Após deixar a prisão, ex-traficante vira psicólogo e cria projeto social
Objetivo do projeto é mostrar aos jovens que existem caminhos muito melhores que o do crime, e que eles passam pela educação
Por: Isabela Alves
Emerson Ferreira sofreu os impactos da desigualdade social no Brasil desde muito pequeno. Aos oito anos, vendia de porta em porta alface, couve e outras hortaliças plantadas pela mãe para complementar a renda da casa. O pai era alcoólatra e nem sempre contribuía muito com as despesas da casa.
Morador do Jardim Santa Luzia, em Embu das Artes (SP), aos 11 anos passou a soldar bijuterias e vender em outros bairros da região. De acordo com ele, a cada 100 bijuterias que produzia, obtinha apenas R$ 2,50 de lucro. Apesar da rotina puxada, o jovem continuou conciliando os estudos com o trabalho.
Outro desafio na rotina do rapaz era lidar com o pai agressivo. “Ele entendia a educação como agressão física, então era muito complicado dentro do lar. O que os meus pais entendiam como educação era um tipo de imposição, autoritarismo e pouco acolhimento”, lembra.
Aos 13 anos, passou a entregar panfletos no restaurante em que o pai trabalhava como cozinheiro. Um ano depois, foi promovido a garçom e teve sua carteira assinada pela primeira vez.
Com o passar do tempo, ele começou a notar as disparidades entre a sua realidade e a das pessoas que frequentavam o espaço. “Enquanto eu trabalhava 10 horas por dia para ganhar R$ 600 de salário no mês, em poucas horas as pessoas que frequentavam o restaurante gastavam essa quantia”, diz. O sentimento de indignação e impotência começou a tomar conta dele.
Com o trabalho no restaurante, Emerson começou a frequentar festas e passou a notar com mais clareza as questões relacionadas à desigualdade social: as pessoas que tinham mais dinheiro tinham acesso aos melhores eventos, roupas e carros.
O seu mundo era outro. O jovem tinha que lidar frequentemente com a falta de dinheiro e a violência da região onde morava. Entre 2000 e 2001, Embu das Artes foi considerada a cidade mais violenta do estado de São Paulo. “Eu vi atentados com bombas, tiroteios, pessoas mortas em frente ao portão da minha casa e corpos em várias outras ruas”, conta Emerson.
Como uma maneira de “melhorar” a sua vida, comprou pela primeira vez drogas, para revender em festas. Ele tinha apenas 16 anos e em um final de semana ganhou mais dinheiro do que com o mês inteiro de trabalho no restaurante.
Para ele, a venda de drogas nas festas representava o mesmo que vender bebidas alcoólicas no restaurante, com a diferença de que as pessoas vinham até ele. Em pouco tempo, seu nome ficou conhecido. Quando a droga acabava em outros pontos de venda, os próprios traficantes da região recomendavam que as pessoas fossem atrás de Emerson dentro das festas.
Entre seus 16 e 17 anos, a venda de drogas era algo aventureiro e o jovem ainda conciliava isso com o trabalho e a escola. No entanto, no último ano do ensino médio ele largou tudo para se dedicar inteiramente ao tráfico. Com o envolvimento cada vez mais intenso, acabou sendo preso aos 19 anos de idade.
“Apesar de estar lidando com algo de risco, a prisão veio como um baque e uma surpresa para mim. Fui preso em 28 de março de 2008 e a sentença foi de oito anos de prisão por tráfico de drogas e associação”, relembra.
Ao entrar no sistema carcerário, Emerson se deparou com diversas questões, como a superlotação, as condições impróprias para se viver, a pressão psicológica e poucas perspectivas para o futuro. Por conta disso, durante um ano e seis meses, o jovem ainda continuou trabalhando para o crime dentro da prisão.
“Nesse tempo, eu vi pessoas morrendo com uma frequência maior do que via nas ruas. Se elas não morriam por conta da droga, morriam por causa do suicídio. Eu não queria morrer na prisão ou morrer por causa do crime. Não queria deixar essa memória quando morresse”.
O jovem decidiu abandonar a criminalidade e buscar um novo começo através da educação. Até ir para a cadeia, ele não tinha nem mesmo noção do que o vício em drogas era capaz de causar.
“Apesar de trabalhar desde criança, eu percebi que era privilegiado por ter um pai e uma mãe, um lugar para dormir, comer e tomar banho. Por mais duro que fosse, eu tinha uma base, e foi com o apoio da minha família que eu tive forças para quebrar aquele ciclo”. Segundo ele, durante as visitas de domingo, era visível o semblante de dor, cansaço e tristeza nos seus pais.
Emerson logo percebeu que não podia esperar para sair da prisão para começar a estudar. Passou, então, a ler diversos livros, principalmente de psicologia, e se preparou para enfrentar os preconceitos da sociedade quando se tornasse egresso do sistema penitenciário. Em 2012, conseguiu sua liberdade, fez um supletivo para concluir o ensino médio e três meses depois entrou na faculdade de psicologia.
Ele também trabalhou em diversas organizações de impacto social, entre elas a Afroreggae, que busca promover a inclusão e a justiça social por meio da arte, da cultura afro-brasileira e da educação; a Associação Horizontes, que promove cursos educacionais dentro da Fundação Casa; e a Pano Social, que produz roupas com tecidos orgânicos com a mão de obra de pessoas que passaram pelo sistema carcerário.
Essas experiências profissionais fizeram Emerson perceber que apenas direcionar uma pessoa para o mercado de trabalho era muito pouco. Para ele, era necessário entender e repensar quais processos enchem as prisões brasileiras.
Em 2017, ele criou o projeto Reflexões da Liberdade, que promove palestras em escolas, empresas e no sistema carcerário, com o objetivo de divulgar os valores humanos e mostrar aos jovens outras alternativas além da criminalidade.
Emerson, hoje com 31 anos, acredita que a educação, ao lado da liberdade, pode diminuir a desigualdade social, e que um jovem empoderado é capaz de mudar a sua comunidade. A iniciativa criada por ele dissemina a cultura de paz e o desenvolvimento de competências emocionais, para gerar transformação social. Cerca de 12 mil pessoas já foram impactadas por suas palestras.
“Ter acesso à educação de qualidade é um privilégio no Brasil. Mas as pessoas que têm acesso à educação transformadora, aquela que apoia o indivíduo a ser autônomo e construtor da sua vida, conseguem chegar lá. Sem a educação, a pessoa só enxerga a imposição, limitação, opressão e o medo. Só quando existir um diálogo, a empatia de se colocar no lugar do outro para entender qual é o seu ponto de vista, aí teremos alguns avanços para enxergarmos essa desigualdade social de maneira mais ampla”, conclui.
Danilo
29/10/2019 @ 14:38
Parabens a este homem!
ONG cria plataforma de apoio voltada para ex-detentos
10/03/2022 @ 08:30
[…] acordo com Emerson Ferreira, psicólogo, ativista e criador do Reflexões da Liberdade, o objetivo é proporcionar, tanto para […]