1 em cada 3 professores brasileiros faz jornada dupla

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Além de precisarem trabalhar em mais de uma escola, professores enfrentam salas lotadas, falta de infraestrutura e assédio moral, e estão desenvolvendo cada vez mais transtornos mentais

Por Caio Lencioni

A jornada dupla é algo comum entre os professores do Brasil. Em 2015, 33% dos docentes do ensino fundamental 1 e 2, das redes públicas municipais, estaduais e federal, trabalhavam em pelo menos duas escolas. O dado é do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), responsável pela Prova Brasil, que avalia a qualidade do sistema educacional do país e inclui um questionário voltado para os professores, no qual eles respondem perguntas sobre dados demográficos, perfil profissional e condições de trabalho.

Um fato a ser lembrado é que, além da rotina dentro das escolas, esses profissionais trabalham em casa, corrigindo provas e elaborando aulas.

Transtornos mentais

Para a terapeuta Aline Barcelos, que atuou como pedagoga por 15 anos, esse cansaço, somado às condições enfrentadas pelos professores, desencadeia transtornos e até mesmo a desistência da profissão.

Aline trocou a profissão depois de quadros de ansiedade e depressão que aconteceram no período em que lecionava. “Eu achava que era algo físico mesmo, pois sentia falta de energia. Comecei a buscar cursos de terapia”. Nessa busca, Aline começou a fazer pós-graduação em arteterapia. “Encontrei minha cura e quis ser multiplicadora disso”, conta.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o índice de pessoas com depressão no Brasil aumentou 18% entre 2005 e 2015. O relatório também aponta que 322 milhões de pessoas no mundo vivem com depressão, a maioria mulheres.

Nas escolas estaduais de São Paulo, o número de professores afastados por transtornos em 2016 chegou a 50 mil, de acordo com o movimento Todos Pela Educação. Além disso, o Atlas Municipal de Gestão de Pessoas aponta que, só em 2012, 24,36% dos afastamentos de professores da rede municipal de São Paulo estavam relacionados a transtornos mentais. Problemas nos ossos e músculos eram a segunda causa, seguida de causas externas.

Pouco espaço para a criatividade

Na opinião de Aline Barcelos, seria necessário pensar em outras formas de ensino para que o professor pudesse expressar a criatividade, já que para ela os professores “nadam contra um sistema”. “O professor chega com muita criatividade e um ideal de realmente fazer algo diferente, mas acaba encontrando o mesmo: o professor na frente e o aluno sentado”.

Aline também destaca a dificuldade gerada pelo excesso de alunos nas salas e a falta de infraestrutura em muitas escolas. “Quando a sala estava quente, eu ligava o ventilador e consequentemente eu tinha que falar mais alto, o que prejudica o professor”. Por esses fatores, Aline diz que a criatividade é oprimida, o que gera ansiedade, depressão e outros transtornos.

Pressão por resultados

Vanías da Silva Beserra tem 48 anos e começou a cursar o magistério bem nova, aos 16 anos. Por mais que estivesse indecisa em relação ao curso, ela ficou orgulhosa ao conclui-lo e poder exercer a profissão.

O que Vanías não imaginava era que sofreria tanta pressão e o que ela define como “torturas psicológicas” para alcançar metas pouco realistas das escolas em que trabalhava. Com isso, ela desenvolveu síndrome do pânico, em 2011. “Hoje me encontro tomando medicação e não sei se conseguirei retornar para a rotina”, conta. Ela também diz que as escolas possuem poucos funcionários para auxiliar nas tarefas e que isso gera uma sobrecarga nos profissionais.

“Estou na fila de espera do Hospital do Servidor Público Estadual, pois nem psiquiatra eles têm o suficiente de tantas pessoas com transtornos”, conta. A OMS aponta que 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) são afetados por distúrbios relacionados à ansiedade, como a síndrome do pânico.

Conservadorismo

Além desses motivos citados pelos docentes, a estudante de pedagogia Natasha Barros diz que o conservadorismo é algo que a desmotiva em relação à profissão. Ela explica que muitos assuntos que, na opinião dela, são importantes não são conversados com os alunos, como, por exemplo, a questão de gênero e também o sexo. “Não é mais questão de opinião, isso já é saúde pública”, comenta.

Natasha ainda conta que os professores recebem cartilhas sobre campanhas, mas que não são obrigados a falar sobre elas na sala de aula, como aconteceu com a cartilha do MEC sobre a orientação sexual. A cartilha pode ser acessada online, mas a campanha não foi estendida para as salas de aula.

Formados em licenciatura procuram trabalho fora das escolas

De acordo com um ranking feito em 2015 pela plataforma Quero Bolsa, a licenciatura de educação física ocupa o sexto lugar e a de pedagogia ocupa o nono lugar na lista dos cursos superiores mais procurados do Brasil. Comparado ao ano de 2015, o MEC e o INEP divulgaram que os cursos de licenciatura cresceram 3,3% em 2016. Ou seja, há muitas pessoas se formando em algum curso de licenciatura. Mesmo assim, os cursos de bacharelado ainda representam 69% das matrículas.

O pesquisador José Marcelino de Rezende Pinto realizou um estudo em 2014 em que analisa a ausência de professores habilitados, ou o desinteresse dos licenciados em ensinar. Os dados são de concluintes de cursos de licenciaturas dos últimos 20 anos, levantados pelo INEP.

A pesquisa constatou que, com exceção de professores de física, existem mais profissionais habilitados do que o suficiente para assumir turmas existentes. A conclusão foi de que há um desinteresse em lecionar por parte dessas pessoas, já que as condições para tal trabalho são desestimulantes.

Baixos salários

A professora Vanías Beserra começou a trabalhar em escolas estaduais de São Paulo, mas diz que o salário não aumentava com o passar do tempo. “A solução foi dobrar em outro cargo. Infelizmente isso é ruim para o aluno e o professor em termos de qualidade, já que o corpo e a mente não aguentam”.

Em 2018, o piso salarial dos professores com a jornada de 40 horas semanais foi reajustado para R$ 2.455,35, mas o valor em si depende do estado e do município. Esse reajuste acontece todo ano no mês de janeiro como prevê os termos do art. 5° da Lei N° 11.738, de 16 de julho de 2008.

Segundo levantamento feito em 2016 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), mais da metade dos Estados brasileiros não pagava o piso salarial aos professores.


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