Cotas raciais e o acesso ao ensino superior
Por Mirian Mazzardo
A abolição da escravidão, no Brasil, ocorreu em 1888. Mas isso não garantiu às pessoas negras a liberdade plena da participação social, política e as condições mínimas para a sobrevivência.
Os negros foram alforriados sem nenhuma estrutura de inclusão, o que desencadeou a falta de oportunidade para a integração e inclusão, dificultando os acessos a espaços que, até então, eram exclusivos para pessoas brancas.
Quando debatemos educação, muitos “subtópicos” permeiam essa discussão, principalmente a acessibilidade, as oportunidades e os entraves diante dos estudos.
Considerando o contexto que reflete até hoje nas discussões sobre raça, esse texto tem o objetivo de discorrer sobre a importância das cotas raciais para acessar o ensino superior, principalmente pelo fato de que nossa sociedade mantém e fomenta uma cultura preconceituosa, discriminatória e estruturalmente racista.
Mais que uma forma de acesso, as cotas servem, de maneira geral, para a inclusão das minorias em espaços que, historicamente, foram ocupados por pessoas brancas e de famílias abastadas.
Atualmente, existem as cotas raciais, destinadas a pretos, pardos e indígenas, as cotas sociais, destinadas aos estudantes de escolas públicas e com determinada renda per capita, e as cotas para pessoas com deficiência, em algumas instituições de ensino superior, principalmente por meio do ProUni.
No ano de 2012, foi sancionada a lei que garante a reserva de 50% das vagas totais das instituições, por curso e turno, nas universidades federais e nos institutos de educação, para pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas, e/ou com renda per capita de 1,5 salário.
Na literatura sobre o tema, é possível notar que a importância das cotas raciais ainda não é 100% compreendida e isso acontece por diversos fatores, como negar a existência do racismo estrutural – que dificulta e/ou proíbe o acesso da pessoa negra em determinados locais, falta de conhecimento sobre o tema e por considerar que o sistema de cotas alimenta o racismo e deixa o processo seletivo menos “rigoroso” para ingressar em determinados ambientes educacionais.
Rita Laura Segato nos traz um apontamento importante para pensarmos as políticas de cotas raciais e o quanto esse assunto deve avançar na sociedade brasileira:
Em primeiro lugar, a falta de informação. Não há, no Brasil, uma prática de discussão ampla e assídua ao público sobre igualdade de acesso a direitos e recursos em geral e em particular sobre racismo.
Isso faz com que a maioria das pessoas, incluindo o público universitário e mesmo muitos profissionais de Direito, não se encontrem suficientemente informada sobre a evolução e o estado deste já longo debate sobre as ações afirmativas na cena internacional. Nem mesmo o vocabulário internacionalmente aceito sobre o tema é devidamente utilizado pelo público.
(SEGATO. Rita Laura, Cotas: Por que reagimos. Revista USP, São Paulo, p. 77).
Muitas vezes a não aceitação das cotas raciais pode ser explicada por um fator impregnado na sociedade brasileira: o racismo (mais frequentemente, o “racismo à brasileira”, termo usado para falar sobre o preconceito velado, que muitas vezes passa despercebido por parte das pessoas, já que não acontece de forma direta e explícita). Essa falta de informação faz com que, involuntariamente ou não, excluamos pessoas pela cor da pele.
Pensando a sociedade brasileira, hoje, por mais que alguns direitos tenham sido conquistados depois de muita luta, ainda existe pouca representatividade, seja na mídia, nas universidade e em outros espaços tidos como locais de “privilégio”.
Essa não representatividade, principalmente em postos considerados mais privilegiados da sociedade, torna o percurso ainda mais difícil para pessoas negras, por não terem uma referência concreta.
Ainda existe a ideia de que vivemos em uma democracia racial, que afirma que as relações raciais no Brasil são harmônicas, sendo que a prática se mostra completamente diferente. A democracia racial é um mito.
Por mais que o Brasil não tenha aderido explicitamente à segregação racial, o racismo está presente no nosso dia a dia, está intrínseco na estrutura social do Brasil, que foi alicerçada em trabalho escravo, exploração e desigualdade social.
O preconceito velado é a forma mais eficaz de discriminação, pois ele silencia o oprimido e faz com que o opressor passe de agressor a “mal interpretado” em diversos contextos.
Por que é importante defender as cotas raciais? Num contexto biológico, sabemos que pessoas negras e brancas geralmente são dotadas das mesmas capacidades intelectuais e cognitivas, mas, a forma que fomos socializados acaba sendo predominante nos direcionamentos que seguimos.
A população negra, em sua maioria, não possui o mesmo “ponto de partida” que a população branca e os indicadores sociais são a prova disso.
A maior parte dos jovens universitários são brancos, por mais que tenham acontecido avanços – principalmente depois das políticas de cotas raciais – ainda é um cenário bem distante da igualdade racial.
As pessoas brancas ainda recebem mais que as pessoas negras/pardas pelo mesmo trabalho executado. No Brasil, as pessoas negras são as vítimas em 75% dos casos de morte em ações policiais, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado, além de outros indicadores que reforçam ainda mais a diferença e a desigualdade entre brancos e negros/pardos.
Além de pensarmos as políticas de cotas raciais, precisamos pensar a permanência e o percurso que negros e pardos têm durante sua vida, geralmente, sendo considerados como refugo humano.
Analisando o cenário nacional, fica nítida a importância das políticas afirmativas de cotas. Obviamente que o intuito é que as cotas não sejam perenes, mas, enquanto o Estado for o propulsor das exclusões e desigualdades, deve ser dever dele reparar as assimetrias existentes e erradicar as desigualdades.
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