Bebê brasileiro ficou semanas detido ao entrar nos EUA sem os pais
O bebê de 1 ano e meio é uma das 123 crianças brasileiras que cruzaram a fronteira do México com os Estados Unidos sem a companhia de seus responsáveis
Por: Mariana Lima
Com pouco mais de 1 ano e meio, o bebê brasileiro João (nome fictício para proteger sua identidade) se viu sem seus pais e familiares em uma casa na qual ninguém falava português, no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos.
João passou a ficar tímido e calado nas semanas em que esteve em um lar temporário, rodeado de sons em inglês, enquanto sua família vivia a angústia da dúvida sobre se voltaria a vê-lo.
Ele é uma das 123 crianças do Brasil que cruzaram a fronteira do México com os Estados Unidos sem a companhia dos responsáveis.
De acordo com a lei americana, só os pais ou um guardião ou tutor oficial são considerados responsáveis legais por menores de 18 anos. O número, referente ao ano fiscal de 2021 até maio, é recorde, segundo a Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos.
A história do bebê revela os perigos e sofrimentos de uma jornada imigratória irregular que tem se tornado cada vez mais popular entre brasileiros que querem tentar a vida nos EUA, mas não têm visto para isso.
Apenas em abril e maio, na média, os agentes americanos encontraram ao menos um menor de idade brasileiro desacompanhado dos responsáveis por dia.
Embora possa surpreender, o número é pequeno se comparado às 80 mil crianças e adolescentes de diferentes nacionalidades que fizeram o trajeto até maio do ano fiscal de 2021, gerando uma crise administrativa no governo do democrata Joe Biden.
A história de como João chegou aos Estados Unidos, no entanto, não lembra as cenas da câmera de segurança no Texas, que, em março, flagrou o momento em que duas meninas equatorianas eram lançadas de cima do muro que divide a fronteira.
Sozinhas na escuridão da noite, ambas foram detidas por agentes americanos, que as levaram ao hospital. Já o bebê brasileiro chegou nos braços dos avós.
De acordo com autoridades diplomáticas que atuaram no caso ouvidas pela BBC News Brasil reservadamente, já que o processo é sigiloso, a família foi orientada por um coiote, como são conhecidos os traficantes de pessoas que atuam na área, a adotar uma estratégia arriscada.
Eles viajaram até o México em seis pessoas: os avós, os pais, um adolescente e um bebê. Pretendiam entrar juntos nos Estados Unidos, assim como já fizeram quase 22 mil brasileiros nos primeiros cinco meses de 2021, o maior número da série histórica de registros.
Antes de atravessar a fronteira, no entanto, a família foi separada em dois grupos: os pais seguiram com o filho adolescente e chegaram ao seu destino final no país. Os avós ficaram com o bebê e não conseguiram concluir a viagem.
As estratégias para vencer a fronteira
A família tentou usar um artifício conhecido no jargão da rede migratória como “cai-cai”. Funciona assim: um ou dois adultos, responsáveis legais por uma criança, cruzam a fronteira junto com ela e se apresentam às autoridades.
Como os Estados Unidos não podem manter menores de 18 anos presos nos mesmos centros de detenção para adultos e tampouco têm separado as famílias, na maior parte dos casos, os adultos apenas recebem uma notificação para se apresentar à Justiça em uma data futura e são liberados na sequência em território americano.
Boa parte nunca comparece nos tribunais e estabelece a vida no novo país, sem documentos.
Era exatamente essa a tentativa dos avós com o bebê, segundo os relatos feitos pela família às autoridades envolvidas no caso. Mas as autoridades imigratórias às quais os três se apresentaram desconfiaram da situação.
Os avós não tinham qualquer documentação para provar que fossem os responsáveis legais pelo bebê e, no contato com os agentes, deixaram essa informação escapar.
Por lei, apenas os pais ou pessoas expressamente autorizadas por eles, por meio de documentos com validade internacional, podem se deslocar com crianças de um país para outro.
Os agentes americanos colecionam histórias sobre “aluguel” de menores de idade para auxiliar na travessia de adultos na fronteira ou sobre tráfico de crianças e por isso são rigorosos com a comprovação do vínculo entre adultos e menores que se apresentam a eles.
Família separada
Diante da situação, as autoridades americanas determinaram a separação de avós e neto. Os primeiros foram remetidos a procedimentos de deportação.
O bebê foi encaminhado ao Departamento de Saúde e Serviços Humanos, que nos últimos meses tem vivido sobrecarregado por falta de vagas para acomodar a enorme quantidade de crianças desacompanhadas dos responsáveis, que, pela atual determinação americana, não podem ser deportadas.
No caso de João, no entanto, ele não poderia ficar em abrigos para crianças. Aprendendo a andar e a falar, sua condição era muito frágil e vulnerável, e foi preciso encontrar um novo lar temporário para o bebê brasileiro com urgência.
Depois de ser testado para covid-19, João foi enviado para uma casa de família americana na Virgínia, a cerca de 3 mil quilômetros da fronteira com o México. Há hoje uma escassez de vagas em lares temporários, e o alojamento para João foi possível graças ao trabalho de uma ONG de cunho religioso que tem arregimentado voluntários pelo país para acomodar crianças vindas da fronteira.
Em paralelo, a mãe de João começava uma luta pessoal. Primeiro, ela teve que enfrentar seu medo de ser deportada para poder ativamente buscar por notícias de seu filho.
Quando descobriu o paradeiro do bebê, foi preciso que ela tirasse documentos como passaporte, para si e para João, além de uma segunda via da certidão de nascimento do filho. Mas não ficou nisso.
Houve ainda a necessidade de que autoridades brasileiras entregassem às americanas o histórico criminal dela, sem nenhuma ocorrência de crime, para que ela pudesse ter direito a reaver o bebê em vez de ele ser encaminhado à adoção. Cada etapa da burocracia alongava o período longe do filho.
De acordo com dados do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, em 80% dos casos a criança que passa pela fronteira desacompanhada tem familiares nos Estados Unidos. E, em mais de 40% dos casos, o familiar que está no país é seu guardião legal.
É o caso de João e sua mãe. Há alguns dias, eles se reencontraram, mas ainda estão longe de um final feliz, já que os pais de João ainda terão que lidar com o processo de deportação que pode expulsar toda a família dos Estados Unidos. Por enquanto, João poderá aprender o português e inglês com sua família brasileira.
Fonte: BBC Brasil