Coletivo apresenta projeto de revitalização da região da Cracolândia
Iniciativa foi criada junto a organizações e moradores do bairro Campos Elíseos, na capital paulista
Por Caio Lencioni
O projeto Campos Elíseos Vivo, criado pelo Fórum Aberto Mundaréu da Luz em parceria com outros coletivos e moradores do bairro Campos Elíseos, tem como foco a revitalização da região da chamada Cracolândia, no centro de São Paulo.
A proposta visa amenizar diversos problemas de vulnerabilidade social no bairro, beneficiando moradores, comerciantes, dependentes químicos e pessoas em situação de rua.
Com base em dados, o projeto mostra que muitos moradores do bairro vivem em situação de vulnerabilidade. Um dos principais motivos para isso é que o valor dos aluguéis da região não corresponde à renda das famílias que vivem lá: 97% das famílias têm um rendimento mensal de no máximo três salários mínimos, o equivalente a R$ 2.862.
Além disso, entre as famílias que se encontram na faixa de menor renda (até um salário mínimo, ou R$ 954, por mês), um terço não possui rendimentos fixos. Isso dificulta o pagamento de despesas como aluguéis. A pesquisa também apontou que, nesse grupo que ganha até um salário mínimo, o pagamento de aluguel comprometeria em média 68% da renda familiar.
Além do problema habitacional, o projeto cita o levantamento do governo do estado de São Paulo em relação a usuários de drogas nas ruas de Campos Elíseos. Houve um aumento de 160% entre 2016 e 2017, o que levou o total de usuários no bairro a 1.861.
Inicialmente, o projeto se concentrou no quadrilátero entre a Avenida Rio Branco, a Rua Helvétia, a Alameda Cleveland e a Alameda Glete.
A ideia é que uma intervenção urbanística seja realizada nessa área a partir de cinco princípios que norteiam o projeto:
1 – atendimento habitacional diversificado conforme a realidade social e econômica dos moradores;
2 – preservação das tipologias arquitetônicas existentes;
3 – intervenções sobre as áreas vazias e subutilizadas, prioritariamente, das quadras e das áreas envoltórias;
4 – realocação definitiva de famílias e indivíduos que precisarem deixar as casas e espaços comerciais hoje ocupados em função das obras previstas no projeto;
5 – elaboração, discussão e aprovação das propostas de intervenção junto à comunidade, em todos os âmbitos e espaços decisórios, conforme determinado no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo para as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).
Com isso, as propostas da iniciativa se distribuem em três eixos:
Morar e Trabalhar
Esse eixo consiste em unidades habitacionais com aluguel subsidiado integral, ou parcial, para não comprometer mais do que 30% da renda familiar dos moradores.
Hotéis sociais também seriam construídos para permanência temporária, além de casas próprias que os moradores financiariam com prestações subsidiadas, e moradia terapêutica, que tem como objetivo favorecer o convívio social e fortalecer vínculos. A moradia terapêutica tem como foco as pessoas em situação de vulnerabilidade social e usuários de drogas da região, para que um trabalho de reinserção social e reabilitação seja realizado.
Um comércio social local também seria construído, em que, a partir do cadastro realizado pelo poder público, as oportunidades de emprego nos imóveis teriam prioridade para moradores da região.
Outro ponto são as oficinas compartilhadas, em espaços com equipamentos, ferramentas e maquinário disponível para trabalhar e aprender novas atividades.
Amar e cuidar
Este eixo tem como prioridade os usuários de drogas da região, com foco na redução de danos. Assim, em vez de obrigar os usuários a interromperem radicalmente o uso de drogas, gerando crises de abstinência ou os levando a abandonar o projeto, a iniciativa traz uma proposta terapêutica.
Com isso, além da moradia terapêutica presente no eixo anterior, o espaço de convivência de baixa exigência proposto ofereceria espaços de sociabilidade, produção cultural e intervenção na cidade, através da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade.
Já o espaço de convivência de média exigência ofereceria banhos, espaço de consumo higiênico de drogas adquiridas previamente, em um “ambiente ausente de julgamentos morais” e sob a supervisão de funcionários qualificados.
Serviços de educação e saúde também seriam oferecidos no local, além de um restaurante popular, que funcionaria também como cozinha compartilhada. Três refeições por dia seriam oferecidas e oportunidade de profissionalização de autônomos que trabalham em cozinhas improvisadas dentro de quartos de pensões, hotéis e ocupações na vizinhança.
Hortas comunitárias e domésticas seriam construídas para estimular o cultivo em áreas de uso coletivo e domiciliar, semelhante ao Programa Municipal de Agricultura Urbana e Periurbana (PROAURP), que tem o objetivo de incentivar e apoiar a produção agroecológica e comercialização na cidade de São Paulo.
Estar na Rua e Conviver
Neste eixo, o foco é restabelecer vínculos comunitários a partir de intervenções e programações no espaço público, além da criação de serviços que qualifiquem o território. O projeto elenca algumas necessidades consideradas emergenciais pelos seus idealizadores:
– rua aberta para pedestres aos finais de semana e feriados;
– espaços para brincar com equipamentos e materiais esportivos disponíveis pensados para diferentes faixas etárias;
– espaços de sociabilidade e experimentação coletiva, com programação diversificada de oficinas/atividades de formação e produção cultural;
– banheiros públicos, com duchas, chuveiros e utensílios de higiene pessoal disponíveis especialmente para as pessoas em situação de rua.
O tópico que foca na potencialização da cultura tem como estratégia aproximar os coletivos culturais, moradores, trabalhadores e população em situação de rua para que realizem ações conjuntas.
A proposta ainda será levada ao poder executivo para uma possível aprovação. De acordo com o vereador José Police Neto (PSD), que compõe a Comissão de Política Urbana da capital paulista, responsável por opinar sobre matérias de impacto urbanístico, o projeto apresentado tem potencial, mas ainda existem pontos a melhorar para que a iniciativa seja apresentada na Câmara dos Vereadores.