Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 75 anos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948, em Paris, na França, e reuniu, pela primeira vez na história, os direitos humanos em um único documento, com trinta artigos traduzidos em mais de 500 idiomas e incorporados às leis constitucionais, tratados e convenções de 193 países.  Rompendo fronteiras, a Declaração firmou um paradigma mundial de conduta em torno de valores básicos universais, com a possibilidade de intervenção da comunidade internacional na jurisdição doméstica dos estados para salvaguardar seus preceitos.

Eram tempos dramáticos, de tentar processar e reparar os efeitos devastadores da Segunda Guerra Mundial. Buscar uma concordância sobre a essência do texto dos direitos humanos –  que serviria de “ roteiro” para a Carta das Nações Unidas, marco da organização, criada em 1945 –  foi uma tarefa fundamental, em um mundo dividido entre blocos oriental e ocidental. Após dois anos de debates e análises, os direitos e liberdades foram sintetizados em sete categorias: direitos pessoais, judiciais, econômicos, políticos, sociais, culturais; direitos de subsistência e liberdades civis. Membros de mais de cinquenta países participaram da redação do documento e a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas captou a atenção mundial sob a presidência dinâmica de Eleanor Roosevelt, viúva do presidente Franklin Roosevelt e delegada dos Estados Unidos nas Nações Unidas. Em suas memórias, Roosevelt – cuja biografia de valentia, ativismo e liderança política passou à história  – destacara que “havia no Grande Salão uma atmosfera de solidariedade e irmandade genuínas entre homens e mulheres de todas as latitudes que não voltei a ver em nenhum cenário internacional”. 

Em seu preâmbulo, a Declaração considera que “o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade”. E proclama, “como a mais alta inspiração do ser humano comum, o advento de um mundo em que todos gozem da liberdade de palavra, de crença, e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade.” No artigo 1.º, estabelece que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.”

Um dos primeiros registros sobre os direitos do homem teria sido o Cilindro de Ciro. Em uma peça de barro, Ciro, rei da antiga Pérsia, fez inscrever, em 539 a.C, após a conquista da Babilônia, decretos que libertavam povos exilados e autorizavam santuários de diferentes credos em cidades sagradas. A ideia teria se espalhado pela Grécia, Índia e, em Roma, inspirado o conceito de “lei natural”. Ao longo da história, outros documentos, considerados precursores da Declaração Universal, reafirmaram os direitos individuais – a Carta Magna e a Petição de Direito (Inglaterra, 1215 e  1628), a Constituição dos Estados Unidos (1787), a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos (1791), a Convenção de Genebra (1864).

Durante a campanha de aniversário da Declaração Universal, o alto-comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou que  “o fato de ter resistido ao teste do tempo é prova da duradoura universalidade de seus valores”. Ele reconheceu, no entanto, que “sua promessa precisa ser cumprida”. Em setenta anos de existência, a Declaração Universal incluiu pautas que não tinham ênfase no passado ou sequer existiam, fruto de novas ameaças e configurações que o planeta adquiriu. Questões de gênero, de saúde, de segurança, de privacidade, ambientais, migratórias, culturais, entre inúmeras outras, entraram no espectro de atuação das organizações que lutam por direitos humanos. Apesar dos esforços, o mundo não eliminou seus problemas; a sociedade não conseguiu universalizar direitos fundamentais, o que contribuiu para aprofundar o desgaste do conceito de direitos humanos.

No Brasil, há lacunas de compromisso. Durante o Fórum Mundial da Água, em Brasília, em março de 2018, o relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, o brasileiro Leo Heller, destacou que 50% da população no Brasil ainda não têm acesso a redes de esgoto. Em 2017, a ONU fez 246 recomendações ao país por não cumprir promessas assumidas, como diminuição do número de homicídios de jovens negros e de homicídios praticados pela polícia; redução da população prisional e dos conflitos no campo com mortes; demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas.

Há ainda no país um grande desconhecimento sobre o tema. Pergunte a uma diarista, com apenas a primeira série do ensino básico concluída, o que são direitos humanos e a resposta, em qualquer parte do mapa, será parecida. “Olha, eu vejo falar, mas não entendo o que é”. Outro desafio é a visão – disseminada nas classes média e alta – “negativa” dos direitos humanos, relacionados ao aumento da violência e da impunidade; identificados com uma “cartilha partidária”, e não com valores universais. Uma abordagem desinformadora e deseducativa que se estende nas redes sociais e em programas de tv sensacionalistas, na grande mídia. Há também a parcela da população brasileira que não se reconhece nos direitos universais e considera seus direitos particulares como mérito e conquista pessoal. Todas estas questões hoje são estudadas e debatidas por especialistas no tema, no Brasil e no mundo, e reforçam a necessidade de políticas públicas que promovam mudanças culturais na percepção dos direitos humanos.

Em 1939, Eleanor Roosevelt, então primeira-dama dos Estados Unidos, apoiou publicamente a contralto negra Marian Anderson, proibida pela organização Filhas da Revolução Americana de cantar na Constitution Hall, em Washington. Roosevelt encarregou–se de organizar um concerto para Anderson ao ar livre, nos degraus do Lincoln Memorial, que atraiu 75 mil pessoas em protesto. “Onde, afinal, começam os direitos humanos universais?”, perguntou-se Roosevelt. “Em pequenos lugares, perto de casa, tão próximos e tão pequenos que não podem ser vistos em nenhum mapa do mundo. Ainda assim, são o mundo de cada indivíduo, a vizinhança onde vive, a escola ou faculdade que frequenta, a fábrica, fazenda ou escritório onde trabalha (…) A menos que estes direitos tenham sentido nestes ambientes, eles têm pouco significado em qualquer outro lugar.”  A despeito das conquistas, há um longo caminho a percorrer para que a Declaração Universal dos Direitos Humanos não seja apenas uma lição de história.

Declaração Universal dos Direitos Humanos