Ação humana ameaça tartarugas marinhas, existentes há milhões de anos
As tartarugas marinhas vivem no planeta desde a época dos dinossauros. Ações humanas, no entanto, ameaçam sua sobrevivência
Por: Isabela Alves
As primeiras tartarugas surgiram há, aproximadamente, 220 milhões de anos. E as tartarugas marinhas, há 110 milhões de anos.
Em todo este tempo, elas precisaram enfrentar muitas adversidades, incluindo o meteoro que levou os dinossauros à extinção, 65 milhões de anos atrás. Nenhum perigo, no entanto, foi maior do que o trazido pelas ações humanas.
O plástico foi criado a partir dos anos 1900 e hoje representa 80% do lixo encontrado nos oceanos, sobretudo na forma de sacolas e garrafas. Em seguida vêm metal, vidro, roupas e outros artigos têxteis, borracha, papel e madeira processada.
Um estudo apontou que, atualmente, existem cerca de 14 milhões de toneladas de plástico no fundo do oceano. E estimativas indicam que a quantidade de lixo plástico nos oceanos até 2040 chegará até a 29 milhões de toneladas.
Existem sete espécies de tartarugas marinhas no mundo. Destas, cinco podem ser encontradas no litoral brasileiro: a Cabeçuda, de Pente, Verde, Oliva e de Couro.
Em setembro de 2019, o Projeto Tamar – que é referência na pesquisa, proteção e manejo das tartarugas marinhas do país – chegou à marca de 40 milhões de tartarugas marinhas protegidas.
Apesar disso, há muito que ainda precisa ser feito. Além da grande quantidade de lixo nos oceanos, de acordo com o Greenpeace Brasil, atividades econômicas, como a exploração de petróleo, também estão causando um impacto negativo na vida destes animais. No ano passado, a organização internacional fez um curta-metragem de animação chamado ‘Jornada das Tartarugas’ para mostrar parte dos desafios enfrentados pelas tartarugas marinhas.
Vazamento de óleo no Nordeste em 2019 piorou cenário
Alice Frota, de 27 anos, trabalha há 5 anos como voluntária do Instituto Verdeluz. A instituição promove educação ambiental e também faz pesquisas sobre as tartarugas marinhas na Praia do Futuro, em Fortaleza.
A bióloga, que atualmente é mestranda em Ciências Marinhas Tropicais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), afirma que apenas através das pesquisas mais recentes foi possível descobrir a existência das tartarugas na região, já que nem mesmo a população local havia visto.
Ela reflete que a situação de vida delas ficou ainda mais degradante após o surgimento das manchas de petróleo no litoral nordestino, em 2019.
Depois do óleo, a quantidade de encalhes mais que dobrou. O episódio, que ocorreu em 30 de agosto de 2019, foi um dos maiores desastres ambientais que já ocorreram no Brasil.
Um estudo do Instituto Verdeluz apontou que a quantidade de tartarugas marinhas encalhadas no litoral cearense nos primeiros meses deste ano já é superior ao número registrado no primeiro semestre de 2020.
Até o início de abril, foram 50 animais encalhados. De janeiro a julho do ano passado, foram 32.
“Ao encontrar uma tartaruga encalhada, não pode mexer nela e é preciso deixá-la confortável. Tire ela do sol ou do vento e procure deixá-la úmida, mas não a jogue de volta no mar novamente. As tartarugas possuem pulmão e precisam respirar. Se ela bater a cabeça, pode morrer afogada”, ensina Alice.
Em novembro de 2020, a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará anunciou a criação de um quarentenário para as tartarugas da região para que elas tenham um centro de cuidados mais próximo.
“O quarentenário funciona como ambulatório, mas também necrópsia para entender por que elas morrem tanto. O nosso instituto não tem apoio e é composto apenas por voluntários. Ver as tartarugas lutando pela vida faz o nosso trabalho valer a pena”, conta.
O momento da desova e o nascimento dos filhotes
Renato Cesar, de 48 anos, é biólogo marinho e em 2015 criou o INTERPESCA, projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) que investiga as razões dos encalhes das tartarugas no litoral oeste de Fortaleza, em Caucaia.
Muitas morriam por conta das redes de pesca ou estavam entupidas de plástico, por confundirem o material com alimentos como algas, corais e águas vivas.
Os pescadores e jangadeiros foram os primeiros a notar a existência das tartarugas e ver que elas estavam se reproduzindo.
“Passamos então a realizar palestras em escolas e com os moradores, pois bons indicadores de meio ambiente também movimentam o turismo local”, diz. Neste ano, eles já localizaram 21 ninhos com ajuda da população e os animais levam de 40 a 60 dias para a desova.
A comunicação ocorre através do WhatsApp ou das redes sociais. Também é possível fazer a notificação no aplicativo Tartarugando, onde é possível fazer o registro de ocorrências. Além disso, o usuário consegue aprender a diferença entre as espécies.
Com a ferramenta, as pessoas passaram a fazer denúncias no Brasil inteiro, então eles começaram a repassar a informação para o Projeto Tamar.
“Quando nascem, as tartarugas se guiam pela luz das estrelas e da lua, refletida no mar. Por conta dos holofotes, elas estão indo na direção contrária e somente algumas sobrevivem. É necessária uma adequação nas épocas de reprodução”, relata.
O biólogo afirma que as luzes são necessárias para a segurança dos turistas da região, mas que é preciso pensar em uma solução que também não agrida a vida dos filhotes. João Pessoa, na Paraíba, foi o primeiro município do Brasil a fazer a adequação de luzes na praia.
Segundo ele, também é necessário ter um olhar individual para as diferentes realidades nos litorais brasileiros. Em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, a desova ocorre entre outubro e março, enquanto no Ceará ocorre entre janeiro e julho.
O biólogo relata que é recompensador fazer os resgates e ajudar no nascimento dos filhotes. “Quando elas nascem, as crianças vêm olhar e eles apostam uma corrida com as tartarugas para ver quem chega primeiro. Através disso, a criança cria consciência ambiental. O ser humano tem a capacidade de conviver com o meio ambiente sem o destruir”, conclui.
É importante ressaltar que não se pode tocar nas tartarugas filhotes no momento do nascimento. Caso elas estejam indo na direção oposta ao mar, é preciso guiá-las com a luz de uma lanterna ou celular para o mar.
A importância da educação ambiental
Tassiana Cassia Santos Bezerra, de 28 anos, é médica veterinária e voluntária na ONG Ecoassociados, que há 23 anos cuida das tartarugas marinhas no litoral pernambucano.
Eles monitoram a reprodução das tartarugas, que ocorre entre maio e junho, estudam as causas de morte, promovem educação ambiental e ainda possuem um Museu em Porto de Galinhas para que a população local se conscientize a respeito da importância da preservação do meio ambiente.
A ONG também indica nas praias quais os locais corretos para o descarte de lixo, já que muitas tartarugas marinhas morrem por engolir sacolas, bitucas de cigarro e até pedaços de plástico de Tupperware.
“As ações humanas e a urbanização são as coisas que mais prejudicam a vida das tartarugas. Eles passam com veículos inadequados na praia e até roubam ovinhos do ninho”, conta Tassiana.
Quando uma tartaruga é encontrada em situação de risco, recebe os primeiros socorros no local e é encaminhada a outro município para procedimentos mais detalhados, porque o local ainda não tem estrutura para cuidar destes animais.
Tassiane afirma que ações simples como recolher o próprio lixo na praia já ajudam muito o meio ambiente. Além disso, é preciso investir em pesquisa para descobrir maneiras de salvar essas vidas.
“É prazeroso trabalhar com as tartarugas, mas muitas que encalham não sobrevivem. É difícil de ver. As pessoas precisam aprender que o ambiente humano e animal estão conectados e um depende do outro”, conclui.