Covid-19: morador da periferia morre devido à distância até o hospital
Estudo do IPEA revela que 228 mil pessoas de baixa renda e acima dos 50 anos residem a mais de 30 minutos a pé de uma unidade de saúde. Pesquisa foi feita nas 20 maiores cidades do país
Por: Mariana Lima
Gilmar Souza de Oliveira era motorista de aplicativo e pai de família. Residia no bairro do Pantanal, em Duque de Caxias, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. No dia 20 de abril, começou a apresentar os primeiros sintomas da Covid-19.
Nos dias seguintes, a febre baixa que ele apresentava no início se tornou alta, perdeu o olfato, passou a ter falta de ar e o quadro foi se agravando. Os poucos hospitais na região em que vivia já estavam lotados. Assim, Gilmar teve que aguardar uma transferência para a cidade de Volta Redonda, a mais de 130 quilômetros de sua residência.
Nove dias após o surgimento dos primeiros sintomas, Gilmar faleceu aos 51 anos, deixando esposa, dois filhos, duas netas e um neto. A esposa de Gilmar teve os sintomas junto com o marido, mas se recuperou após 15 dias em isolamento.
Apesar de estarem na segunda maior cidade do Estado do Rio de Janeiro, com 920 mil habitantes, Gilmar não conseguiu um leito. A cidade registrou até o dia 26 de maio 1.953 casos e 187 mortes. Nas proximidades da casa de Gilmar, não há nenhum posto de saúde ou hospital do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para ir até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima é necessário percorrer alguns quilômetros de carro ou ônibus, e ainda passar por uma passarela para cruzar a rodovia Washington Luís. Uma distância praticamente impossível de se percorrer a pé.
A região também possui poucos hospitais que realizam internações de casos graves de infecções respiratórias, como o Hospital Municipal Dr. Moacyr Rodrigues do Carmo e o Hospital Estadual Adão Pereira Nunes Saracuruna.
Gilmar e família se dirigiram ao hospital municipal. Ele ficou na UPA ao lado do hospital, que já estava lotado. Foram realizados exames que revelaram um caso de infecção urinária e a diabetes descompensada, além da febre alta.
No dia 23 de abril, após a primeira ida à UPA, os médicos mandaram a família para casa. Gilmar retornou no dia seguinte e, devido ao agravamento do seu estado, ficou internado até o dia 26, respirando com o auxílio de oxigênio.
Com a melhora do quadro, retornou novamente para casa, mas às 6h40 na manhã seguinte ele já estava de volta ao centro médico. Apenas neste momento foi realizada uma tomografia.
Ele passou o dia todo em uma cadeira de rodas esperando o resultado do exame, que saiu por volta das 19h, e só foi internado novamente às 22h, ficando no corredor da sala amarela da UPA.
Gilmar não chegou a fazer o teste para a Covid-19, mas a tomografia indicava a existência de características da infecção pelo vírus.
No dia 28, Gilmar foi transferido para a sala vermelha da UPA, destinada para os casos mais graves, e intubado. Com a lotação do hospital ao lado, Gilmar teve que aguardar a transferência. Faleceu no dia seguinte. Sua família só conseguiu enterrá-lo no dia 1º de maio, com caixão lacrado.
Alguns dias após a morte de Gilmar, a prefeitura de Duque de Caxias inaugurou o Hospital São José, destinado para o tratamento da Covid-19 de forma exclusiva no município.
Dados
Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre o acesso ao SUS nas 20 maiores cidades do país, entre elas Duque de Caxias, mostra que 228 mil pessoas acima dos 50 anos e de baixa renda não poderiam, por causa da distância, caminhar por menos de 30 minutos até uma unidade de saúde do SUS que faz triagem e encaminha os casos suspeitos de Covid-19 a hospitais.
Além disso, 1,6 milhão de pessoas que estão dentro deste perfil moram a mais de cinco quilômetros de um hospital com capacidade para internar pacientes em estado grave de insuficiência respiratória com suspeita de coronavírus. O estudo também foca nos 50% mais pobres da população, que dependem mais do sistema público de saúde e enfrentam maiores dificuldades de mobilidade urbana.
Só no município de Duque de Caxias, 81 mil pessoas estão em situação de vulnerabilidade, entre as quais 13,5 mil estão longe de unidade de saúde e 67 mil vivem distantes dos hospitais em que internam casos graves de infecção respiratória. Todo esse cenário indica que 82,4% da população vulnerável tem pouco acesso aos SUS para realizar a internação.
Fonte: El País – Brasil