Com remoções, famílias ficam sem ter onde morar durante pandemia
Segundo o Observatório de Remoções, mais de 2.500 pessoas de SP sofreram remoção por reintegrações de posse desde o começo da pandemia
Por: Júlia Pereira
Com barracos de madeira, uma favela recém-surgida no Jardim Julieta, na região do Parque Novo Mundo (zona norte de São Paulo), está sendo cenário de reintegração de posse.
A favela é formada pelas vítimas do impacto da pandemia do novo coronavírus na economia. São pessoas como a cuidadora Paula Evelin da Silva, 30, que perdeu o emprego de carteira assinada em razão da crise e não consegue pagar aluguel de um imóvel.
Segundo dados do Observatório de Remoções, mantido pelo LabCidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), mais de 2.500 pessoas foram removidas de suas casas por reintegrações de posse e incêndios no estado de São Paulo desde o mês de março. O estudo não contabiliza aqueles que foram despejados por falta de pagamento de aluguel.
No dia 8 de julho, os moradores da favela do Jardim Julieta receberam uma intimação de reintegração de posse relativa a pedido da prefeitura.
A gestão de Bruno Covas (PSDB) afirmou que o terreno pertence à SP Urbanismo e será destinado à construção de 1.580 moradias para famílias “que há anos aguardam e se encontram em situação de extremo risco”.
Em nota enviada ao jornal Folha de S.Paulo, a prefeitura informa que a ação foi concedida pelo Tribunal de Justiça e a SP Urbanismo “vai notificar as famílias para saída pacífica em 30 dias e orientá-las sobre o atendimento oferecido na rede socioassistencial”.
O terreno será destinado às famílias da comunidade do Violão, que também vivem em situação de vulnerabilidade. Os moradores conseguiram o compromisso de prioridade nas vagas com a gestão municipal. Mas o terreno foi ocupado por outras pessoas.
Em entrevista à Folha, a professora da FAU, Raquel Rolnik, ressalta que as remoções violam os direitos humanos e que o perigo aumenta durante a pandemia, já que as famílias são despejadas sem atendimento habitacional imediato e acabam indo para as ruas, ficando ainda mais expostas ao vírus.
Rolnik afirma que diversos países suspenderam as remoções neste momento de pandemia, mas que isso não aconteceu no Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou uma regra que impedia despejos na quarentena.
As informações do Observatório de Remoções mostram que houve ao menos dois casos de remoção extrajudicial promovidos por agentes privados, três remoções extrajudiciais por poderes municipais e duas remoções judiciais promovidas por privados. Outras são previstas.
A Defensoria Pública afirma ter entrado com pedido ao Tribunal de Justiça para suspender as remoções, mas sem sucesso.
A tensão também é sentida na região da Cracolândia, onde o poder público tenta desapropriar imóveis para construir moradias na chamada PPP da Habitação. A área possui empreendimentos da prefeitura e do estado, e há pressão para que as decisões saiam rapidamente.
A gestão de Covas afirmou que as desapropriações da região “integram um conjunto de ações da prefeitura para recuperar aquela região e atender as pessoas em situação de vulnerabilidade e uso abusivo de álcool de drogas ali concentradas”.
O governo de João Doria (PSDB) diz que “solicitou à Justiça a suspensão de todas as reintegrações de posse em que é autor durante o período de pandemia” e afirmou ainda que a Polícia Militar atua, por ordem da Justiça, em apoio aos oficiais de Justiça que cumprem determinação judicial de reintegração de posse.
Fonte: Folha de S.Paulo