Empreendedorismo feminino negro: ela venceu a depressão e abriu sua própria loja
Com o apoio da Rede Mulher Empreendedora, em meio à pandemia, Yaisa Oliveira abriu sua própria loja de cabelos orgânicos. Ela contou ao Observatório como conseguiu realizar seu sonho e fazer do seu empreendimento uma plataforma de escuta, empoderamento e resgate de uma estética que por muito tempo foi vista de forma excludente e racista.
Por Ana Clara Godoi
“Tudo que construímos sobre nós é uma eterna relação de enxergar o outro, e esse outro, não tinha espaço para o nosso gigantismo e para nossa cor. As nossas identidades visuais, coletivas e individuais, foram por muito tempo construídas sob uma ótica racista, que fez com que nós não nos aceitássemos, não gostássemos do que víamos no espelho. Logo, falar de estética e de autoestima é interferir nessa imagem de inferiorização que foi construída”.
Yaisa Oliveira, de 32 anos, é uma mulher negra, mãe, empresária e graduanda de Psicologia. Em 2020, no meio da pandemia de Covid-19, Yaisa enfrentou uma forte depressão enquanto estava grávida de sua segunda filha e se desligou do antigo emprego.
Moradora de Viamão, no Rio Grande do Sul, a empresária percebeu que os comércios do seu município não conseguiam suprir a alta demanda de produtos e serviços de estética para pessoas negras, que formam uma grande parcela da população do estado. “Sempre fui muito ativa e vi que já era hora de colocar em prática um dos meus sonhos, que era abrir uma loja física aqui em Viamão”.
Em outubro do mesmo ano, Yaisa abriu a Dezembaraça, uma loja de cabelos orgânicos que fornece apliques de cabelo e materiais para trancistas. “A Dezembaraça veio para que nós, que tanto fomentamos a economia, pudéssemos encontrar um comércio voltado para a gente e impulsionar os negócios locais de trancistas, que em sua grande maioria são mulheres pretas”.
Para a empresária, a Dezembaraça é muito mais que uma loja de cabelos. É uma plataforma de escuta, empoderamento e resgate de uma estética que por muito tempo foi vista de forma excludente e racista.
Embora o novo negócio estivesse funcionando e atendendo clientes, Yaisa percebeu que havia muito sobre gerir um negócio que ela desconhecia. Além disso, a empresária precisava cuidar de seus filhos e de sua casa. “Eu sabia que não podia errar e foi aí que conheci a Rede Mulher Empreendedora”.
Apoio da Rede Mulher Empreendedora
A Rede Mulher Empreendedora (RME) é uma organização social que promove o protagonismo feminino por meio do empreendedorismo e capacitação. Fundada em 2010 por Ana Fontes, a RME oferece cursos e programas, nos formatos online e presencial, para mulheres que buscam suporte e conhecimento para gerir o seu negócio. Ao todo são mais de 100 mil empreendedoras cadastradas.
“O nosso foco de atuação é oferecer capacitação em vários temas, como gestão financeira, marketing e construção de marca. Além disso, temos programa de mentorias, doação de recurso financeiro e grandes eventos de networking voltados para o ecossistema de empreendedorismo feminino”, destaca Debora Monteiro, Gerente Executiva do Instituto RME.
Entre os programas da organização estão o RME Acelera, que busca incluir as mulheres no ambiente empreendedor, o RME Conecta, que faz uma ponte entre negócios de mulheres e empresas. A RME também promove eventos anuais, como a Mansão das Empreendedoras e o Fórum Empreendedoras.
Yaisa participou da segunda edição do projeto Elas Prosperam. A iniciativa, realizada em parceria com a Visa, teve início em 2020 e ofereceu aulas online com foco em educação financeira e empreendedorismo. Já a segunda edição contemplou somente empreendedoras negras.
“Me inscrevi sem pretensão de conseguir vaga e acabei entre as 10 finalistas. Foi muito bacana. No decorrer do curso vi que não estava gerindo meu negócio corretamente, estava empurrando com a barriga, brincando de ter um negócio”.
A empresária não teve um capital no início do empreendimento e contava com o que iria ganhar para colocar mais mercadoria. Yaisa destaca que o apoio da Rede Mulher Empreendedora foi o primeiro e único suporte que recebeu como mulher negra empreendedora, e que a mentoria não somente a beneficiou, mas também possibilitou que ela pudesse ajudar outras mulheres empreendedoras do seu convívio.
“Ser uma mulher preta empreendendo não é fácil. Me sinto muito forte e audaciosa. Me pego chorando várias vezes, é muito complicado um sistema que não nos apoia. Por isso o suporte da Rede Mulher Empreendedora foi de suma importância. Vou levar para o resto da minha vida”.
Para Debora Monteiro, contribuir para que mulheres sejam protagonistas dentro desse ecossistema é caminhar rumo a igualdade de gênero e contribuir para a diminuição das desigualdades sociais.
“Quando as mulheres empreendem, elas nunca pensam no individual, elas pensam no coletivo, na comunidade delas, na família delas, nos filhos. Nós sabemos, por meio das nossas pesquisas, que quando uma mulher avança com seu negócio ela contrata mais mulheres e investe na educação dos filhos e na comunidade local dela”.
O trabalho da Rede Mulher Empreendedora está alinhado a dois Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. O ODS 8, que busca promover o crescimento econômico e emprego para todos; e o ODS 10, que visa reduzir as desigualdades por meio de políticas públicas, ações sociais e eliminação de práticas discriminatórias.