Escola infantil em SP quebra barreiras da educação convencional
Na EMEI Nelson Mandela, alunos não são divididos por idade e desde cedo todos aprendem sobre a cultura afro-brasileira
Por: Mariana Lima
Cibele Racy vive a Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Nelson Mandela, na Zona Norte de São Paulo. Animada, recebe mães e professoras em sua sala. Alguém a chama na secretaria. Ela sai para acompanhar uma pintura na calçada da escola, e volta. Está pronta para conversar.
Diretora da instituição há 15 anos, foi Cibele quem reestruturou a escola para que ela se tornasse uma referência de educação pública. Foi também na gestão dela que a instituição conseguiu apoio da comunidade para pedir à prefeitura que mudasse o nome do local. Antes, a escola, que foi inaugurada em 1955, chamava-se EMEI Guia Lopes (homenagem a um guia do Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai).
“Comecei a trazer os pais para a escola, para participar. E a ouvir as crianças, perguntando o que elas queriam. Quando estabelecemos uma relação de confiança, as mudanças foram chegando”, conta.
A Nelson Mandela foge dos moldes tradicionais de outras EMEIs ao realizar a integração de turmas com alunos de idades variadas. Essa questão foi discutida em um conselho de pais e professores. Mas a decisão só foi tomada após a fala de um pai que ressaltou que o filho convivia com irmãos e primos de várias idades e não tinha motivo para na escola ser diferente.
“A escola não pode ser diferente do que a criança vive. Essa fragmentação de conhecimento por idade foi se diluindo quando percebemos que estava dando certo, mas foi um desafio para toda a equipe docente. Se a gente quer respeito às diferenças, temos que conviver com o diferente”, explica Cibele.
A professora Maria Eloisa dos Santos, 53, é chamada de Eloá por uma das crianças. Logo outras se juntam em tom de brincadeira para chamá-la assim. “Meu nome é Eloá? Qual é o meu nome?”, ela vai dizendo para as crianças, com as mãos na cintura fingindo uma expressão de raiva, mas segurando o riso. As crianças continuam brincando com ela enquanto entram na sala aos risos.
“Aqui é uma escola única. Uma escola que dá orgulho de trabalhar, de fazer parte de uma educação diferenciada. Tanto é que não pretendo sair tão cedo”, diz Maria aos risos. A professora está há 13 anos na instituição.
“Eu quero encontrar essas crianças daqui a 10 anos e ver que elas têm atitude diante da vida, que não ficaram observando como eu fiquei na minha infância. Eu quero que elas ajam, que façam acontecer”.
Os espaços da Nelson Mandela
Cada ambiente da escola produz um projeto de gestão que segue as diretrizes pedagógicas da instituição. A escola faz um sistema de revezamento para que todas as crianças consigam usar cada um dos espaços da instituição.
Entre os espaços inovadores está o Redário, um espaço com várias redes em que os alunos podem descansar ou ler. Em relação aos projetos, a escola desenvolve o ‘Diretor por um dia’, possibilitando que os alunos entendam a gestão da escola. Ao final do dia, eles apresentam seus resultados para Cibele, e podem sugerir mudanças.
As crianças plantam na horta da escola, criam receitas e cozinham o que colhem. A escola também oferece um espaço externo para as aulas de pintura, uma sala de leitura, uma brinquedoteca e um extenso parquinho. As aulas são inovadoras também, com experimentos científicos e atividades sobre o DNA, por exemplo.
“A gente entende o brincar de uma maneira diferente aqui. Tudo vira uma grande brincadeira. Estimulando essa questão de pensar no futuro. Você pode ser um diretor, um cientista ou uma médica. A gente quer estimular essa perspectiva neles”.
A escola é dividida em dois turnos. Um deles trabalha o tema ‘cultura africana’ e outro o tema ‘consumismo e sustentabilidade’. As crianças são motivadas a colocarem a própria comida, organizarem as cadeiras do refeitório e salas ao se levantarem, e a limparem os materiais de artes e da horta após usarem.
Combate aos preconceitos
A partir de 2006, a escola implementou a lei 10.639/03, que obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileira em instituições de ensino. A regra vale apenas para escolas de ensino fundamental e médio, mas Cibele viu a oportunidade de promover e defender a diversidade já na educação infantil entre os alunos, professores e funcionários.
“A gente começou errando. Desconhecíamos a história e a cultura africana. Era necessário que aprendêssemos também. Mas foi aí que começamos a crescer. O próprio erro trouxe a contextualização que precisávamos”, revela Cibele.
Em 2011, o muro da escola apareceu pichado com a seguinte frase: “Vamos cuidar das nossas crianças brancas”. Cibele ficou amargurada com essa situação, mas percebeu que a atitude mostrava que o trabalha da escola estava no caminho certo.
“Tínhamos que continuar e aprofundar, porque se estava incomodando era porque estava dando certo. As pichações, para mim, eram troféus que mostravam que estávamos conseguindo mexer com as pessoas”.
A discussão sobre a diversidade na escola teve seu pontapé inicial com a chegada da família Abayomi, composta por 4 bonecos: um príncipe negro (Azizi) de origem sul-africana que veio morar no Brasil, onde se casou com Sofia, uma moça branca com quem teve dois filhos, Henrique e Dayo.
A família miscigenada representa as famílias de boa parte dos alunos da escola, que se sentem mais identificados com eles. As crianças são as responsáveis por boa parte das histórias sobre os bonecos.
“Quando as crianças que estudaram aqui voltam para visitar, dizem que o que elas mais lembram da fase aqui tem relação com os bonecos, com essas figuras de afeto”, conta Cibele.
A escola já foi contemplada com vários prêmios devido ao seu modelo de ensino, entre eles o 6º prêmio ‘Educar para a Igualdade’ – Categoria Escola, realizado pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT). O prêmio é fruto dos trabalhos pedagógicos realizados com a família Abayomi.
Cibele deve se aposentar no final deste ano. Apesar do aperto no coração, ela sente que está deixando a escola em boas mãos. Agora só tem um desejo: “Eu quero encontrar essas crianças daqui a 10 anos e ver que elas têm atitude diante da vida, que não ficaram observando como eu fiquei na minha infância. Eu quero que elas ajam, que façam acontecer”.
Rita Barbosa
25/05/2019 @ 17:35
Excelente trabalho dessa escola! Parabéns a todos que trabalham nessa escola fazendo a diferença !
Luiza
29/07/2019 @ 12:26
Já estudei nesta escola,hoje tenho 9 anos e sei respeitar o próximo,escola incrível,maravilhosa,não sei explicar o tanto que aprendi lá. Pra mim é uma das melhores escolas do Brasil.
Gustavo
24/11/2020 @ 17:05
Deveria ocupar o cargo de ministra da educação , todas as qualidades pra mudar o Brasil.