O acupunturista que cuida de dependentes químicos em situação de rua
Ramon Reis dos Santos Oliveira, de 27 anos, criou o Desintoxica SP. O projeto, que já atendeu mais de mil pacientes em situação de vulnerabilidade social, busca agora se estender para todo o Brasil
Por: Isabela Alves
A acupuntura é uma terapia milenar de origem chinesa que acabou ficando muito popular no ocidente. Ela consiste na aplicação de agulhas bem finas em pontos específicos do corpo, para melhorar a imunidade e tratar problemas emocionais e doenças físicas.
Ramon Reis dos Santos Oliveira, de 27 anos, é especialista nesta área há 9 anos, e há seis ele se dedica a usá-la no tratamento da dependência química de cigarro, álcool, crack e cocaína.
Segundo ele, a acupuntura atualmente auxilia no tratamento de diversos problemas de saúde, de ordem crônica, social (quando a pessoa não consegue se relacionar) e de digestão (quando a pessoa não consegue comer ou está sem ânimo para isso).
São mais de 1.500 pontos no corpo que representam cada órgão e víscera, e cada um deles interfere em uma emoção. “A gente vai ressignificando alguns pontos e isso realmente faz a diferença na vida das pessoas. A acupuntura faz você se interessar de novo pela vida”, diz Ramon.
O projeto Desintoxica São Paulo surgiu em maio de 2017, quando Ramon decidiu atender pessoas em situação de rua de maneira gratuita. A ação começou com pacientes da Cracolândia, que iam ao seu ambulatório próximo à Estação da Luz. Pouco tempo depois, o projeto chegou ao Brás, ao Jardim Peri-Peri e ao Canindé.
Para conseguir esse feito, o acupunturista fez parcerias com paróquias e igrejas, para ter locais onde realizar as consultas. Além disso, através de um financiamento coletivo, ele conseguiu quase 15 mil reais para a compra de agulhas, algodão e macas.
“Não precisa de muito para fazer o negócio acontecer. Eu faço o diagnóstico do paciente e o atendimento acontece uma vez por semana. Cada consulta dura cerca de 20 minutos. A gente vem trabalhando com a lógica de redução de danos”, relata.
O projeto conta atualmente com 30 voluntários, que formam uma equipe multidisciplinar com educador físico, nutricionista, biomédico, médico, enfermeiro e terapeuta. Todos também são especialistas em acupuntura.
Muitos deles trabalham em hospitais particulares ou com homecare. Por conta da rotina corrida, Ramon pede para que eles participem do projeto apenas uma vez ao mês ou a cada quinze dias. Assim, o profissional não irá se desgastar e sempre se sentirá confortável em realizar o trabalho.
Para atuar como voluntário na iniciativa, o interessado precisa passar por um workshop para aprender a atender de maneira humanizada a população mais carente. No dia do workshop, um dependente químico é convidado para falar sobre a sua realidade e como é possível fazer as abordagens.
Gustavo Alves Pereira, de 28 anos, estudou junto com Ramon na Humaniversidade Holística em 2012 e é um dos voluntários. Ele conta que, apesar de ser um serviço muito rotativo e atender muitos pacientes, ele busca sempre fazer o seu melhor ao tentar entender como a pessoa foi parar naquela situação de vulnerabilidade, e não tratar apenas o sintoma. Para ele, o vício ou a doença é a consequência de um trauma.
“O voluntariado é algo que alimenta o coração, engrandece o espírito e é uma cura para mim também, porque estou aprendendo muito. O que mais a pessoa precisa é se sentir amada. A vida é desafiadora para todo mundo, mas tendo um espaço uma vez por semana no qual você se sinta acolhido, onde você sente que tem gente que se importa com você, esse amor já dá uma força. Não dá para fugir dos problemas, mas aí a pessoa vai lidar com eles de outra forma”, diz.
Uma das maneiras de fazer com que o paciente participe da consulta é através de uma ficha lúdica. Nela, o paciente consegue indicar onde sente dor, há quanto tempo está na rua e descrever como está a sua vida atualmente. Até agora, mais de mil pacientes foram atendidos pelo projeto social e Ramon quer ir além.
“Quero levar o projeto para São Paulo inteiro. E evoluir também para o Desintoxica Brasil. Profissionais de Florianópolis, Distrito Federal e Rio Grande do Sul já entraram em contato comigo para fechar o projeto”.
O tratamento humanista com os pacientes
O local é a Associação Aliança de Misericórdia – Casa Restaura-me, localizada no Brás, na região central de São Paulo. Pessoas dos mais diversos perfis chegam ao local.
Na sala de espera, a maioria está sentada em cadeiras de plástico conversando sobre a vida, escutando o rádio, lendo o jornal, mexendo no celular ou apenas dormindo sentado. O consultório é simples: uma maca no centro da sala amarela, uma mesa com a mochila do médico e uma garrafa de álcool.
Uma mulher que aparenta ter 40 anos está sendo atendida e está deitada de bruços. As agulhas são colocadas nas suas costas e tornozelos. Ela se sente relaxada, fecha os olhos e descansa. Para cada tratamento são utilizadas de 20 a 40 agulhas, e todas elas são descartáveis.
Os próximos pacientes, que nunca fizeram o tratamento, olham a mulher na maca surpresos. Muitos se sentem receosos em fazer o tratamento por conta das agulhas, mas Ramon os deixa assistir à consulta justamente para lhes dar mais segurança. “Há pessoas que querem receber o tratamento, mas têm medo de agulha. Pela limitação do medo, a pessoa não faz”, explica Ramon.
Luiz Paulo tem 22 anos e é um desses pacientes que têm medo das agulhas. Ele sai do consultório, mas volta 20 minutos depois. Mais calmo, ele relata que fugiu de casa, pois não se dava bem com o padrasto. Atualmente, ele procura um albergue fixo para dormir na região de Itapevi, na Grande São Paulo.
Luiz conheceu o projeto através de um amigo que havia sido internado com ele em um hospital psiquiátrico em Parelheiros. Sobre a experiência da internação, Luiz Paulo diz, triste: “lá eles só dão remédio para controlar a pessoa”.
Ramon se aproxima de Luiz, mostra as agulhas e fala que vai colocar com cuidado em seu joelho. O jovem fica imóvel, solta um gemido baixinho enquanto elas são inseridas no seu corpo, mas permanece. Depois elas são colocadas também na sua testa e no peito.
“Se você estiver sentindo vontade de chorar, chora. Essa dor, essa angústia… Vamos trabalhar nisso agora”, diz Ramon ao jovem. Enquanto Luiz Paulo está sendo tratado, outro paciente chega e deita na maca. O outro homem conta que já realizou yoga, quiropraxia e terapia, e esta é a sua terceira sessão de terapia com Ramon.
Ele chega ao consultório com um corte profundo no pé e pede álcool ao acupunturista, mas não conta como ocorreu o corte. Das outras vezes em que participou de tratamentos alternativos, ele conta que o fez para melhorar o seu físico. Desta vez, ele quer se livrar do vício em nicotina.
Ramon insere na sua orelha um cone hindu, feito a partir de cera de abelha, parafina e algodão cru, embebido em óleos essenciais e ervas medicinais. “Dá uma tranquilizada na cabeça”, explica o médico. Depois da consulta, o paciente foi encaminhado para um ambulatório para tratar do ferimento no pé.
Ramon coleciona diversas histórias de pacientes que se recuperaram do vício e estão felizes, e também de pacientes que tiveram recaídas. “A recaída também faz parte do processo. Quando isso acontece, o paciente é aceito da mesma maneira generosa que na primeira vez. Nós dizemos ‘por favor, fique’, e aí o tratamento começa de novo”, conclui.
Douglas
03/12/2019 @ 21:12
Um belo trabalho, o que mostra que sempre é possível fazer algo pelo próximo, buscando parcerias, se unindo na busca de recuperar aquele que mais precisa. Parabéns
Fabiana Cristina de Oliveira
08/12/2019 @ 18:14
Lindo trabalho, o que vai trazer mais refrigério à nossa sociedade são as iniciativas da sociedade civil . Parabéns!
Cauê Procópio
11/12/2019 @ 15:04
Graças a pessoas como o Ramon que o mundo ainda não acabou. Resistência sempre. Ótima matéria.
FERNANDA
07/01/2021 @ 11:32
Quanta administração! Sou acupunturista também, confesso ter tentado fazer algumas pessoas parar de fumar, mas não obtive sucesso. E desisti. Talvez me falte sensibilidade. Gostaria muito de melhorar meu mundo lindo, e acredito que resgatar as pessoas que se fazem mal, me faria bem.
maria madalena callegaro
23/09/2022 @ 13:05
Que trabalho fantástico. Precisa de reforço no seu time?