Professora brasileira ensina alunos a transformarem sucata em robôs
Débora Garofalo foi uma das finalistas do ‘Nobel da Educação’ em 2019 pelo projeto Robótica com Sucata, que desenvolve em uma escola pública da periferia de São Paulo
Por: Mariana Lima
No bairro Vila Babilônia, no distrito do Jabaquara, na periferia de São Paulo, estudantes da EMEF Almirante Ary Parreiras circulam pelas ruas no entorno da escola, que fica próxima à favela do Alba. De luvas e segurando sacos plásticos, eles começam a recolher materiais recicláveis.
Não é apenas um projeto de sustentabilidade, mas também de tecnologia e robótica. O lixo recolhido transforma-se, nas mãos destes alunos, sob a orientação da professora Débora Garofalo, de 39 anos.
Iniciado em 2015, o projeto Robótica com Sucata trouxe novas perspectivas para crianças e jovens de 6 a 14 anos matriculados na escola.
O projeto surgiu devido à necessidade dos alunos, que, por viverem em uma região periférica sem acesso a itens básicos como saneamento e com excesso de lixo pelo bairro, deixavam de ir à escola em dias de chuva.
“Eles relatavam casos de alagamento devido ao lixo acumulado nas ruas do bairro. Muitos ficavam doentes, até casos de dengue tivemos”, conta a professora.
Assim, Débora começou a estruturar o projeto, unindo uma necessidade coletiva da região ao aprendizado das crianças. Levou os estudantes para as ruas para fotografarem e conversarem com os moradores. Depois, iniciou uma discussão com os alunos, para que todos decidissem o que eles poderiam fazer.
Só então os estudantes passaram a recolher materiais recicláveis nas ruas do bairro e a desenvolverem robôs com eles.
“O projeto prova que as crianças querem aprender. Elas precisam praticar, ver as coisas acontecerem, não serem apenas ouvintes na sala de aula”
No começo, boa parte dos estudantes não se animou com a proposta. “Eles tinham uma visão de que o laboratório de informática era só para entretenimento, e que robótica era algo que só estudante de escola particular poderia fazer. Mas, quando o primeiro protótipo ficou pronto, eles se apaixonaram”.
Outra dificuldade enfrentada para dar continuidade ao projeto foi em relação aos moradores do bairro e aos próprios professores da escola.
“Eles só começaram a se envolver mais quando as crianças passaram a participar de feiras e eventos. Ver a animação e o reconhecimento do trabalho delas colaborou para isso”.
Os primeiros protótipos das crianças eram coisas simples, geralmente brinquedos, como helicópteros, carrinhos e robôs.
Depois, com a prática, passaram a desenvolver coisas mais elaboradas, como um sensor para cadeiras de rodas, já que na escola havia alunos cadeirantes.
Antes da implantação do projeto, as crianças tinham uma autoestima muito baixa. Não tinham prazer em dizer onde estudavam e não valorizavam o ambiente escolar, relata a professora.
“O projeto prova que as crianças querem aprender. Elas precisam praticar, ver as coisas acontecerem, não serem apenas ouvintes na sala de aula”.
Histórias que transformam
Várias crianças e jovens já passaram pelo Robótica com Sucata, e cada um deles marcou Débora de uma maneira. Alguns casos em especial mostram a ela a importância de sua iniciativa.
“Teve um menino que perdeu a irmã – ela era uma criança especial –, em um incêndio na casa deles. E ele fez uma réplica sustentável da casa em que eles moravam com os materiais que recolhemos”.
Segundo Débora, o menino queria criar um projeto de casa sustentável que não permitisse que o que aconteceu com a irmã se repetisse.
“Tenho que ser honesta e dizer ‘não sei’. E é bom quando eles chegam e dizem que conseguiram resolver um problema que passamos o dia todo tentando resolver”
Débora teve, ainda, que lidar com o machismo na região da escola. No começo do projeto, as meninas ficavam mais recuadas, como se achassem que não podiam participar.
“Demorou, mas logo elas estavam mais expansivas, construindo coisas até melhores que as dos meninos. Uma das garotas fez um carrinho movido a sensor e que tocava a música Let It Go, da Frozen. É incrível”.
Ao saírem da EMEF Almirante Ary Parreiras, para cursarem o ensino médio, os adolescentes que participaram do projeto levam a iniciativa para suas novas escolas. Hoje, existe um projeto piloto em parceria com o Instituto Ayrton Senna para implantar a iniciativa em outras 24 escolas.
“O projeto motiva o aluno a continuar os estudos, principalmente em regiões periféricas como essa. Tivemos o primeiro caso de um ex-aluno que entrou na USP para estudar física”, revela Débora, com animação.
Premiação e reconhecimento
Débora ficou entre os 10 professores finalistas do Global Teacher Prize 2019, considerado o ‘Nobel da Educação’. O prêmio anual elege o melhor professor do mundo. A indicação foi resultado dos impactos do Robótica com Sucata na escola e no entorno.
Débora é formada em Letras pela FMU, mas começou a trilhar o caminho da tecnologia após trabalhar no departamento de recursos humanos de uma indústria e perceber que muitos jovens chegavam sem conhecimento nenhum em robótica, programação ou tecnologia.
A professora teve que ser autodidata na hora de se especializar em robótica, e esse foi um conhecimento adquirido em conjunto com os alunos.
“Tenho que ser honesta e dizer ‘não sei’. E é bom quando eles chegam e dizem que conseguiram resolver um problema que passamos o dia todo tentando resolver”.
De acordo com a professora, o projeto já retirou das ruas mais de uma tonelada de materiais recicláveis na região da comunidade.