A aceleração da vida no século XXI

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Imagem: Adobe Stock

Por Rodrigo Martins Leite

Provavelmente você está notando que os dias andam mais curtos. Quando nos damos conta já chegou o fim de semana, nos distraímos um pouco e já virou o mês, o ano, a década. Os anos idílicos da infância e adolescência seguiam em marcha lenta até o momento em que “finalmente chegamos aos 18 anos”, especialmente para pessoas da geração X. Podemos lembrar quanta vida cabia em apenas 24 horas.

Entretanto, nós crescemos. Muitos não percebem que o tempo passou. Seguem com cabeça de adolescentes, ávidos por novidades e emoções. Outros, envelheceram cedo demais. Chegou a idade adulta e para alguns, a meia-idade. A conquista de uma profissão, família e um lugar na sociedade pode ter chegado. Se isso aconteceu com você, olhe para trás e poderá perceber que, de alguma forma, tudo passou depressa demais. Segue aqui alguns trechos da letra de “Time” do disco “Dark side of the moon”, do Pink Floyd: “E você corre e corre para se encontrar com o sol mas ele se esconde e se apressa para chegar atrás de você… E então, um dia você vai notar que dez anos se passaram, ninguém te disse quando correr e você perdeu o tiro de largada.”

Descontando que a finitude e a impermanência da vida são temas atemporais e universais, o que estaria alterando nossa percepção e vivência do tempo nos dias de hoje?

Os astrofísicos nos alertam que o dia 29 de junho de 2022 foi o mais curto desde que os relógios atômicos foram criados na década de 1960. O planeta Terra girou em torno do seu próprio eixo 1,59 milissegundos a menos que as 24 horas. O impacto disso na vida cotidiana? Nulo. São variações periódicas e com idas e vindas. A culpa não é dos astros.

No entanto, observemos as consequências da revolução tecnológica, especialmente nesta década de 2020: Desperdiçamos uma quantidade enorme de horas do dia, buscando algo incessantemente em nossos smartphones e notebooks. Esse “algo” é entendido por alguns como uma microdose de dopamina – neurotransmissor cerebral relacionado ao prazer e à motivação, entre outras funções. É como se devêssemos ficar alertas, aguardando a chegada de uma mensagem, novidade ou recompensa que “fará toda a diferença” ou no mínimo, afastará o tédio de lidarmos com o tempo.

Desta forma, quando somos obrigados a nos dedicar a alguma tarefa que exija perseverança e foco, nos chega a notícia de que o mundo vive uma epidemia de diagnósticos de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Quando há uma inundação sensorial, se torna extremamente árduo separar o irrelevante do importante. O número de acidentes também aumentou. Até motociclistas checam mensagens enquanto pilotam. Ler livros, assistir filmes, peças de teatro… Tudo que caminhe na contramão do imediatismo se torna mais contraintuitivo e “chato”.

A pandemia borrou definitivamente os limites entre o espaço doméstico e a vida profissional e as empresas simplesmente adoraram. O pudor de exigir tarefas para além de 40 horas semanais ou aos fins de semanas simplesmente foi extinto. “Vestir a camisa da empresa” implica em sacrificar horas de lazer e ócio, essenciais para refrigerar os neurônios. Fora a ilusão do empreendedorismo que vende prosperidade por 13 a 15 horas de trabalho num carro da Uber. Em tempo: A plataforma lucrou 1,43 bilhões de dólares no Brasil em 2023.

Alguma voz interna neste momento se agiganta dentro dos leitores: “Mas preciso pagar os boletos!”. Exatamente! O poder de compra dos salários só decresce no mundo todo. Por aqui, caiu 5% na última década. No pós-pandemia, cristalizou-se a tônica de trabalhar mais para ganhar menos. Alguns defensores da educação financeira pregam que as elevadas taxas de inadimplência no país – 72, 89 milhões de brasileiros segundo dados do SERASA – seriam combatidas por uma racionalização de gastos domésticos e por uma melhor compreensão da espiral diabólica dos juros utilizados pelo sistema financeiro. Isto é parcialmente verdade mas não suficiente. A renda dos mais ricos cresce de duas a três vezes acima da renda dos outros 95% brasileiros num recorde histórico. Entre os 15 mil milionários, o crescimento da renda foi de 96% versus 33% da maioria da população adulta.

Isso gera repercussões no nosso relógio: você precisa se esforçar arduamente para manter um determinado padrão de vida. E correr contra o tempo do capital financeiro que vai gentrificando os bairros de São Paulo ou cancelando planos de saúde, por exemplo. Há uma necessidade de se manter ansioso, vigilante e em autocobrança com a quinta marcha engatada que não arrefece. Isto não facilita a conciliação com o tempo presente, restringe convívios interpessoais e dificulta a manutenção da saúde mental e física. A competição desigual pelos recursos está cada vez mais acirrada.

Não à toa, quando o câmbio do motor mental falha, outras epidemias se manifestam como o Burnout e a depressão. Esses reveses da correria não seriam tentativas do indivíduo puxar o freio de mão e de fazer a roda-viva girar mais lentamente? O desafio é buscar um equilíbrio minimamente satisfatório e uma tomada de consciência tanto global quanto particular: nosso tempo está colonizado e precisamos reencontrar alguma liberdade de usufruí-lo com mais alegria, sabedoria e sentido. Enquanto temos tempo.

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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.

Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “Psiquiatra da Sociedade”.


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