Gestão do Terceiro Setor na FGV-SP e Representante da Junior Chamber International na ONU. Recebeu Voto de Júbilo da Câmara Municipal de SP.
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