Haja Ritaleena para o mundo do século XXI!
Por Rodrigo Fonseca Martins Leite
Os neurocientistas apontam para a importância das memórias afetivas positivas para tornar mais toleráveis os períodos de estresse e angústia ao longo da vida. Frequentemente, estas memórias vêm acompanhadas de trilha sonora. A música tem essa capacidade de tornar fluidos os limites entre passado e presente e reviver emoções, histórias, narrativas e sonhos.
Os tempos atuais descaracterizam a experiência humana com a música. Nos tempos áureos do vinil, ouvir música fazia parte de um ritual: contemplar a capa, colocar a agulha, acompanhar as letras, se encantar ou desgostar.
Os streamings não favorecem a audição de discos inteiros. Fragmenta-se a experiência ao ouvirmos trechos de músicas que têm a tarefa impossível de agradar nos primeiros segundos de audição. Do contrário, pula-se para a próxima… Música virou pano de fundo, enquanto sempre fazemos algo supostamente mais importante. E as letras das músicas atuais? O que têm nos dito? Melhor parar por aqui…
Rita Lee pertence a este universo de um relacionamento espiritual com a música e a cultura, típico da cultura Pop dos anos 1960. Ela trouxe questões atualíssimas – drogas, meio ambiente, respeito aos animais, vegetarianismo, feminismo, inconformismo frente a poderes falidos, a morte em si – e pagou o preço inúmeras vezes.
Além das pautas políticas no sentido mais ampliado do termo, filosofava com a linguagem do jovem sobre ritos de passagem, inadequação e exclusão. Se sentir uma ovelha negra na família, nas instituições ou na sociedade é um motor de transformação e emancipação existencial. E ela nos acalantou no processo de lidar com a dor e incentivou a rebeldia, uma “marginalidade benigna” como disse certa vez Gilberto Gil. Revolta sem inteligência, humor e criatividade não dá pé.
As coisas da vida precisam de arte, cultura, música e vidas inspiradoras. Rita Lee viveu e morreu assim, sendo professora de um jeito mais alegre de viver, sem luxo ou lixo. Manter a sanidade num mundo cada vez mais intolerante, algoritmizado e violento exige um medicamento psicodélico: A Ritaleena pode ser consumida sem contra-indicação. Reações adversas podem incluir euforia, sonhos vívidos, celebração da existência, respeito à diversidade, ousadia e conexão. Use sem moderação. Obrigado, Rita!
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*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião do Observatório do Terceiro Setor.
Sobre o autor: Rodrigo Fonseca Martins Leite é médico psiquiatra pelo IPq HCFMUSP, mestre em políticas públicas e serviços de saúde mental, produtor da mídia social “psiquiatra da sociedade”.