As doenças infecciosas das enchentes que devem abalar o RS

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Segundo evidências colhidas a partir de outras grandes enchentes que ocorreram no mundo em anos recentes, a tendência é de um aumento importante nos casos de diversas doenças infecciosas, como diarreias, problemas respiratórios, leptospirose, hepatite A e dengue.

Imagem: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

As chuvas e as inundações que arrasaram o Rio Grande do Sul afetaram mais de 2,5 milhões de pessoas, deixaram centenas de milhares de desabrigados e causaram mais de 150 mortes. Mas, em termos de saúde pública, as consequências do evento climático continuarão por muito tempo.

Segundo evidências colhidas a partir de outras grandes enchentes que ocorreram no mundo em anos recentes, a tendência é de um aumento importante nos casos de diversas doenças infecciosas, como diarreias, problemas respiratórios, leptospirose, hepatite A e dengue.

Especialistas explicam que essas enfermidades virão em ondas, de acordo com o tempo de incubação de vírus, bactérias e outros patógenos e também devido ao tipo de exposição de risco que as pessoas envolvidas na tragédia tiveram e terão daqui em diante.

As maiorias das pessoas afetadas pelas enchentes tiveram que deixar suas casas andando no meio da água ou a nado. Os voluntários, para salvar quem não conseguiu sair de casa e animais também tiveram contato com a água contaminada.

A água estava contaminada com matéria orgânica que subiu de bueiros, valas e esgotos. Esse contato das pessoas com a água, se dá por meio da pele, das mucosas e da boca, pela ingestão acidental desse líquido.

“Como podemos imaginar, essa água está nitidamente contaminada. Ela é escura e deve estar cheia de matéria orgânica, com excretas de humanos e outros animais”, diz o médico Alessandro C. Pasqualotto, presidente da Sociedade Gaúcha de Infectologia. “E obviamente quem teve contato com esses líquidos corre um risco maior de adoecer”, complementa.

O infectologista pondera que, numa situação de emergência como a que muitos gaúchos passam nos últimos dias, a prioridade é salvar vidas e levar o máximo de pessoas a locais seguros.

Além disso, é preciso lidar com as consequências imediatas do desastre, como os traumas, as fraturas, a hipotermia, os afogamentos e os choques elétricos.

Mas, passados os primeiros dias após o pico das inundações, é preciso se preocupar com as doenças infecciosas que muitos contraíram durante esse processo.

Ao analisar diversos acontecimentos do tipo, os autores do estudo apontam que, nos primeiros dez dias após o evento climático, as doenças que mais aparecem são as infecções de pele, as pneumonites ou pneumonias por aspiração, as infecções respiratórias virais e as gastroenterites (a popular diarreia).

O infectologista Alexandre Vargas Schwarzbold, professor da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, explica que muitos desses quadros estão ligados ao contato com a água contaminada.

“Inclusive, as doenças diarreicas são a maior causa de morte por questões infecciosas após desastres hídricos”, afirma.

Os mais vulneráveis a essas infecções intestinais são as crianças muito pequenas e os mais velhos, grupos que merecem uma atenção especial para evitar quadros extremos de desidratação.

Já as infecções respiratórias costumam ser consequência das aglomerações. Isso porque dezenas de milhares de pessoas estão em abrigos, muito próximas umas das outras. E essa condição facilita a transmissão de vírus causadores de resfriados, gripe e covid-19.

As moradias improvisadas, com higiene precária, também reúnem as condições para a dispersão de parasitas, como aqueles que provocam a escabiose (sarna) e a pediculose (infestação por piolhos).

Schwarzbold, que trabalha em Santa Maria, diz que já está vendo casos como esses na cidade.

“Como o município fica numa região central do Estado, ele foi afetado antes que a região de Porto Alegre. Então já começamos a observar essa primeira etapa se desenrolar por aqui”, conta o médico, que também é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBInfecto).

No caso de escabiose e pediculose, por exemplo, é possível reforçar o estoque de drogas antiparasitárias. Para as diarreias, é necessário garantir acesso à água potável e remédios que aliviam os sintomas.

Para as doenças respiratórias (e algumas outras sobre as quais falaremos adiante), pode-se pensar num reforço na vacinação — há doses disponíveis contra influenza (o causador da gripe), o vírus sincicial respiratório (um dos responsáveis por resfriados), o coronavírus (covid-19) e até contra alguns agentes por trás da pneumonia.

Os membros da SBInfecto, da Sociedade Gaúcha de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) publicaram um documento sobre o tema, em que orientam quais são as vacinas mais importantes nesse momento e quais públicos podem se beneficiar dessas aplicações.

No texto, há uma lista de imunizantes indicados para situações de enchentes, como as doses que protegem contra influenza (versão 2024), covid-19, a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola), hepatite A, tétano e raiva.

  Leptospirose 

Passados entre sete e dez dias das inundações, outras moléstias ganham força e relevância.

A principal preocupação aqui é a leptospirose, doença causada por uma bactéria transmitida a partir do contato com a urina de animais, principalmente ratos.

Muitas vezes, esse micro-organismo invade o corpo de uma pessoa lá atrás, no momento em que ela tem contato com a água contaminada. Mas há um tempo de incubação, ou um período em que o patógeno não dá sinais de sua presença, até que os primeiros sintomas deem as caras.

Geralmente, esse tempo de incubação da leptospirose é de 7 a 14 dias, mas pode se estender por até um mês.

 Dengue

A situação no Rio Grande do Sul em relação a esse problema de saúde é incerta, apontam os especialistas. Isso porque o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, costuma ficar mais ativo quando a temperatura está elevada, durante o verão e a primavera.

E, em pleno outono, as cidades gaúchas começam a experimentar um clima frio — algo que o Aedes não curte tanto assim. Por um lado, esse cenário pode significar menos casos de dengue nas próximas semanas. No entanto, isso não permite que gestores e profissionais de saúde relaxem completamente em relação a essa doença.

“A dengue já era uma preocupação antes das enchentes, pois tivemos um número elevado de casos e mortes no Brasil inteiro neste ano. E isso afetou inclusive áreas que não costumavam ter esse problema, como é o caso da região Sul do país”, analisa Pasqualotto.

“À medida que a água começar a baixar, podemos ter a formação de muitos focos de criadouro de mosquito e a dengue voltará a ser uma preocupação”, complementa ele.

Schwarzbold lembra que, apesar do clima mais frio esperado no Rio Grande do Sul para as próximas semanas, o Estado costuma experimentar nessa época do ano um fenômeno chamado “veranico”, com alguns dias de calor.

“Portanto, se depois dessa inundação tivermos um aumento de temperatura, mesmo que por um período curto, isso pode ampliar a capacidade do mosquito”, analisa o médico. “Daí teremos mais um problema.”

 

Fonte: BBC Brasil


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