População em situação de rua no Brasil cresceu 211% em uma década
Estudo preliminar do Ipea mostra dados preocupantes sobre a população em situação de rua no Brasil. De 2012 a 2022, o crescimento assustador e inédito foi de 211%. Segundo o relatório “População em situação de rua de 2023”, elaborado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 64% do total de municípios brasileiros possuem pelo menos uma pessoa em situação de rua; 62% estão na Região Sudeste.
Um estudo preliminar do Ipea mostra dados preocupantes sobre a população em situação de rua no Brasil. De 2012 a 2022, o crescimento foi de 211%, um crescimento assustador e inédito.
O termo “Em situação de rua” chamamos todas aquelas pessoas, famílias ou comunidades sem moradia estável, segura, permanente e apropriada, ou sem a perspectiva imediata de meios e capacidade de adquiri-la.
Segundo o relatório “População em situação de rua de 2023”, elaborado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, dos 5.568 municípios brasileiros, 3.354 (ou 64% do total) possuem pelo menos uma pessoa em situação de rua. Os números mostram que 62% dessa população está na Região Sudeste.
Entre os estados, São Paulo concentra a maior população, com mais de 95 mil pessoas (40% do total), sendo a maior parte na capital. Em termos percentuais, o primeiro da lista é o Distrito Federal, com quase 3 pessoas a cada mil habitantes. E num país onde o racismo ainda é uma prática comum, e que as oportunidades não são oferecidas na mesma proporção para pessoas negras e brancas, não surpreende que o perfil das pessoas em situação de rua seja: majoritariamente do sexo masculino (87%), adultas (55% têm entre 30 e 49 anos) e negras (68%, sendo 51% pardas e 17% pretas).
Em 2022, o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) registrou 236.400 pessoas (1 em cada mil) vivendo em situação de rua, abrangendo essa população em 64% dos municípios brasileiros. Para apoio deste público, entre 2017 e 2022 foi registrado o aumento de Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro Pop), somando 246 estabelecimentos e totalizando mais de 578 mil atendimentos.
Durante décadas, a população de rua era vista como sendo formada por mendigos, alcoólatras, preguiçosos, portadores de alguma doença mental, etc. Essas falas serviram como “combustível” de preconceitos e medo, e uma desculpa para o descaso e a não resolução deste problema.
Estudos mostram que existe uma alta incidência de problemas de saúde mental e uso de drogas (legais e ilegais) pela população em situação de rua, mas que em muitos casos é consequência e não causa de se estar na rua.
E foi por acreditar que os “vícios” precedem o morar na rua, que a maioria das abordagens para resolução do problema sempre pensaram no “tratamento antes da moradia”. Ou seja, espera-se que a pessoa em situação de rua comece um tratamento de saúde, participe de capacitações, procure trabalho etc, sem dar-lhe a certeza de um abrigo ao final do dia.
A existência de pessoas com problemas de saúde e dependência química entre a população em situação de rua faz com que imaginemos que eles não se encaixam na sociedade, e que não possuem a noção exata da vida em comunidade. Por isso, elas escolheriam as calçadas, praças, viadutos etc., como lar. Para o “senso comum”, viver na rua é uma opção! E foi assim, com uma visão equivocada sobre esse grupo, que fomos naturalizando a existência de pessoas em situação de rua.
Não existe um “padrão” de pessoa vivendo nas ruas, a população é incrivelmente diversificada. Hoje vemos famílias inteiras nas ruas (inclusive com crianças de colo), pessoas com doenças mentais, imigrantes, refugiados, jovens, etc. Não há um padrão! Essas pessoas (e famílias) não têm muito em comum entre si, além de serem extremamente vulneráveis e carecerem de moradia, renda adequada e dos apoios necessários para garantir sua permanência num lar.
A linha entre estar em situação de rua e ter um teto para morar tem ficado cada dia mais tênue. Em geral, os caminhos que têm levado pessoas para esta situação não são lineares, nem uniformes. As causas da falta de moradia refletem uma interação complexa entre fatores estruturais, falhas de sistemas e circunstâncias individuais. Viver nas ruas é geralmente o resultado do impacto cumulativo de vários fatores.
No entanto, a principal causa das pessoas estarem nas ruas é a pobreza. As pessoas que estão empobrecidas são frequentemente incapazes de pagar por necessidades como moradia, alimentação, assistência médica, educação etc. A pobreza pode significar que uma pessoa está a uma doença, um acidente, uma demissão de viver nas ruas.
Além disso, temos os fatores pessoais traumáticos que levam as pessoas para a situação de rua, tais como: morte de ente querido; término de relacionamento; violência doméstica; dependência química; abuso familiar; algum tipo de deficiência etc. A vivência de uma dessas situações, pode forçar indivíduos e famílias a saírem de casa repentinamente, sem apoio adequado.
Mulheres e jovens são os mais vulneráveis
Entre a população que se encontra vivendo nas ruas, existem dois subgrupos que merecem atenção especial: mulheres e jovens. Esse momento de vulnerabilidade é mais uma situação em que as mulheres são (ainda) as mais prejudicadas. Muitas delas, que sofrem violência doméstica e/ou vivem na pobreza, acabam se vendo forçadas a escolher entre relacionamentos abusivos e a falta de moradia.
É uma escolha que nenhuma delas deveria ter de fazer, pois quando ficam desabrigadas correm maior risco de violência, agressão, exploração e abuso sexual: só que agora cometidos por um estranho. E isso pode explicar (em parte), porque muitas vezes algumas mulheres permanecem em relacionamentos perigosos, ficando em casa mesmo quando essa situação não é segura, em vez de se submeter ao incrível risco de viver nas ruas.
Outro grupo que fica muito vulnerável nas ruas são os jovens. Muitos dos que estão nas ruas são vítimas de abuso sexual, físico ou psicológico dentro de casa. A situação dos jovens LGBTQI que vivem em situação de rua é ainda pior. Estes jovens, que poderiam estar na escola, mas muitas vezes não estão por conta do bullying, acabam por ter poucas chances para encontrar emprego e alcançar segurança econômica, o que afeta diretamente, sua oportunidade de encontrar moradia adequada.
O preconceito e a discriminação desempenham um papel importante, quando vemos que as minorias sexuais estão sobre representadas nas populações de jovens na rua. Isso é o resultado da tensão entre o jovem e sua família, amigos e comunidade. Estudos mostram que quase dois terços destes jovens em situação de rua tiveram problemas de saúde mental e ficaram mais propensos a depressão, transtorno bipolar e suicídio.
Precisamos compreender que esses grupos vivem a situação de rua de formas diferentes. Essas diferenças são importantes ao considerar os métodos de abordagem, pois uma estratégia única não conseguirá atender a todos esses grupos.
“A perda de moradia precisa ser enfrentada com uma política habitacional robusta e equitativa. A existência de locais para dormir, como albergues, abrigos e casas de passagem, influencia tanto no local de pernoite quanto no acesso a outros serviços e políticas públicas, quando estruturado de forma integrada e intersetorial. Porém, são necessárias políticas mais estruturantes, como o Programa Moradia Primeiro, que tem sido apontado como estratégia prioritária pelo MDHC”, indica o relatório.