Historiadora e ativista do movimento negro conversa com o Observatório
Luana Tolentino chamou atenção nas redes sociais após negar convite para participar de programa da Rede Globo e publicar texto sobre o assunto
O último dia 18 de fevereiro era para ser um dia normal na vida da historiadora e professora Luana Tolentino, mas uma ligação mudou isso. Era um convite para participar do ‘Caldeirão do Huck’, programa semanal da Rede Globo, no qual seria homenageada pelo Dia Internacional da Mulher, agora em março. Luciana agradeceu, mas recusou o convite.
Mais tarde, resolveu comentar o assunto em sua página no Facebook, falando dos motivos que a levaram a dizer não. E veio algo ainda mais surpreendente que o telefonema: uma enxurrada de curtidas, comentários e compartilhamentos no post – a maioria de gente que ela nunca viu na vida –, além de milhares de solicitação de amizade na rede social.
O motivo para tanto sucesso repentino? Luana havia escrito em oito parágrafos curtos uma reflexão que, embora partisse de sua experiência pessoal, dizia respeito a boa parte dos brasileiros. Ela falou do mito da meritocracia, da “espetacularização que é feita com a vida das pessoas que têm uma ‘história de superação’”, da objetificação das mulheres em alguns programas de TV e dos desafios que uma pessoa negra enfrenta simplesmente por ser negra.
Luana falou abertamente de temas que muitas pessoas evitam, às vezes por medo de serem consideradas “vitimistas”. E, principalmente, ela conseguiu dizer não a uma proposta que mesmo outros ativistas que não aprovam o conteúdo geral do programa ou da emissora possivelmente aceitariam, pela visibilidade que algo assim pode gerar. Luana foi elogiada por muitos justamente por não trair os seus princípios
Por que ela foi escolhida pela produção do programa
Luana nasceu em uma família humilde de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e precisou lutar muito para se formar em História e se tornar professora em escolas públicas da cidade.
Na adolescência, a moça trabalhou como faxineira e empregada doméstica. Hoje, aos 32 anos, está começando seu mestrado em Educação, na Universidade Federal de Ouro Preto.
Por tudo isso, o programa queria mostrar uma “história de superação”, algo que não agrada muito Luana. Para ela, esse tipo de abordagem reforça o mito da meritocracia, a ideia de que quem se esforça tem sucesso e de que aqueles que não conseguem o sucesso não se esforçaram o suficiente. Em vez desta visão, ela prefere a de que é preciso lutar por mudanças estruturais na sociedade, para que cada vez mais pessoas tenham chances concretas de se realizarem pessoal e profissionalmente.
A seguir, confira as respostas da historiadora a algumas perguntas do Observatório:
1 – De um modo geral, você acredita que estamos avançando rumo à igualdade de gênero e racial?
Sim, eu tenho uma visão otimista. Claro que as mulheres, principalmente as negras, ainda são as que mais sofrem com a violência, as que mais morrem. Mas, por outro lado, vemos mudanças positivas, como o maior número de universitárias negras.
2 – O que você pensa sobre a lei de cotas?
Eu apoio totalmente. É uma medida para reparar desigualdades históricas. Há quem defenda que é preciso melhorar a educação básica e que é isso o que vai levar mais pessoas pobres e negras para a universidade, e eu até concordo, mas isso vai demorar muito para se tornar realidade. Não podemos esperar 40 anos. É preciso, sim, investir na educação básica da escola pública, mas, para o momento, as cotas são o caminho mais curto para que essas pessoas tenham acesso à universidade.
Outro ponto importante é acabar com a falácia de que as cotas diminuem a qualidade do ensino. Está mais do que comprovado que os alunos cotistas normalmente têm desempenhos tão bons quanto ou até melhores que os demais alunos.
3 – Como você vê o tratamento que os meios de comunicação dão às mulheres? E às pessoas negras?
As mulheres e as pessoas negras costumam aparecer de um jeito muito estereotipado. As mulheres são transformadas em objetos, os negros em empregados ou malandros. Tudo isso me incomoda muito. Eu nem tenho mais paciência para assistir à televisão. Há de se admitir, no entanto, que estão ocorrendo avanços. O que a Taís Araújo e o Lázaro Ramos estão conseguindo é histórico, é algo para se comemorar. Em mais de 50 anos de TV no Brasil, é a primeira vez que um casal negro é protagonista.
4 – O que representou para você toda a repercussão do seu texto sobre a recusa do convite do programa ‘Caldeirão do Huck’, no Facebook?
Eu sempre achei que a internet deixa as pessoas vaidosas, e eu sempre tentei evitar esse comportamento. Quando eu escrevi aquele post, fiz isso sem pretensão nenhuma, apenas porque tinha ficado surpresa com o convite e queria comentar o assunto. Num primeiro momento, deu até vontade de sair correndo quando vi as proporções que o texto estava tomando. Foram milhares de curtidas, milhares de solicitação de amizade no Facebook, mensagens… O que me deixou feliz em meio a tudo isso foi sentir que eu tinha dito o que muita gente tinha vontade de dizer.