Brasil tem uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas
Religiões afro-brasileiras, como umbanda e candomblé, são as mais atingidas
Por: Isabela Alves
A intolerância religiosa vem crescendo no Brasil. Apenas entre janeiro de 2015 e o fim do primeiro semestre de 2017, o disque 100, canal que reúne denúncias, recebeu 1.486 queixas. Isso significa que o Brasil registra uma denúncia do tipo a cada 15 horas.
Segundo a análise da Secretaria Especial de Direitos Humanos, os principais alvos das discriminações religiosas são as religiões afro-brasileiras, com 39% das denúncias.
“As religiões de matriz africana, por terem nascido com os escravos, carregam uma história de minoria, um estigma de que se nasceram com os escravos não são boas. Se hoje ainda existe o preconceito na questão racial, lógico que isso vai ser refletido no campo religioso”, opina João de Freitas, 27 anos, ator, professor de idiomas, e frequentador da umbanda há 27 anos.
A umbanda surgiu nos subúrbios do Rio de Janeiro e depois se estendeu para a América Latina. Suas crenças misturam elementos do candomblé, do espiritismo e do catolicismo. Segundo um estudo do IBGE, apenas 0,2% dos brasileiros são adeptos a essa religião. No entanto, ela se encontra em primeiro lugar no ranking das religiões mais discriminadas.
“A intolerância religiosa tem aumentado, mas ela vem desde os primórdios. Eles sempre colocaram a umbanda e o candomblé como religião da macumba, religião que faz coisas erradas”, comenta Paulo Roberto Ferracina, de 49 anos, Sacerdote Umbandista da Tenda de Umbanda Caboclo Pele Vermelha e Pai Xangô.
O preconceito gera ódio e pode incitar à violência. Santos são quebrados, templos invadidos e destruídos, há agressões verbais e físicas, e até tentativas de homicídio.
Os fiéis que lutam pelo direito de expressar sua fé
Maria Gabriella Cadete de Lima, de 22 anos, auxiliar de veterinária, teve seu primeiro contato com a religião no início de 2016, quando seu amigo a chamou para ir a um centro de umbanda. No início ela não se adaptou à religião, mas levou aquele primeiro momento como experiência. Depois de algumas situações que ocorreram na sua vida, ela decidiu entrar para a umbanda de vez.
“Minha vida mudou completamente. Eu sofria de depressão, síndrome do pânico, ansiedade. Em dois anos, houve várias tentativas para tirar minha vida e desde que eu entrei na umbanda eu me curei de tudo isso, encontrei forças para mudar e hoje não tenho mais nada do que eu tinha antes”, conta.
Sua família, que consiste em mãe, pai e irmão, é católica. No início, Gabriella escondeu da família a sua religião e só depois de muita conversa eles a aceitaram. Posteriormente, a moça descobriu que a avó e a bisavó também praticavam a umbanda e o candomblé. Assim que soube, teve coragem de assumir sua religião para o resto dos familiares. Mas, mesmo assim, ela sentiu certo preconceito.
“Eles ficavam perguntando ‘A Gabi está indo naquela religião? Ela não estava bem e ainda vai para esses lugares?’”, relata.
Fora do contexto familiar, a jovem nunca sofreu preconceito por causa da religião, por ser reservada em relação a sua vida espiritual, mas conta que muitos praticantes sofrem no cotidiano. Um exemplo que pode ser citado é quando os umbandistas e candomblecistas são chamados de macumbeiros quando usam suas vestes na rua. Nestes contextos, o termo é carregado de preconceito, remetendo a feitiçarias ou charlatanismo.
“A sociedade usa o termo como se fosse um xingamento, uma maneira de agredir o outro. Aí você percebe que muitas vezes o problema não é a palavra em si, mas como é utilizada”, explica Gabriella.
O ator e professor de idiomas João Freitas teve seu primeiro contato com a religião antes de nascer, segundo ele. Seu avô é presidente do terreiro que ele frequenta há quase 50 anos. “Eu lembro de pequeno que eu sempre quis participar, sempre me encantei, sempre aquilo me fez bem. Quando você é criança, você não entende muito, mas me lembro que eu sempre quis muito ir”, lembra.
João conta que nunca precisou esconder a sua religião. “Eu me considero privilegiado, porque essa não é a realidade para a maioria dos umbandistas”. No entanto, João lembra que chegou a sofrer preconceito por uma parte da sua própria família. Alguns parentes que pertenciam à umbanda, mas depois se tornaram evangélicas. Assim que entraram em outra religião, começaram a menosprezar a fé do rapaz.
“Eu já cheguei a escutar que me amavam muito, mas que não iam compactuar com a minha adoração ao diabo. É muito duro você ouvir isso. Para mim a pessoa que fala isso não tem nenhuma religião, ela acha que tem, ela acha que está fazendo o certo, mas está perdida. É uma violência gratuita e muito ódio”, desabafa.
Para João, a educação é a chave fundamental para causar verdadeiras mudanças. Não é necessário enaltecer uma religião, mas sim discutir e deixar claro que respeitar a fé do próximo é necessário. “Eu trabalho em escola e eu sei o quanto as crianças chegam com muito preconceito. Vem de casa, vem da família, vem da educação, vem do templo religioso que elas frequentam. Mas eu acredito que a escola tem o poder de integrar”, conclui.
O que diz a lei
De acordo com o quinto artigo da Constituição, o brasileiro tem direito ao “livre exercício de cultos religiosos e tendo garantida a proteção aos seus locais de culto e às suas liturgias”. As penas previstas no Código Penal para crimes de intolerância religiosa são multa ou detenção, de um mês a um ano. Se ocorre algum ato de violência, a pena aumenta em um terço. No entanto, a intolerância continua ocorrendo no país.
“Foi divulgado que existem comunidades hoje no Rio de Janeiro em que é proibido a pessoa ter roupas, colares e imagens de santos. Se eles pegam, eles vão quebrar. Em determinadas comunidades, não se pode expressar outra fé além da evangélica”, conta João de Freitas.
Atualmente existe também o projeto de lei 790/2017, que visa penalizar a intolerância contra religiões de origem africana em São Paulo. Será multado quem causar danos aos objetos de culto, perturbar a prática religiosa ou depredar templos e terreiros.
Caso o projeto seja aprovado, os infratores ficarão de fora de concursos públicos da capital paulista por três anos e terão que pagar multa de R$ 2 mil, em caso de reincidência. O projeto aguarda avaliação da Comissão de Constituição e Justiça desde dezembro do ano passado, e após as comissões, o projeto ainda precisará passar por duas votações na Câmara antes de ser enviado para ser sancionado ou vetado pelo prefeito João Doria (PSDB).
“Futebol, política e religião nunca vão ter um consenso, porém não ataque a nossa religião. Não existe essa coisa da sua religião ser melhor que a outra e nós só pedimos respeito”, conclui Paulo Roberto Ferracina, Sacerdote Umbandista da Tenda de Umbanda Caboclo Pele Vermelha e Pai Xangô.
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