Estatuto da Criança e do Adolescente – da proteção à participação
Desde a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e, 30 anos depois, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, consideradas no Brasil pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), bem como o Estatuto da Juventude (2013), estudiosos e organizações enfrentam o desafio de entender qual o sentido da participação na vida de um jovem.
Entrevistando alguns jovens de Grêmio Estudantil de Mogi das Cruzes, percebi que a importância de participar, na escola, de instâncias de decisão, vai muito além de matar aula.
Sim, ao se tornar candidato a gremista, a primeira motivação de muitos jovens é sair de sala de aula para as reuniões e demandas do Grêmio. Mas, não vamos falar sobre como as dinâmicas de sala de aula poderiam ser otimizadas se contassem com a participação ativa dos jovens.
O fato é que os relatos de gremistas sobre suas experiências têm me ensinado muito. De um jovem de 15 anos, por exemplo, ouvi o seguinte:
“Como gremista, posso participar da melhoria da minha escola, algo que afeta toda a comunidade. Participo e organizo festas, campanha do agasalho etc. Posso dar um conselho ao futuro gremista: Seja responsável, pois é necessária grande responsabilidade para coordenar projetos que podem mudar sua vida dentro e fora da escola.”
Uma jovem de 16 anos me ensinou o seguinte:
“O grêmio me engajou na política pública me tornou protagonista. É um meio importante em que podemos fazer a diferença na educação de nosso país. A educação é a salvação. Em muitos momentos você poderá se perceber desanimado, mas lembre-se de seus propósitos.”
Dei dois exemplos, mas poderia colocar aqui centenas de narrativas destes jovens inspiradores. Parece que a cultura adultocêntrica, que supostamente protegia o jovem, o que fazia era abafar todo este potencial que a juventude tem de transformar, de reinventar.
Fazia? Agora, como adultos, já sabemos abrir espaço para a participação de crianças e jovens, para a escuta atenta de suas demandas?
Se os adultos não forem o obstáculo, os jovens participarão, construindo um projeto de vida de impacto, decidindo quem são seus verdadeiros representantes, desde cedo. Lidarão com problemas reais e trabalharão sobre soluções relevantes para a comunidade. Basta já de que o professor peça para que o aluno imagine coisas e ache que isso é resolver um problema. Com tantos problemas reais e urgentes, que relevância há em imaginar que Fulano comprou 10 melões na feira (quem compra dez melões e por que o faria?) e quanto gastou blá, blá blá… Importante é pensar em quem nem tem para um melão e como a comunidade pode apoiar para que esta realidade se transforme! Sim, a criança e a juventude podem contribuir com decisões, ideias, estratégias.
Acaso como adultos sabemos mesmo decidir? Vamos falar sobre as recentes decisões e escolhas políticas tomadas por adultos? Melhor mudar de assunto, não é mesmo?
Basta que aceitemos que não se educa para a cidadania, mas na cidadania, no pleno exercício dos direitos, sobretudo do direito de ser ouvido, de participar.
Comecemos pensando em nossas casas. Que decisões as crianças e adolescentes podem tomar? Que instâncias de diálogo criamos? Que tarefas delegamos a eles? E na escola? Existem grêmios estudantis ou grupos de responsabilidades liderados por estudantes? As decisões são compartilhadas com adultos? As famílias participam e aprendem nos espaços escolares sobre a importância de ouvir, de respeitar, de participar e dar lugar a que a participação ocorra? Se a resposta a mais de uma destas perguntas for negativa, estamos ainda em um modelo de escola negligente e perpetuadora das desigualdades.
Os Estudos da Criança, especialmente a Sociologia da Infância, apontam para a necessidade de se colocar a criança no centro do processo de participação, tal como propõem documentos como a Convenção Internacional de direito da Criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil, o Estatuto da Juventude e o Projeto Gestão Democrática da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, dando lugar a que ela seja sujeito de direito e de participação investigativa, com vez e voz, minimizando a tradicional relação de poder que parte da figura do adulto, baseada no argumento de que a criança é um ser incapaz, incompetente.
Não se trata de dar voz à criança e sim de não a silenciar. A cultura adultocêntrica, ainda vigente, demanda que os adultos também aprendam como dar lugar à participação infantil. Sarmento & Pinto (1997) alertam para o fato de que a participação é dos direitos da criança, o que menos progresso registra, mantendo a assimetria adulto criança.
Portanto, compreender como se dá, na prática, esta participação, colocando em evidencia as reflexões dos participantes, sobretudo dos mais interessados, as crianças, será uma ferramenta útil que possibilitará compreender o objeto de estudo – a participação infantil – e evitar práticas equivocadas no que diz respeito à participação real e às inferências que se faz sobre isso quando sem a participação dos interessados: a criança e a juventude.
Fico em choque quando vou a eventos que, supostamente, estão preocupados em entender a infância e a juventude, mas não trazem este público para perto de si, trabalham sobre dados frios e hipótese, ignorando este tal sujeito de direito.
Não se pode, à luz da Sociologia da Infância, invisibilizar este grupo social, impedindo-o de participar, tomar parte, sob pena de termos adultos pouco participativos das decisões sociais, que relegam tal participação aos seus representantes políticos, entendendo que sua função social e seu exercício de democracia se limita a votar. Criança e jovem podem e devem participar! Criança e jovem têm voz! Adulto deve ter respeito!
Referências e sugestões para avançar na temática:
SARMENTO, M. J., & Pinto, M. As crianças e a infância: Definindo conceitos delimitando o campo. In M. J. Sarmento & M. Pinto (Orgs.), As crianças: Contextos e identidades (pp. 9-30). Braga: Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho. 1997.
PASSEGGI, Maria da Conceição. Narrar é humano! Autobiografar é um processo civilizatório. In: Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alternativas de formação. Maria da Conceição Passeggi; Vivian Batista da Silva (orgs.). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
HART, ROGER A. La participación de los niños: de una participación simbólica a una participación auténtica. Ensayos Innocenti.1993.nº 4, UNICEF.
FERNANDES, N. Infância, direitos e participação: representações, práticas e poderes. Porto: Edições Afrontamento, 2009.
BRASIL. Lei n. 12.852, de 05 de agosto de 2013. Dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude – SINAJUVE. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm>. Acesso em: 24/07/2017.
BRASIL. São Paulo. Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Projeto Gestão Democrática. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/gestaodemocratica>. Acesso em: 24/07/2017.
Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90. Disponível em: <https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/91764/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-lei-8069-90>. Acesso em: 10/07/2018.
Estatuto da Criança e do Adolescente em quadrinhos da turma da Mônica – Maurício de Souza. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/monica_estatuto.pdf>. Acesso em: 09/07/2018.
Artigo de Hélio Feltes Filho. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13377&revista_caderno=12>. Acesso em: 10/07/2018.
Documentário – Quando sinto que já sei. Mostra experiências de crianças e jovens que participam das decisões em seus espaços. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg>. Acesso em 10/07/2019.
Documentário – A Educação proibida. Filme sobre o direito de participar, sobre como o ensino tradicional invisibiliza a existência da criança e do jovem. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OTerSwwxR9Y>. Acesso em: 09/07/2018.
Estatuto da Criança e do Adolescente - Observatório 3° Setor
12/07/2018 @ 16:40
[…] programa também contou com a coluna ‘Um Pingo de Educação’, da professora Irene Reis dos Santos, da CORE – Comunidade Reinventando a […]