Um em cada seis brasileiros já pensou em cometer suicídio
Brasil é o oitavo país onde mais pessoas tiram a própria vida; são 32 casos por dia
por Diego Thimm
Por ano, 800 mil pessoas cometem suicídio no mundo. É o que aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. A cada 40 segundos, uma pessoa no mundo tira a própria vida.
No Brasil, segundo estudo do Ministério da Saúde, 32 brasileiros morrem por dia vítimas de suicídio. Em cartilha do Conselho Federal de Medicina (CFM), os números mostram que 17,1% dos brasileiros já pensaram em pôr fim à própria vida, 4,8% chegaram a elaborar um plano e 2,8% efetivamente tentaram. O país é o oitavo no ranking mundial de suicídios, em números absolutos.
Para alertar a população, países do mundo inteiro têm utilizado o dia 10 de setembro como dia de combate e prevenção ao suicídio. Dentro da campanha Setembro Amarelo, uma série de intervenções e discussões buscam conscientizar as pessoas sobre a gravidade do problema.
O Centro de Valorização da Vida (CVV), organização que atende gratuitamente pessoas que querem e precisam conversar, promove a campanha no Brasil e busca diminuir os casos cada vez mais frequentes. Estima-se que, nos últimos 40 anos, a taxa de suicídio cresceu 60% no mundo.
Voluntário no CVV há 25 anos, Carlos Correia diz que precisamos nos preocupar mais com a questão do suicídio. “A gente tem o costume de ir ao médico para fazer exames de sangue, para medir o colesterol, por exemplo, mas negligenciamos nossa saúde mental”, comenta.
Segundo a OMS, 90% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais. Isso significa que são situações evitáveis com o suporte psicológico necessário.
E não é apenas o apoio de um profissional que se faz necessário. Muitas pessoas com depressão ou outros transtornos mentais sentem falta de conversas com familiares ou amigos que os escutem sem julgamentos. Neste sentido, o CVV se torna uma alternativa quando a pessoa não encontra alguém próximo com quem se sinta à vontade para desabafar.
Carlos conta que desde o começo achou interessante a possibilidade de poder ajudar pessoas que ele não conhecia e que tinham a opção de não se identificarem. “Isso me estimulou a ser mais tolerante, a rever certos conceitos e tomar todos os cuidados para não julgar o atendido. É um exercício constante de aprendizado; de ouvir genuinamente”, garante.
Além dos transtornos mentais que podem levar ao suicídio, o campo da psicanálise investiga também se existe algum traço ou perfil na formação de um indivíduo que possa acarretar pensamentos apáticos em relação à vida.
Janderson Farias, 26 anos, é psicólogo e desenvolveu na dissertação de mestrado uma pesquisa sobre melancolia e suicídio. Neste estudo, ele busca compreender como é formado o perfil de uma pessoa melancólica. “Diferente da depressão que pode acometer a pessoa em determinado período da vida, a melancolia, muitas vezes, é uma constituição que ela vai formando desde a infância”, diz.
Ele investigou como as primeiras relações que temos na infância podem influenciar na formação dos indivíduos. “Quando a criança sofre uma ruptura muito rápida do laço de dependência que tinha com a mãe, por exemplo, naturalmente ela irá buscar outra pessoa ou objeto para dar sentido à sua vida. Assim, ao invés de aprender a diversificar as coisas em que coloca o seu desejo, assegura-se em um único objeto e passa a lidar mal com perdas e frustrações”, explica.
Muitas vezes, carregamos um estereótipo do depressivo como uma pessoa que não consegue nem sair da cama para realizar as atividades diárias, mas Farias alerta que há outras formas de manifestação de pensamentos suicidas. “Há pessoas que seguem uma rotina de trabalho e estudos, mas que apresentam uma sensação de tédio perante a vida. Por isso, é importante que saibamos falar sobre o assunto. É um problema de saúde pública”, comenta.
Combatendo o preconceito
Tabu na sociedade, o suicídio, como as doenças mentais, raramente é discutido nos círculos sociais. Mas especialistas garantem que é fundamental trazer o assunto para o dia a dia, além de oferecer toda a assistência possível para a pessoa que cogita o suicídio. “Às vezes, uma única palavra ou gesto pode fazer a diferença, tanto para o bem, quanto para o mal”, explica o psicólogo. Ele cita, ainda, o exemplo de uma iniciativa na Coreia do Sul que, embora aparentemente simples, apresentou ótimos resultados. Na ponte com o maior número de casos no país, foram colocadas luzes com sensores que mostravam frases inspiradoras enquanto as pessoas caminhavam. Com uma extensão de 2,2 km, a estrutura contribuiu para a diminuição de 85% na taxa de suicídios no local.
Farias também chama a atenção para o perigo do padrão de felicidade difundido na televisão e nas redes sociais: ele faz com que sentimentos comuns, como a angústia e a tristeza, sejam vistos como doença. “A angústia faz parte da busca de dar um sentido criativo à nossa existência. Mas agora temos que parecer felizes o tempo todo. Se estou triste, logo me dão um remédio”. Ao mesmo tempo em que isso acontece, doenças mentais graves como a depressão são frequentemente subestimadas.
Carlos Correia, do CVV, é outro a chamar a atenção para a importância de falar sobre o suicídio para preveni-lo, mas destaca que é preciso cuidado com a maneira de fazer isso. “Algumas histórias, que são excessivamente detalhadas, podem cair numa glamourização do ato”, explica.
Felizmente, o tema já começa a ser tratado com mais frequência e o número de pessoas em busca de ajuda tem crescido. Só o CVV recebe 1,2 milhão de ligações por ano, em todo o país. Além de atendimentos por telefone e pela internet, a organização possibilita, também, encontros presenciais com os voluntários.
“A gente não dá conselhos para ninguém. Nós estamos aqui para escutar outro ser humano, rever nossos preconceitos e, sobretudo, acreditar que o outro pode ser capaz de resolver a situação”, sintetiza Carlos sobre o trabalho prestado.
Para quem tem dúvidas se deve ou não procurar ajuda e falar sobre o assunto, ele manda um recado: “Nunca pense que o seu problema é pequeno ou irrelevante. Estamos dispostos a ouvir o que precisa ser dito”.
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Para saber mais sobre o trabalho do CVV, acesse http://www.cvv.org.br.