Quando a pobreza se manifesta na boca: Dentistas voluntários atuam com pessoas em vulnerabilidade social
A organização Turma do Bem nasceu com um grupo de amigos e hoje possui 18 mil dentistas voluntários que oferecem tratamentos gratuitos a jovens em vulnerabilidade social e mulheres vítimas de violência
Por Juliana Lima
“Quando um jovem não tem dente, ele não vai conseguir um emprego, não vai beijar, ter vida amorosa, ter vida social. Quando uma menina não tem dente, ela não passa batom. Não tem autoestima”. É assim que o cirurgião-dentista Fabio Bibancos explica a importância da ação social que faz na organização do terceiro setor que ele fundou em 1995 para oferecer atendimentos odontológicos a pessoas em vulnerabilidade social, a Turma do Bem.
O dentista, que hoje é presidente voluntário da organização, conta que tudo começou com uma vontade pessoal de ação política para além do voto. Junto com amigos de profissão, Bibancos formou um grupo de 15 dentistas voluntários que passaram a atender gratuitamente, em seus próprios consultórios, pessoas e jovens em vulnerabilidade social. A ideia foi se espalhando e passou a conquistar mais pessoas, e hoje conta com cerca de 18 mil voluntários, sendo 14 mil no Brasil e o restante na América Latina e em Portugal.
Dentistas do Bem
O principal programa da organização, o Dentistas do Bem, atende jovens em vulnerabilidade social que tenham entre 11 e 17 anos e estejam frequentando o ensino público. As triagens ocorrem nas escolas ou em organizações do terceiro setor que trabalham com assistência social para esses jovens; a seleção é feita com base na gravidade de cada caso, dando preferência aos casos mais graves de jovens de renda mais baixa ou que estejam próximos do primeiro emprego.
A Turma do Bem seleciona os jovens e os coloca em contato com algum dentista voluntário que esteja em um raio de até 10 quilômetros de distância. Depois, acompanha o tratamento até o término. Hoje, a organização conta com voluntários em 1.303 municípios brasileiros e já atendeu cerca de 81 mil jovens. “O que a gente faz é reintegrar esse jovem ao convívio social. O que ele ganha como upgrade é a saúde”, diz Bibancos.
O presidente da organização conta também que o pós-pandemia é um desafio. Com o represamento dos atendimentos devido às medidas de isolamento social, a demanda hoje está ainda mais alta. Só na última triagem feita pela Turma do Bem em São Paulo, foram mais de 2 mil crianças e jovens solicitando atendimento. Além disso, Bibancos ressalta que o aumento da pobreza na população brasileira está diretamente ligado às necessidades na saúde odontológica.
“As pessoas estão mais pobres. Elas não vão comprar escova de dente, pasta e fio dental; elas vão comprar comida, pagar o aluguel. Não tem [esses itens] na cesta básica. Não tem onde pegar de graça. Não há política pública”, afirma Bibancos.
Apolônias do Bem
Outro programa já consolidado da organização é o Apolônias do Bem, que é voltado para mulheres vítimas de violência. O nome é uma referência à Apolônia, uma mulher que viveu e morreu em Alexandria no ano 249 d.C., após ser presa, espancada e ter seus dentes quebrados e arrancados durante um levante contra o cristianismo. Na Turma do Bem, são aceitas mulheres cis e transgênero que tenham tido os dentes prejudicados pela violência.
Elas são selecionadas também pela gravidade de seus casos e pela vulnerabilidade social em que se encontram, tendo preferências as mulheres chefes de família ou as que retomaram os estudos ou fazem cursos de capacitação profissional. A triagem ocorre em casas de apoio ou em Tribunais de Justiça por meio da parceria com juízas, que encaminham as vítimas para a organização.
A ideia é a mesma: promover a dignidade e restaurar a autoestima das mulheres. No entanto, como muitos dos casos são mais sérios e envolvem tratamentos mais específicos, a Turma do Bem conta com um número reduzido de dentistas voluntários que sejam especialistas na área. O cuidado, segundo Bibancos, é para que elas sejam atendidas da melhor forma possível; sendo que o programa já chegou a cerca de 2 mil mulheres.