A rainha angolana que se tornou símbolo da resistência aos portugueses
Conhecida por sua valentia e inteligência, a Rainha Njinga, de Angola, tornou-se uma importante figura da resistência dos povos africanos ao colonialismo europeu no século 17
Por: Mariana Lima
Valente, inteligente e cruel. São a esses adjetivos que os historiadores recorrem quando tratam da história da Rainha Njinga de Angola (também conhecida como Ginga ou Nzinga). Sua trajetória pode ser desconhecida para populações estrangeiras, mas em seu país ela é lembrada como uma líder da resistência contra a invasão portuguesa e por lutar contra a escravidão de seu povo por quatro décadas.
Njinga Mbandi viveu como líder do povo Mbundu e rainha de Ndongo e Matamba, região do sudoeste do continente africano. No idioma local – kimbundu -, seu verdadeiro título era ‘Ngola’. Esse termo era usado pelos portugueses para chamar a região que hoje é conhecida como Angola.
Njinga nasceu em 1583, oito anos após soldados de Portugal invadirem a região em busca de ouro e prata. Ao não encontrem as minas, optaram por escravizar a população local para garantir mão de obra para a colônia brasileira.
Por crescer nesta realidade de exploração, Njinga passou a integrar ainda muito jovem a resistência contra os portugueses em parceria com o seu pai, o rei Ngola Mbandi Kiluanji.
No entanto, após a morte de seu pai, em 1617, o irmão de Njinga, Ngola Mbandi, assumiu o poder. Por não ter o carisma do pai ou a inteligencia de sua irmã, Ngola ordenou a execução do único filho de Njinga devido ao medo de um levante popular em favor dela. Mas logo aceitou as sugestões de seus conselheiros e cedeu o poder a sua irmã, após se ver incapaz de lidar com a invasão portuguesa que vinha causando muitas baixas entre a população local.
Njinga era conhecida como uma grande estrategista, além de ser fluente em português por ter sido educada por missionários. Essas caraterísticas se tornaram fundamentais para que negociasse com Portugal e assinasse um acordo de paz.
Quando chegou a Luanda para negociar com os invasores, Njinga encontrou uma cidade povoada por pessoas negras, brancas e mestiças. Mas a imagem que a chocou foi a de escravos enfileirados para serem vendidos e colocados em grandes navios.
Ao chegar ao palácio do governador português João Correia de Souza, Njinga protagonizou uma cena cheia de referências simbólicas. O governador estava sentado em uma poltrona confortável, enquanto para ela não havia nada mais que um tapete no chão. Sem dizer uma palavra, Njinga direcionou um olhar a uma de suas criadas que se ajoelhou e reclinou-se à frente do governador para que Njinga sentasse em suas costas e ficasse na mesma altura que a autoridade portuguesa.
Falando em pé de igualdade, os dois concordaram com a retirada das tropas portuguesas de Ndongo e o reconhecimento da soberania de Njinga, desde que o território ficasse aberto aos portugueses para criarem rotas comerciais.
Visando melhorar as relações, Njinga aceitou até mesmo ser batizada como Ana de Souza e se converter ao cristianismo aos 40 anos de idade. Mas as boas relações não duraram muito.
A liderança feminina não era comum em seu povo, e após a morte suspeita de seu irmão em 1624 – muitos suspeitam que ela havia se vingado pela morte do filho – , Njinga tornou-se a nova rainha de Ndongo. Para alcançar essa posição, pesquisadores apontam que ela teria recorrido à ajuda de grupos de guerreiros de Imbangala, que residiam na fronteira do reino, para amedrontar rivais e fortalecer sua posição.
Reforçando sua liderança ao longo dos anos, Njinga conquistou o reino vizinho de Mutamba e defendeu ativamente seus territórios.
O escritor de ascendência luso-brasileira e autor do romance ‘A Rainha Ginga’, José Eduardo Agualusa, informou em entrevista à BBC News que Njinga se aliava aos holandenses em momentos convenientes contra os portugueses e buscava apoio nos portugueses para lutar contra outros reinos da região.
Sua vida sexual também é alvo de pesquisas. Em meio ao conflito com portugueses, havia na região boatos de que Njinga matava seus amantes após passarem a noite juntos. Pesquisadores apontam que esse aspecto de sua vida deve ser analisado com cuidado, já que existem muitas versões, e que muitas foram contadas por seus inimigos.
O reinado da Rainha Njinga durou 40 anos, uma vez que liderou uma forte oposição às tentativas de conquista portuguesas através de operações militares.
Após perceber que nada poderia ser feito contra a força de uma rainha já idosa, Portugal acabou renunciando ao desejo de conquistar Ndongo em um tratado ratificado em Lisboa no ano de 1657.
O documento em questão permitia que Njinga continuasse comandando seu território, mas teria que ceder boa parte de seu poder. A Rainha Njinga morreu em 17 de dezembro de 1663, aos 82 anos, tendo passado metade de sua vida liderando a resistência contra a colonização que os europeus queriam impor na região.
Após a sua morte, Portugal conseguiu acelerar a ocupação na área. Ainda assim, a figura de Njinga é lembrada por toda Angola, servindo de inspiração para nomes de escolas e ruas, além de já ter tido seu rosto estampado na moeda local. Também é fonte de inspiração para filmes, livros e fez parte de uma série de publicações de ilustrações da Unesco sobre mulheres africanas históricas.
Fonte: BBC News