Suicídio: a importância de falar sobre o problema para preveni-lo
Como uma série colocou o tema em evidência e incentivou as pessoas a pedirem ajuda
*Com colaboração de: Natália Zanardi e Aline Correia
Um tema que foi tratado com discrição durante muito tempo. Que permaneceu às escondidas para não “incentivar” outras pessoas. Que está vendo o número de casos crescer em todo o mundo, e que hoje começa a ser debatido: suicídio.
Pensar em tirar a própria a vida é mais frequente do que parece, principalmente entre pessoas que sofrem de doenças como a depressão – considerada a doença do século –, bipolaridade e esquizofrenia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio já é a segunda principal causa de mortes entre pessoas de 15 a 29 anos de idade em todo o mundo. Apenas os acidentes de trânsito matam mais nessa faixa etária.
E atualmente já se discute como falar sobre o tema pode ajudar na prevenção de novos casos. A abordagem do assunto, no entanto, precisa ser cuidadosa, como alerta a OMS.
13 Reasons Why
Após o lançamento da série ‘13 Reasons Why’, da Netflix, no dia 31 de março de 2017, muitas pessoas decidiram falar sobre suicídio, principalmente nas redes sociais. E uma das principais questões levantadas foi o que leva alguém a se matar.
A série, inspirada em um livro lançado em 2007, conta a história de uma adolescente que comete suicídio e deixa 13 gravações em fitas cassetes com os porquês de ter feito isso. As fitas chegam às mãos de um de seus amigos, citado em uma das gravações, e daí em diante o espectador fica entretido com o segredo de cada uma das fitas e dos motivos. Denúncias de bullying, estupro e de casos de depressão são mostradas pouco a pouco, motivo pelo qual a discussão estrou em pauta.
Há especialistas que se preocupam com o fato de alguns jovens quererem imitar a série, trazendo-a para a vida real. Como o fato ocorrido em 1774 na Europa, onde um livro levou muitos jovens a se suicidarem. A ideia de apontar os culpados é outro fator que preocupa especialistas.
O ponto positivo da série está em incentivar jovens que se sentem na mesma situação que a personagem principal a buscarem ajuda. Porém, quase simultaneamente com o lançamento da série, houve a difusão de um jogo que serviu como um “empurrãozinho” para aqueles que já estavam pensando em tirar a própria vida.
A Baleia Azul
O jogo A Baleia Azul começou na Rússia e foi responsável por cerca de 130 suicídios de jovens no país. A “brincadeira” nada mais é do que uma série de desafios passados por um “mentor” através das redes sociais em conversas fechadas.
Segundo investigações, os mentores coagem as crianças e os adolescentes a participarem do jogo dizendo que eles possuem informações da vida e dos familiares desses jovens. O problema além dessa situação é que o último dos 50 desafios propostos por eles é o suicídio. Entre esses desafios estão assistir a filmes de terror, praticar automutilação e roubar.
Mas por que o jogo já teve tantas pessoas que, mesmo sabendo do desafio final, quiseram jogá-lo?
Para o psicanalista Marcos Wagner, problemas sociais e na maneira de pensar dessas pessoas são os principais motivos para elas perderem a vontade de estar vivas, principalmente na adolescência. “O rebaixamento da importância do núcleo familiar, a superficialidade como a nossa geração tem tratado a vida, a ‘falta de tempo’, ausência de diálogo, o enfraquecimento da relação parental, a relativização de valores, a terceirização da educação, a quebra da transmissão familiar, de alguma forma têm dificultado que jovens e adolescentes encontrem as pistas que os levarão ao caminho de um propósito existencial”, afirmou o especialista. “O jogo dá sentido ao propor pequenos passos e reconhecer, recompensar a cada acerto ou fase proposta. Num momento onde a autoafirmação está sendo construída e a constituição do Ser está em processo, ser desafiado e conseguir ‘entregar’ pode ser algo fascinante”.
Números
Com a grande repercussão da série ‘13 Reasons Why’, o Centro de Valorização da Vida (CVV) recebeu cerca de 400% a mais de ligações, e-mails e mensagens de pessoas buscando ajuda ou que conhecem alguém que possa estar pensando em se suicidar.
Quanto ao jogo ‘A Baleia Azul’ no Brasil, há diversos casos de tentativa de suicídio suspeitos de envolvimento com o jogo, e ao menos três já foram confirmados.
Segundo a OMS, a depressão afeta atualmente cerca de 300 milhões de pessoas no mundo. Em 10 anos esse número acresceu quase 20%. No Brasil, quase 6% da população sofre com a doença, equivalente a cerca de 11 milhões de pessoas.
Experiência
A jovem Jamilly Santos, de 24 anos, teve dois casos de suicídio na família: seu tio, Marcos dos Santos, morreu aos 30 anos, e seu primo, Henrique dos Santos, aos 18. Jamilly disse que depois de seus familiares colocarem um fim em suas vidas, ela e o restante da família começaram a analisar os comportamentos das vítimas momentos antes dos suicídios.
Como não podemos deixar de falar, cada caso é diferente do outro, pois cada pessoa tem seus próprios problemas e maneiras de lidar com isso, não sendo possível fazer uma generalização.
No caso da morte de Marcos, Jamilly afirmou que o tio era tímido, mas brincalhão e amoroso, e tinha histórico com drogas como maconha e cocaína. Já Henrique, que também fazia o uso de drogas, tinha um temperamento introvertido, era bastante sensível e chorava por tudo. A família suspeita que o suicídio de Henrique aconteceu por problemas com traficantes, por causa de uma carta que ele deixou à família. Sobre Marcos as suspeitam ficam mais difíceis, pois nada foi deixado.
Uma das reações da família às mortes pelo suicídio foi a procura de lugares para cura espiritual, como a igreja. “O impacto de um suicídio é enorme, pois além da dor ainda tem o medo de que volte a acontecer”. Mas ela também citou que as atitudes das pessoas em sua família mudaram depois dos ocorridos. “Hoje procuro sempre dar uma palavra amiga; minha família é muito mais amorosa agora. Minha avó era bem rude, e hoje só recebe os filhos e netos na casa dela com beijo e abraço, chamando a gente de amor.”
“A principal lição que tiramos de todo esse sofrimento é que ninguém sofre por nada. É sempre bom estarmos presentes na vida das pessoas que amamos, perguntarmos se está tudo bem, e se estiver, fazermos de tudo para que continue. Queria muito que meus familiares tivessem encontrado alguém naquele momento de angustia que pudesse oferecer a eles um abraço, um sorriso, uma palavra de conforto”, concluiu.
Prevenção
O primeiro passo para ajudar uma pessoa que está sofrendo é conversar com ela, sem julgá-la ou minimizar o que lhe causa sofrimento. O youtuber Felipe Neto divulgou um vídeo falando sobre o assunto e dizendo que tem depressão. Ele aconselhou os jovens a se abrirem e não sentirem vergonha de admitir que estão doentes e que precisam de ajuda.
Após esse reconhecimento sobre os próprios sentimentos e sobre a doença, é necessário buscar ajuda de um médico, terapeuta, psicólogo ou psiquiatra.
A depressão é uma doença tratável, que requer acompanhamento médico. E na maioria dos casos há a utilização de medicamentos e terapias.
Para os pais de crianças e adolescentes, a dica é dedicar o máximo possível de tempo e atenção aos filhos, incentivando-os a compartilharem o que pensam e sentem. Além disso, é importante acompanhar o que eles estão fazendo, observar com quem eles andam e com quem conversam pela internet.
Caso conheça alguém que esteja nessa situação, tendo pensamentos suicidas, ligue para 141 e siga as instruções do Centro de Valorização da Vida. O atendimento é oferecido 24h e os voluntários estarão prontos para ajudar.