Brasil está acima da média mundial em consumo de bebidas alcoólicas
O país tem a quinta maior taxa de mortes relacionadas ao consumo de álcool nas Américas
Por: Isabela Alves
Em 2016, cada brasileiro com 15 anos ou mais bebeu, em média, 8,7 litros de álcool. A média mundial é de 6,4 litros por pessoa. Os dados são do estudo World Health Statistics 2017, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Outro dado alarmante aponta que, por ano, o álcool é responsável pela morte de pelo menos 80 mil pessoas nas Américas, e o Brasil tem a quinta maior taxa de casos relacionados ao consumo de bebida no continente. Considerando apenas a taxa de mortalidade entre os homens, o Brasil tem a terceira maior taxa de mortes por consumo de álcool das Américas.
O alcoolismo atinge 12% dos adultos brasileiros e responde por 90% das mortes associadas ao uso de drogas. “O álcool é uma das drogas mais perigosas, porque ela é silenciosa. Além de causar sérios danos ao cérebro, o usuário consome e acredita que está no controle”, explica a psicóloga Priscila Alcântara da Costa. Segundo a especialista, o uso abusivo do álcool pode ser detectado a partir de certos sinais, como perder o horário do trabalho, gastar mais do que o orçamento permite e mentir para familiares.
Muitas vezes, a bebida não soa como uma ameaça. Mas, assim que o comportamento do usuário começa a apresentar alterações, ele e a família são afetados de forma negativa. “Os dependentes desenvolvem diversos problemas psicológicos, como pânico, estresse e ansiedade, e a família tenta sanar os buracos deixados por eles”.
Para uma boa recuperação do dependente químico, é necessário que o indivíduo entenda que precisa de ajuda, aprenda a lidar com os seus atuais dilemas e se aprofunde na raiz do problema. A família tem um papel fundamental neste momento.
É um processo árduo que exige muita compreensão, principalmente nos casos de recaída. “Reconstruir-se como ser humano e reconhecer as causas para ter começado a usar drogas é um processo longo e complicado. Eu digo que não existe cura para a dependência química. Todo dia é uma nova luta contra o vício”, conclui a psicóloga.
Os impactos do vício
Getúlio dos Reis nasceu na Bahia e foi criado apenas pela mãe. O pai o abandonou antes mesmo de ele nascer. Com nove filhos para criar, tidos em diferentes relacionamentos, a mãe de Getúlio se mudou para São Paulo e começou a trabalhar como diarista.
Assim que recebia o salário, a mãe de Getúlio parava de trabalhar e só voltava a procurar emprego quando o dinheiro acabava. Assim, a situação financeira da casa era sempre crítica. A mulher também nunca estava presente nos assuntos da família e as crianças foram crescendo sem atenção materna ou paterna. Ao completarem a maioridade, iam procurando seus próprios rumos.
Um dos irmãos, Alexandre, começou a trabalhar aos 15 anos em um supermercado para auxiliar na renda familiar. Foi ele que praticamente criou Getúlio. “Eu comprava as roupas e a alimentação. Ele ganhou o primeiro carrinho por minha causa”, conta Alexandre José dos Reis, 45 anos, técnico em informática.
A vida de Getúlio mudou depois que seu pai biológico veio morar em São Paulo. Após 12 anos longe do filho, ele decidiu se aproximar. Na tentativa de criar algum laço afetivo, o pai o convidou para trabalhar em seu bar.
“Ele colocou meu irmão para tomar conta do comércio sozinho em alguns horários. Foi daí que ele começou a beber. Ele bebia qualquer coisa alcóolica: cerveja, cachaça, conhaque. E minha mãe, que sempre enxergava a vida em cor de rosa, nunca achou que aquilo ia causar algo. Quando percebeu a gravidade da situação, já era tarde”, relata Alexandre.
Com o passar do tempo, a relação delicada entre pai e filho fez com que Getúlio saísse do bar e procurasse outro emprego. Ainda menor de idade, começou a trabalhar como ambulante no trem entre as estações de Itapevi e Júlio Prestes. Nas horas vagas, se juntava a outros meninos para fumar cigarro e maconha.
No período em que Getúlio estava trabalhando no comércio ilegal, Alexandre havia se mudado para Tatuí, interior de São Paulo. Bastaram dois meses, no entanto, para que Getúlio desistisse ir morar com o irmão.
A família começou a notar um comportamento estranho, após ver que o jovem ia todas as tardes a uma casa em construção. “Um dia, entrei na casa e quando o encontrei foi a primeira vez em que o vi fumando maconha”. Alexandre ficou desolado ao encontrar o irmão naquela situação e disse: “Eu não te considero mais o meu irmão. Quando você parar de usar essas porcarias, aí volto a falar com você”.
A fala causou um choque em Getúlio, já que Alexandre era uma das pessoas que mais se importavam com ele. Depois da bronca, resolveu mudar de vida e ter mais responsabilidades. Mas, como só tinha estudado até a quarta série, não encontrava muitas opções de emprego. Foi trabalhar em uma roça.
Devido à situação de trabalho degradante, sem pagamento de direitos trabalhistas e nem assinatura na carteira de trabalho, os trabalhadores decidiram colocar os responsáveis pela roça na justiça. Getúlio recebeu 800 reais de indenização, mas o dinheiro acabou rapidamente após gastar tudo em bebida e cigarro.
Getúlio começou a entrar em desespero, pois não tinha mais renda para sustentar o vício. Foi quando três rapazes da cidade lhe fizeram uma proposta: assaltar um posto de gasolina, o que lhe renderia 3 mil reais. Dois dos rapazes estavam armados. A tentativa de assalto deu errado e Getúlio foi preso, acusado por formação de quadrilha e assalto à mão armada. Acabou passando seis anos na cadeia por isso.
Ao ser solto, começou a frequentar muitas festas e a beber de forma excessiva. Somando isso à falta de instrução e aos antecedentes criminais, ele não conseguia emprego em lugar algum.
Para não ser um peso para a família, decidiu morar na rua. Chegou a ficar três meses desaparecido. Passou fome e frio. Posteriormente, foi encontrado em uma rodoviária. “Ele voltou abatido, tremendo por conta da abstinência. Não tinha controle sobre os próprios movimentos. Foi aí que decidi interná-lo”, conta Alexandre. Getúlio passou cinco meses internado em uma clínica particular.
Quando saiu, sentia-se cansado, desmotivado e não tinha mais esperança de que um dia sua vida iria melhorar. “Duas semanas depois, voltou a beber. Acreditava que bebendo iria esquecer os problemas”, relata Alexandre, com a voz embargada.
Sua mãe, ao saber do problema com alcoolismo, simplesmente lhe deu as costas. Getúlio só podia contar com a ajuda do irmão. Alexandre então decidiu chamá-lo para morar na sua casa de novo. Mas não demorou muito para que o comportamento de Getúlio deixasse a família desconfortável.
“Ele começou a beber muito, então eu falei que ele não podia mais entrar bêbado na minha casa. Por mais que me doesse, eu tinha que pensar no bem-estar da minha família. Aí ele escolheu voltar para as ruas novamente”, conta Alexandre. Na época de inverno, Getúlio procurou albergues para dormir, mas, por sempre arranjar brigas e entrar com bebida alcoólica no lugar, acabou sendo expulso.
Getúlio teve uma parada cardíaca aos 30 anos de idade e, após os exames gerais, os médicos diagnosticaram uma cirrose. Sua situação era tão crítica que o médico lhe disse que se continuasse naquele ritmo só viveria mais seis meses.
“Quando uma pessoa está nessa situação, a gente começa a compreender a complexidade do problema. Muita gente pensa que é safadeza, mas você sente do fundo do coração que ele quer parar, que está fazendo um mal para ele mesmo, mas não consegue. Quando eu virava as costas, ele estava do mesmo jeito, parecendo um trapo humano”, conta o irmão.
No início de maio deste ano, ele procurou abrigo em uma igreja e um pastor lhe sugeriu que ele fosse internado novamente. Atualmente, Getúlio está em uma clínica de reabilitação. Seu irmão ainda acredita na possibilidade de recuperação, mas confessa que está cansado de lutar por uma causa que até agora não gerou nenhum resultado.