Em nove anos, 1,6 mil estudantes foram vítimas de sequestros na Nigéria
Sequestros de estudantes passaram a ser vistos como uma indústria lucrativa para criminosos. Resgates já geraram ao menos US$ 18, 34 milhões
Por: Mariana Lima
No dia 5 de julho, 140 alunos foram sequestrados de um internato em Chikun, na Nigéria. É o mais recente ataque a escolas e o décimo em pouco mais de sete meses no noroeste do país africano.
Com o episódio, o número de sequestrados em instituições de ensino desde dezembro de 2020 chega perto de mil, e 150 deles ainda estão desaparecidos.
A prática ficou comum na Nigéria, e especialistas apontam a existência de uma indústria em que criminosos lucram com a cobrança de resgates.
A situação se agrava com a pandemia, devido ao aumento do desemprego e da pobreza no país, tornando essa uma indústria lucrativa.
No último ano, a Nigéria viu sua taxa de desemprego chegar a 9,1%, um salto em relação a 2015, quando esse índice era de 4,31%, de acordo com o Banco Mundial.
Além da falta de trabalho, a impossibilidade de garantir a adequada qualificação e inserção dos jovens no mercado de trabalho potencializou esse tipo de atividade.
O caso mais famoso mundialmente ocorreu em 2014, quando 276 alunas de Chibok foram levadas pelo grupo terrorista Boko Haram. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, criminosos acompanharam as diversas negociações para recuperar as jovens e passaram a ver a prática como um negócio.
Desta forma, o que era uma tática para impor uma ideologia, uma vez que Boko Haram significa “educação ocidental é um pecado”, na língua hausa, transformou-se em uma indústria.
Indústria lucrativa
Um estudo da consultoria nigeriana SBM Intelligence analisou o pagamento de resgates entre junho de 2011 e março de 2020 e apontou que, no período pesquisado, os sequestros geraram ao menos US$ 18,34 milhões (R$ 95,5 milhões).
A maior parte desse montante, pouco menos de US$ 11 milhões (R$ 57,3 milhões), foi paga entre janeiro de 2016 e março de 2020. A concentração mostra que a disseminação da prática diminuiu o valor dos resgates.
Em 2020, mesmo em meio à pandemia, foram ao menos 413 sequestros, segundo o Monitor de Segurança da Nigéria, levantamento elaborado pelo think tank americano Council on Foreign Relations.
A cifra é mais do que o dobro da vista em 2018 (146), e 2021 caminha para ultrapassar o número mais recente, uma vez que apenas nos seis primeiros meses deste ano ocorreram 301 casos.
Em pouco mais de dez anos, esses sequestros somam cerca de 1.600 episódios, com mais de 9.000 vítimas – ou até mais que isso, pois em muitos casos a quantidade exata de pessoas sequestradas não é especificada.
Os casos são mais predominantes no norte do país, mas ganharam força também na região sul, onde os ataques têm alvos mais definidos. Com a explosão de sequestros, há registros de pedidos elevados de resgate.
Em Chikun, há pouco mais de dois meses, 22 alunos e três funcionários foram levados da Universidade Greenfield, e o valor demandado foi de 800 milhões de nairas nigerianas (R$ 10,1 milhões).
Após assassinarem cinco estudantes, os sequestradores ameaçaram matar outros 17 caso o governo não enviasse 100 milhões de nairas nigerianas (R$ 1,3 milhão), além dos 55 milhões de nairas nigerianas (R$ 700 mil) já pagos pelos pais.
O caso se desenrolou por 40 dias, e os alunos que permaneceram sob custódia foram libertados, sem que as condições para tal ficassem claras. O governo não costuma pagar os resgates, mas dirigentes locais muitas vezes se veem pressionados pela população e acabam cedendo aos pedidos.
Há também casos, como o da Universidade Greenfield, nos quais os pais se unem para reunir a quantia.
Além de gerar impacto emocional para pressionar o pagamento dos resgates, as escolas também são alvos desejados porque dispõem de pouca infraestrutura de segurança.
Educação em cheque
Enquanto funcionários responsáveis pela proteção dos estabelecimentos não possuem armas, os criminosos chegam com armamentos pesados e conseguem invadir os locais com facilidade.
Já escolas privadas, por terem mais verba, têm investido em empresas de segurança, mas há regiões onde locais de ensino foram fechados porque o governo não consegue garantir a proteção dos estudantes.
A situação se torna cada vez mais grave, e 80% dos entrevistados em uma pesquisa do Corpo de Segurança e Defesa Civil da Nigéria disseram avaliar as escolas do país como inseguras.
O temor de frequentar a sala de aula se torna então mais um fator no já complicado contexto educacional do país.
Em 2018, 27,6% das crianças entre 4 e 11 anos estavam fora da escola, taxa que subia para 32,6% no ensino médio (16 a 18 anos), de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Fonte: Folha de S. Paulo
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