Mobilidade paulistana ganha destaque no Observatório do Terceiro Setor
A implantação de nova política de transportes na cidade de São Paulo será acompanhada pelo jornalista e ciclista Rogério Viduedo
Em 27 de outubro de 2015, a cidade de São Paulo ganhou mais 1,1 quilômetro de ciclovia. Localizado na Vila Maria, o novo segmento de via exclusiva para o transporte por bicicletas agora integra uma malha que totaliza 365,4 quilômetros. As longas tiras vermelhas separando ciclistas de automóveis e pedestres são parte integrante e talvez irreversível de um processo que visa aproximar São Paulo das melhores práticas de administração municipal, encontradas em Paris, Berlim, Londres e Nova York.
Comparada às grandes cidades mundiais, São Paulo já se equipara à Copenhague, Bogotá, Paris e Amsterdã, que possuem entre 350 e 400 km de extensão de ciclovias. As ciclovias fazem parte de um plano de mobilidade mais ambicioso da prefeitura. O objetivo é desprivatizar o espaço público tomado pelos carros e propriedades e priorizar as formas de integração entre munícipes.
Para o prefeito paulistano, devem-se quebrar paradigmas. “A maneira como nós concebemos as metrópoles no passado não vai prevalecer por uma questão material. Estamos começando uma jornada para tentar transformar o que é problema em solução, por mudança de comportamento. Uma grande parte dos problemas urbanos são comportamentais; das pessoas saberem viver em comunidade”, declarou Fernando Haddad durante debate sobre metrópoles realizado na capital no último dia 7 de outubro.
O desafio do poder público tem, no entanto, esbarrado na falta de números para comprovar os benefícios que os R$ 30 milhões de reais investidos até este momento na construção desses equipamentos têm trazido para a população. Para seus opositores, o prefeito é um fascista que impôs, de cima para baixo, uma redução do espaço de circulação de automóveis que agora se veem espremidos entre as faixas exclusivas para ônibus e as faixas para ciclistas.
Em março deste ano, a promotora de justiça estadual responsável pelas questões de urbanismo e meio ambiente chegou a pedir na Justiça a paralisação de todas as obras cicloviárias, incluindo a recomposição da pavimentação dos canteiros centrais, das vias e calçadas em que os serviços não foram terminados. O alvo naquela época era a iminente inauguração da ciclovia da avenida Paulista, cartão de visita da prefeitura no tocante ao tema e antiga reinvindicação de cicloativistas, devido às mortes ocorridas ao longo da avenida em anos anteriores.
Ao julgar a liminar impetrada pelo MP, o desembargador Marcos Pimentel Tamassia não reconheceu os argumentos da promotoria e indeferiu o pedido. Afirmou na sentença: “Não há como se entender leviana ou ilegal a opção do governo municipal pelos 400 km de ciclovias”. O juiz entende que a ação da prefeitura possui algumas falhas, mas que não podem comprometer todo o projeto. “Isso não implica que deva haver paralisação ou retrocesso do projeto que se apresenta como alternativa a uma melhor mobilidade urbana, que está no limite do caos na cidade de São Paulo”.
Resta aos defensores das ciclovias trabalharem em dobro para mostrar os benefícios das ciclovias. O primeiro desafio é mostrar quem são e por onde andam os ciclistas da cidade. É um trabalho pioneiro, pois não existe uma série de pesquisas históricas com esse foco. Até o surgimento da Ciclocidade, ONG exclusivamente voltada para o transporte em bicicletas, era o Metrô a única entidade a obter dados sobre a forma como o paulistano se locomove.
A pesquisa Origem e Destino é atualizada a cada cinco anos e o último levantamento, divulgado em 2014, observou os modos de deslocamento de aproximadamente 8 mil moradores da região metropolitana de São Paulo entre 2012 e 2013. Do total de 43 milhões de viagens realizadas, apenas 300 mil foram por bicicletas, ficando este modo de transporte na 10ª colocação entre os 12 existentes.
Com a criação da Ciclocidade, as pesquisas específicas começaram a aparecer e a partir de 2010 iniciou-se a construção de uma base de dados históricos para serem confrontados no futuro. A mais abrangente delas ouviu 1804 ciclistas que pedalam ao menos uma vez por semana. Os questionários foram aplicados entre 10 e 28 de agosto de 2015, de segunda a sexta-feira nos horários entre 6h e meio dia e entre 16 e 20 horas. A pesquisa pode ser baixada aqui.
A pesquisa descobriu, por exemplo, que 39% dos entrevistados possui entre 25 e 34 anos de idade, 42% possuem ensino médio completo, 28% recebem entre 1 e 2 salários mínimos e 38,5% utilizam a bicicleta cinco dias por semana. Quando o foco está no gênero de ciclistas, percebeu-se que a região central de São Paulo possui mais mulheres do que na periferia, 23% das entrevistadas, enquanto nos extremos da cidade são apenas 9%. Em relação ao uso da ciclovia, 45% dos entrevistados disseram que sempre pedalam na rua, o que mostra a necessidade da prefeitura em aumentar a infraestrutura cicloviária.
É ponto pacífico entre a Secretaria Municipal de Transportes e o grupo de ativistas, que a infraestrutura é quem atrai a demanda e não o contrário. Outra pesquisa da Ciclocidade é a série de contagem de ciclistas em regiões específicas que tem comprovado essa teoria. Após a abertura da ciclovia no canteiro central da Avenida Paulista, o número de ciclistas por hora triplicou, passando de 52 em 2010 para 150 em setembro deste ano.
O Observatório do 3º Setor me convidou para acompanhar esta transformação pela qual passa a cidade. Escreverei aqui as experiências, ideias e fatos sobre a mobilidade paulistana sob a ótica do repórter, do ciclista e do cidadão paulistano que passou a se locomover prioritariamente com bicicletas a partir de 2013.